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segunda-feira, 9 de junho de 2014

DIFÍCIL...

★★★★★★
Título: The Double
Ano: 2013
Gênero: Suspense, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Richard Ayoade
Elenco: Jesse Eisenberg, Mia Wasikowska, Wallace Shawn
País: Reino Unido
Duração: 2013

SOBRE O QUE É O FILME?
A vida de um comum trabalhador vira do avesso quando ele encontra uma pessoa exatamente idêntica a ele, porém com uma personalidade totalmente contrária e tudo aquilo que ele gostaria de ser.

O QUE TENHO A DIZER...
The Double (ainda sem título em português) é o segundo filme dirigido pelo jovem britânico Richard Ayoade, que anteriormente dirigiu o excelente Submarino (Submarine, 2010) e que curiosamente tem como um dos produtores o ator Michael Cane. Mas ao contrário de seu primeiro longa de narrativa linear inteligente e do humor negro classudo de fácil absorção, aqui ele foge da narrativa clássica, muito embora a estética esteja muito presente e referências a diretores como Terry Gillian e David Lynch estão sendo inevitáveis tanto por aqueles que adoraram quanto pelos que odiaram.

Por uma razão desconhecida, o filme tem recebido críticas positivas em sua maioria. Foi originalmente lançado em Setembro de 2013 no Festival de Toronto, e terá lançamento em mercado norteamericano este ano. Tem sido promovido com um suspense com teores de humor negro, mas esse humor negro difícilmente vai ser notado ou apreciado pela maioria.

Conta a história de Simon, um rapaz tímido, condescendente e genuinamente bondoso, que trabalha em uma empresa há sete anos, mas seus esforços nunca foram notados, muito menos sua presença. Como se nada disso bastasse na sua vida, há uma inexplicável capacidade natural de tudo dar errado a sua volta, e sua vida vira de ponta cabeça quando James é contratado para trabalhar no mesmo setor. James é um sósia idêntico de Simon, mas ninguém nota isso, pois para todos Simon nem ao menos existe, nem mesmo aos sensores do elevador. Simon fica fascinado com a eloquencia, autoconfiança e desenvoltura de James, pois enxerga no colega tudo aquilo que ele não tem coragem de ser. Isso leva a ambos desenvolverem uma relação de amizade que se transforma em guerra quando Simon percebe que James está tomando um lugar que ele nunca teve.

O filme é baseado no livro homônimo de Fyodor Dostoyevsky, que obviamente conta uma história similar conhecida por utilizar o mito do doppelganger, uma palavra de origem alemã que significa muito mais do que apenas "sósia" ou "dublê" na língua portuguesa, mas uma pessoa exatamente igual a outra, como um clone, mas sem qualquer origem genética. Na mitologia essa figura pode ser vista como uma pessoa fisica e espiritualmente idêntica como também um alter ego, ou seja, com uma personalidade distinta, geralmente aquela almejada pela pessoa, mas nunca conquistada de maneira consciente. Em algumas outras culturas ele é visto como uma versão demoníaca de si mesmo.

Embora essa adaptação seja uma projeto ousado do diretor, fica difícil analisá-la de forma contundente pelo fato da obra de Dostoyevsky não ser amplamente conhecida, embora bastante referenciada e controversa, já que é possível encontrar diferentes linhas de pensamento sobre ela. Alguns acreditam que o personagem do livro sofre de esquizofrenia, outros acreditam que seja um alter ego do personagem principal que está em busca de sua verdadeira identidade que é ou não oprimida pela burocracia sufocante em que vive.

A partir dessas características e controversias sobre a obra literária toda a situação em volta do personagem principal no filme é construída, bem como a ascenção de James sobre os méritos de Simon, ao ponto de Simon chegar a sua quase autodestruição e inexistência. Não há como deixar de notar James como um alter ego do personagem, assim como foi Tyler Durden em Clube da Luta (Fight Club, 1999). Em muitas outras sequencias também ficamos na dúvida se tudo o que acontece é consequencia de um surto esquizofrênico do personagem que não aguenta mais toda a opressão a sua volta, ou também aquilo que pode ser chamado pela psiquiatria de heautoscopia, também uma alucinação, em que a pessoa enxerga a mesma imagem de si como um espelho, porém de forma distorcida ou não. O que acontece com James também pode ser simplesmente uma mistura de tudo isso, o que é muito mais provável, já que o diretor e roteirista não consegue dar uma definição muito clara para qual linha de pensamento ele quer levar seus personagens.

Não é um filme fácil e há muito tempo não assistia uma narrativa complexa assim desde Possuídos (Bug, 2006), com divagações psicoanalíticas e sociais puxadas para esse teor surreal e discutível. Como disse, é um projeto ousado do diretor Ayoade e foge completamente da beleza e delicadeza narrativa de seu filme anterior, e muito embora ele se bem suceda na construção do personagem e em mostrar que ele é alguém muito frágil para suportar sua própria significância, ou de mostrar sua incrível capacidade de tolerar tudo, menos ele mesmo, porque a existência de James cria o dilema dele aceitar tudo em silêncio ou finalmente resolver mudar e se adaptar, a qualidade final do roteiro fica questionável quando não encontramos nenhum ponto realmente esclarecedor sobre quem ou o que tudo isso realmente significa. É um alter ego? É uma figura resultante de uma esquizofrenia? É um extraterrestre? É alguma outra coisa qualquer? É tudo isso ou nada disso?

Claro que não há como negar suas qualidades, como as já ditas sobre o desenvolvimento dos personagens, a fotografia e os enquadramentos incríveis que remetem uma década de 60 que ao mesmo tempo não se encaixa nessa época, como um mundo paralelo frio e inquieto. A trilha sonora sem dúvida é o grande destaque não apenas ao utilizar um repertório asiático antigo, mas também por fazer sons ambientes também virarem melodias inusitadas em uma similaridade ao de Bjork no filme Dançando no Escuro (Dancer In The Dark, 2000), criando o clima denso e até sombrio por muitas vezes. A atuação de Jesse Eisenberg é propositalmente coreografada e contida como Simon e explosiva como James e essa versatilidade do ator realmente dá outra dimensão nos momentos em que ele contracena com ele mesmo.

Existem tantas questões que surgem quando o filme acaba que desistimos dessa masturbação mental para simplesmente não cair na possibilidade de entrar em um mar sem respostas, e no fim das contas tudo aparenta ser apenas mais um daqueles filmes bem construídos, que rodam e rodam pra deixar o espectador tonto e com vergonha de dizer que entendeu e não saber explicar, ou ficar com vergonha de dizer que nada entendeu e ser taxado de ignorante por quem faz pose de intelectual. Tudo pode fazer muito sentido na cabeça do diretor, mas acho até desrespeitoso abranger tantas possibilidades sem haver uma conclusão coerente, como que jogar a batata quente na mão do espectador. Independente disso, as críticas e as ironias estão lá, e essas são relevantes e consideráveis acima de qualquer coisa.

CONCLUSÃO...
Bem feito, construído e atuado, com uma trilha sonora bastante inusitada e impactante, um filme que talvez consiga até surpreender em vários aspectos, mas vai deixar muita gente com uma interrogação na testa por não dar uma clareza ou um ponto determinante para encontrar um denomidador comum. Mas independente disso, as críticas sobre o ser e não ser estão lá.

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