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quinta-feira, 26 de junho de 2014

POR QUE ELA MERECE VOLTAR?

★★★★★★★★★
Título: The Comeback
Ano: 2005
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Michael Patrick King
Elenco: Lisa Kudrow, Damian Young, Malin Akerman, Robert Bagnell, Lance Barber, Laura Silverman, Bayne Gibby
País: Estados Unidos
Duração: 25 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Valerie Cherish quer a todo custo reconquistar o sucesso depois de uma carreira morta há 15 anos.

O QUE TENHO A DIZER...
The Comeback foi um seriado criado, escrito e produzido por Michael Patrick King e Lisa Kudrow. Michael foi diretor, roteirista e produtor de Sex And The City, e Lisa foi estrela de Friends. O seriado foi lançado no canal HBO um ano após o término desses dois enormes sucessos, além de o primeiro e único na história da HBO a ser cancelado logo na primeira temporada. A explicação dada foi os baixos índices de audiência, já que a emissora havia tido três grandes sucessos consecutivos (Six Feet Under, Sex And The City e Os Sopranos). A princípio recebeu opiniões mistas, mas depois que o seriado finalmente engatou e voltou a chamar atenção ao concorrer a três Emmys, os críticos e o público resolveram dar uma segunda chance e analisar o seriado com mais calma. Foi então que, em 2012, a Entertainment Weekly o listou entre os 10 melhores seriados dos últimos dez anos, além de colocá-lo na posição 75 na lista de novos clássicos, o que novamente chamou atenção do novo público e praticamente virou uma campanha bastante atrasada para seu retorno.

Por conta da curiosidade tardia do público, The Comeback foi um dos raros casos em que o sucesso posterior foi maior do que durante sua exibição original, tanto em venda de DVDs como nas exibições "on demand" da HBO. Após a divulgação da Entertainment Weekly, ainda em 2012, a Writers Guild Foundation convidou Lisa Kudrow e Michael Patrick para darem uma coletiva de mais de duas horas a escritores e estudantes para falarem sobre o seriado e todo o processo criativo no desenvolvimento dos roteiros, uma entrevista bastante esclarecedora sobre como tudo começou, como o seu cancelamento pegou todos de surpresa e como todos ainda lamentam seu cancelamento (é possível assistir essa coletiva em duas partes: PARTE 1 e PARTE 2). Mas em Abril de 2014 a HBO novamente pegou todos de surpresa ao finalmente concordar com seu erro e aceitar a campanha ao anunciar o retorno do seriado para mais uma única e curta temporada de apenas seis episódios, que agora se passará 10 anos depois dos episódios originais. Segundo o canal, o seriado poderá ou não ser renovado conforme a repercursão do retorno.

O enredo central da primeira temporada foi mostrar a tragetória e tentativa da atriz Valerie Cherish em voltar aos holofotes depois de uma carreira morta há 15 anos. Agora a emissora de seu primeiro e único sucesso, sem gandes idéias, a escolheu para estrelar o reality The Comeback ao mesmo tempo em que ela também é coadjuvante de uma nova sitcom da mesma emissora chamada Room & Bored, na qual ela foi escalada apenas para servir como ponte para o lançamento de seu show. Embora 15 anos tenha se passado, Valerie não sente isso. Ela ainda acredita ser famosa e reconhecida pelo seu primeiro e único sucesso, e que a exploração de sua imagem é para dar crédito a emissora, quando na verdade a emissora quer apenas dar continuidade a produções baratas, descartáveis e de rápido retorno. Esse egocentrismo e falta de percepção da realidade é o que vai complicar todo o processo de Valerie, transformando seu trabalho naquilo que será chamado pelo produtor de "show do ódio", já que será uma guerra entre ela, os produtores e, principalmente, os roteiristas da sitcom, ganhadores de um Emmy que não conseguem aceitar o fato de estarem perdendo espaço no mercado por causa de reality shows.

Ao contrário do que muita gente pensou na época, The Comeback não foi uma tentativa de Kudrow catapultar sua carreira solo como tentaram a todo custo seus outros colegas de Friends, e muito menos seria uma sátira sobre ela mesma, como muitos julgaram a partir de seu título e do seu inicial fracasso. Kudrow já tinha a personagem em mente cuja idéia surgiu depois de assistir alguns episódios humilhantes da segunda temporada de Amazing Race, em que os participantes vomitavam e choravam em frente a câmera em rede nacional, além da inspiração também ter surgido de programas como The Osbournes e do surreal The Ana Nicole Smith Show, o qual ela afirma não entender como conseguiu assisti-lo. Foi então que, em um almoço com Michael Patrick, ela comentou sobre sua idéia. Muito embora ela não tivesse interesses em retornar para uma sitcom tão cedo e Michael também não estava procurando algo novo para trabalhar depois dos exaustivos anos de Sex And The City, ele se empolgou com a idéia, e ela se empolgou tanto com a empolgação dele, que o almoço, que era pra ser apenas um encontro sem pretensões, se transformou em uma reunião de negócios, e quatro horas depois a idéia de quase todo o seriado estava pronta. Segundo Lisa, houve uma química tão imediata de idéias que ela não consegue imaginar outra pessoa para ter trabalhado com ela neste projeto além dele.

Lisa e Michael desenvolveram os personagens e as histórias, mas foi Michael quem escreveu o piloto em apenas três semanas. Segundo afirmação dada por eles mesmos, embora as filmagens aparentem ser improvisadas, tudo estava em roteiro, desde mínimas ações, como um tropeço, até as maiores, como os diálogos. Lisa afirmou que os diálogos de Valerie eram improvisados apenas durante o desenvolvimento dos roteiros, mas nunca durante as filmagens. Ela se encontrava com Michael, encarnava a personagem e simplesmente despejava os diálogos e situações enquanto ele redigia. Michael disse que esse era sempre um dos momentos mais difíceis porque ele queria captar a maior quantidade de informações possíveis, mas seus dedos não conseguiam acompanhar a velocidade de criação espontânea que ela tem. Depois que os diálogos improvisados de Valerie estavam redigidos, eles eram encaixados e trabalhados em suas devidas situações.

Quando levaram a idéia aos chefões da HBO, boa parte de toda a primeira temporada já estava pronta. Ele afirmou na coletiva dada a Writers Guild Foundation que, a princípio, ninguém havia entendido a idéia do seriado, e que ele usou suas influências adquiridas com o sucesso de Sex And The City para convencê-los de que a idéia valeria a pena, e que muito do que estava no roteiro poderia não fazer sentido, mas faria depois que Lisa Kudrow representasse. O piloto foi apresentado e a emissora aprovou a produção de mais 12 episódios e o seriado teve estréia no dia 05 de Junho de 2005.

O formato parecia não chamar muito a atenção das pessoas, já que era um "mockumentary", termo dado a documentários forjados e de apelo cômico, o que levou o show a ser erroneamente comparado ao fracassado seriado desse estilo, Fat Actress, de Kirsty Alley. Para que assistir um reality falso quando havia outras dezenas de verdade? Era o que se passava na cabeça das pessoas. Mas ele não era sobre um reality show e tampouco a tentativa de imitar um, mas uma sátira sobre a decadência do show business e da indústria do entretenimento através de uma atriz fracassada disposta a tudo para retomar uma carreira, exatamente como todas as demais pessoas desesperadas por sucesso e que se submetiam a essas humilhações públicas estavam dispostas.

Uma das coisas interessantes de Valerie é que ela bloqueou completamente o fato de sua carreira ter fracassado, tanto que tudo que é citado dentro do período de 15 anos que ela estava inerte, ela não se lembra. É realmente como se ela tivesse ficado em coma profundo. Como acontece no episódio 10, em que ela comenta com seu cabeleireiro sua vontade de recontratar um antigo conhecido, e seu cabeleireiro a relembra de que ele morreu em 1994. Isso é apenas um exemplo dos divesos lapsos de memória da personagem.

Todas as situções que Valerie vivencia também é obviamente a mais brilhante e brutal sátira sobre os rumos que a televisão e seus bastidores estavam tomando (e tomaram). Os programas de realidade documentada já estavam no mercado há alguns anos, mas ainda não tinham atingido seu limite destruidor. Acredita-se até hoje que eles estão em decadência, mas eles nunca acabam. Por isso que é uma opinião praticamente unânime da crítica que uma das razões de The Comeback ter sido compreendido tardiamente foi porque ele estava a frente de seu tempo, porque muito do que ele mostrou foi o que os reality shows e a televisão mundial se transformou nos anos seguintes, pois antes eram pessoas desconhecidas sendo exploradas pelas câmeras, mas atualmente qualquer pessoa é alvo, principalmente subcelebridades ou artistas inertes que se sujeitam a explorar suas próprias vidas da maneira mais ultrajante possível para tentar transformar o sensacionalismo e a banalidade em uma oportunidade ilusória de reconquistar a fama, quando na verdade é completamente o oposto, porque a efemeridade de tudo é tão devastadora que o ponto final será novamente a decadência, mas agora com a pessoa desprovida de qualquer reputação, privacidade ou moralidade própria. Ou seja, restará um nada, como bem citaram Lisa e Michael na coletiva.

Portanto, não há como negar que o que vemos é praticamente um documentário sobre uma personagem fictícia dentro de uma realidade, pois é a experiência e a reprodução mais verossímil que poderíamos ter sobre o tema. Segundo Lisa Kudrow, nada poderia ser mais degradante na carreira de alguém estrelar um programa que clama seu retorno no próprio título porque é a confirmação de que ela já havia ido embora há muito tempo. Mas o egocentrismo, o excesso de auto afirmação, e a estagnação de Valerie no tempo a impedem completamente de enxergar a realidade atual a sua volta ou de simplesmente se satisfazer com o que lhe é oferecido. Tudo para ela nunca é bastante o suficiente. Ela nunca será uma grande estrela, mas por mais alto que ela chegue, seu objetivo estará sempre acima daquilo, e isso não é ambição, é simplesmente sua constante busca pela cura da intensa frustração de nunca ter sido, nem ao menos sequer, uma líder de torcida na adolescência.

Chega um determinado momento que compreendemos as preocupações e as vontades da protagonista, mas ela é como um caminhão sem freio em uma ladeira, que não para enquanto não se choca com alguma coisa. Há um momento muito interessante no quarto episódio em que ela discute com o produtor uma piada escrita pelos roteiristas do programa e que ela acredita não funcionar por ter um humor preconceituoso que pode denegrir sua imagem. O produtor simplesmente diz pra ela parar de se preocupar com isso, pois ele também sabe que a piada não funciona, e os roteiristas precisam saber disso pela platéia. Mas ela não para. Quando a piada não funciona com a platéia e ela novamente os questiona sobre isso, o nível de intolerância deles com Valerie já está tão alto que eles dão a ela uma fala pior e muito mais constrangedora, um "cala a boca Valerie" que ela poderia ter evitado, mas sua ansiedade e excessos a impedem de enxergar qualquer limite.

Valerie é a causa e a consequencia de seus próprios problemas e constrangimentos. Alguns escritores acreditam que protagonistas não podem ser vítimas perpétuas deles mesmos, pois serem eles mesmos a causa e a consequencia de seus problemas torna algo conflitante para quem o observa, resultando em um bloqueio de sensibilidade que anula a conexão emocional e distancia o espectador do personagem. E o espectador, ao invés de se simpatizar com os conflitos do protagonista, vai se simpatizar com a antipatia que os antagonistas tem por ele. O personagem não se torna um vilão, mas também não é um herói, vindo a ser simplesmente uma figura desconfortável, vazia e constrangedora tal qual é Valerie Cherish.

Mas nesse seriado essa personalidade tão fragmentada funciona dentro de uma coerência tão perfeita que essa noção de realidade das situações que ela vivencia aumentam microscopicamente para o espectador. Tudo finalmente se equilibra entre o personagem e o espectador quando Valerie passa a ser atacada gratuitamente e de forma ofensiva por antagonistas que reagem em excesso aos excessos dela, em um assédio constante e amoral. E então entendemos porque ela é como é, pois Valerie é, acima de tudo, ingênua demais para perceber a crueldade alheia. Ela é egocêntrica e até mesmo oportunista para suas causas próprias e autoafirmações sociais, mas passível e com um grande senso de responsabilidade e consideração que são minados o tempo todo por ela mesma devido a este conflito que ela vive entre ser o que deve ser e aquilo que acha que deve ser. A sátira de um típico produto de entretenimento. Ela não é uma pessoa ruim, e sua humanidade muitas vezes nos pega de surpresa além do que esperamos, como acontece também no episódio 10, quando ela resolve dar um de seus convites para a roteirista gorda e depressiva, ou no último episódio, quando ela impede sua empregada de organizar a mesa de jantar pois ela está lá como convidada. São em momentos como esse que as máscaras de Valerie caem e enxergamos ela como uma pessoa de verdade e, finalmente, uma vítima na qual conseguimos nos conectar.

Essa reviravolta da personagem (ou "turning point", como é o termo correto) acontece a partir do episódio 8, quando ela finalmente deixa mais explícito essas camadas mais humanas e menos plásticas, e mesmo Valerie nunca deixando de ser uma vítima perpétua de si mesma, e mesmo o espectador nunca deixando de se constranger com suas atitudes, passamos a nos sensibilizar com toda a hostilidade existente em sua volta e a compreender sua existência tão caótica, torcendo por seu sucesso, mesmo tendo a certeza absoluta de toda sua futilidade e do seu iminente fracasso.

Lisa Kudrow desempenha um papel tão fantástico que, embora a personagem seja muitas vezes caricata como a comédia e as situações exigem, são os momentos de sutileza em que ela mais brilha com pequenos gestos e olhares que fazem efervecer tudo que ela contém a todo instante. Valerie é uma personagem cômica por excelência, mas Lisa utiliza a comédia naquele real propósito de aliviar as cargas dramática e nos preparar para absorver sua penosa realidade. Os méritos da atriz não estão apenas em sua atuação, mas também como uma artista criativa que conseguiu captar todas essas nuances da realidade do entretenimento e reproduzi-los em cada um dos personagens, sendo Valerie o centro de toda essa ostentada bagunça. Bato sempre na tecla em afirmar que ela não é apenas uma comediante, como demonstrou em Friends, mas uma impressionante humorista que cria personagens originais como Valerie ou Fiona Wallice, de seu seriado posterior Web Therapy, outra genial idéia. Não há dúvidas também de que Valerie se transformou em uma referência, tanto que em 2011, com o seriado Enlightened, também da HBO, a personalidade desastrosa da personagem Amy Jellicoe e sua também perpétua vitimização de si mesma em um incansável efeito dominó constragedor, chegou a ser comparada com a de Valerie.

Se os seis novos episódios serão suficientes para o cômico drama de Valerie Cherish, isso não podemos saber. A única certeza é que, mesmo tardio, esse reconhecimento é mais que necessário, é uma obrigação àqueles que veem a comédia como algo sério e muito mais do que piadas prontas para risadas automáticas e vazias.

CONCLUSÃO...
Não há dúvidas de que ele é um dos melhores seriados dos últimos 10 ou 20 anos, uma experiência de comédia satírica bastante diferente do que era produzido na época e ainda assim atual, mesmo que 9 anos tenham se passado.

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