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segunda-feira, 14 de julho de 2014

WES ANDERSON CADA VEZ MELHOR...

★★★★★★★★★☆
Título: O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel)
Ano: 2014
Gênero: Comédia, Fantasia
Classificação: Livre
Direção: Wes Anderson
Elenco: Ralph Fiennes, Tony Revolori, F. Murray Abraham, Jude Law, Adrien Brody, Saoirse Ronan, Willem Dafoe, Edward Norton, Tilda Swinton, Bill Murray, Harvey Keitel
País: Estados Unidos, Alemanha
Duração: 100 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre as aventuras de um respeitado concierge de um famoso hotel europeu e seu pupilo, que veio a ser seu melhor e mais fiel amigo.

O QUE TENHO A DIZER...
"É um engano extremamente comum pessoas acreditarem que a imaginação de um escritor está sempre em funcionamento, que ele tem um suprimento infinito de casos e incidentes, simplesmente inventando suas histórias do nada. Mas a verdade é que é o contrário. Quando as pessoas descobrem que você é um escritor, elas trazem os personagens e os eventos até você, e se mantiver sua habilidade de observar e ouvir com atenção, as histórias continuarão a..." e então o narrador é interrompido por um garoto que atira com uma arma de brinquedo ao mesmo tempo que, ao fundo do garoto, muito rapidamente, vemos em um segundo plano um pintor qualquer trabalhando na parede de uma sala. A câmera volta ao narrador, e ele continua.

É assim que começa a nova comédia aventuresca de Wes Anderson, que vai contar a saga de Gustave H (Ralph Fiennes), um elegante, bem humorado, magnífico e amplamente respeitado concierge do famoso Grande Hotel Budapeste, e como o aprendiz Zero Moustafa (Tony Revolori/F. Murray Abraham) se tornou seu melhor amigo e herdeiro de uma imensurável fortuna.

O início é exatamente o resumo daquilo que o diretor é em todos seus filmes, numa obsessão compulsiva, mas no extremo bom sentido e coerência. O momento que o narrador é interrompido por conta da criança, exatamente quando divagava sobre a habilidade do escritor em observar e ouvir, é o que Anderson faz o tempo todo com situações secundárias nas cenas quando chama a atenção do espectador para o segundo plano com ações inesperadas de figurantes, coadjuvantes ou simplesmente um cenário que aparentaria ser fora do contexto da situação. Outros diretores utilizariam as mudanças de foco para chamar a atenção entre diferentes planos e profundidades, mas Anderson, tal qual como Kubrick, raramente (a quase nunca) utiliza este artifício fotográfico. A imagem é limpa, todo o cenário e suas composições são claras e objetivas em toda a panorâmica da cena. Mas para Anderson, o segundo plano não é apenas uma composição dela, ela é a valorização do "slice of life", ou seja, o pedaço do cotidiano pouco visto ou admirado, mas que ele usa metodicamente para forçar o espectador a aprimorar sua habilidade de atenção e observação daquilo a sua volta e que pouco é notado.

Esse jogo entre imagens, ações e narrativa que Anderson faz chega a ser fascinante, pois é de uma sutileza tão marcante que é impossível não ser notada, e nem por isso perdemos o foco da narrativa ou do plano principal. Ao invés disso, quando descobrimos essa personalidade própria tão presente e aprendemos a identificar esses elementos delicados nas construções de suas cenas sempre dentro dessa harmonia incomum, seus filmes tomam outra dimensão e viram experiências prazerosas onde notamos seu humor singular, pois fogem completamente do convencional.

Muito se diz atualmente que os filmes de Tarantino acontecem em um mesmo universo. Mesmo sendo dois diretores de estilos completamente diferentes, essa afirmação é muito mais coerente nos filmes de Anderson. Enquanto Tarantino interliga seus filmes através de referências, Anderson faz isso através da sua linguagem visual única. É como se ele tivesse um mundo com vida própria em suas mãos, e seus filmes fossem uma pequena observação de um lugar aleatório dele, pois todos possuem personagens comuns que se destacam e são explorados pelas situações excêntricas que se encontram, cada um deles em um espaço muito definido e atemporal, com a mesma abordagem lúdica, por mais séria que possa ser. Tanto é assim que conseguimos imaginar, por exemplo, os personagens deste filme se relacionando com os personagens de qualquer um de seus filmes anteriores.

Para este filme o diretor utilizou três tipos diferentes de proporções de vídeo para diferenciar as épocas em que as histórias se situam, pois O Grande Hotel Budapeste é uma história com várias histórias dentro que se completam quando atingem novamente seu ponto de partida. E contar histórias é o que Anderson sabe fazer, além de tudo, muito bem. É interessante notar como seus personagens nunca são coadjuvantes, até mesmo o próprio Hotel, que não é um cenário, mas um personagem também. Em todos seus filmes, o que manda são os eventos, e são eles que conectam um personagem ao outro, como é observado logo no início. A dupla Gustave H e Zero podem ser a unha e carne da narrativa, só não existiriam se, por exemplo,
Madame D. (Tilda Swinton) nunca tivesse sido citada. Mesmo ela tendo uma participação de apenas 95 brilhantes segundos, ela é o principal evento de toda a saga, tão memorável e principal como qualquer outro. Aliás, Tilda Swinton, mesmo irreconhecível em uma maquiagem feita "pelos melhores" (como afirmado pelo próprio Anderson), oferece uma caricatura tão cativante e verdadeira de sua personagem que é como se ela realmente existisse. Uma personagem tão passageira como qualquer um dos hóspedes do hotel, mas em nenhum momento fugaz.

Anderson é um diretor para ser apreciado com leveza, que faz da comédia não um gênero, mas uma observação singular e uma aula de como degustar histórias e imagens e apreciar o mundo e suas seriedades sem o peso da responsabilidade adulta.

CONCLUSÃO...
Se em Moonrise Kigdom (2012) Anderson contou uma maravilhosa e ingênua história de amor, neste filme ele utiliza os mesmos elementos para contar na sua forma lúdica uma aventura cheia de outros grandes personagens memoráveis que se conectam por eventos inesperados em um mundo próprio que ele observa para nos ensinar a observar o nosso próprio. Cada vez melhor, o diretor sem dúvida novamente carimba uma marca única no cinema atual sem se impor, apenas agradando com a bela forma de construir histórias simples, repletas de diferentes camadas e nuances que conseguiram migrar do público alternativo para conquistar o gosto popular de maneira relevante.

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