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segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

ANIMAIS DO SELVAGEM EXTREMO SUL...

★★★★★★★★★☆
Título: Indomável Sonhadora (Beasts Of The Southern Wild)
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 12 anos
Direção: Benh Zeitlin
Elenco: Quvenzhané Wallis, Dwight Henry, Gina Montana
País: Estados Unidos
Duração: 93 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Hushpuppy é uma garotinha de seis anos de idade que vive numa região pantaneira no sul de Louisiana chamada Bathtub, seu pai está bastante doente, ao mesmo tempo que a aldeia sofre com as ameaças de enchentes e a relocação dos habitantes para um abrigo.

O QUE TENHO A DIZER...
É filme de estréia de Benh Zeitlin, o qual também assina o roteiro juntamente com sua amiga pessoal, Lucy Alibar, autora da peça "Juicy And Delicious", obra na qual o filme foi baseado. É também o primeiro longa metragem da produtora Court 13, também do diretor, que tem como filosofia realizar grandes histórias sobre pequenos grupos, revivendo seus extremos ao invés de apenas contá-las, produzindo filmes de baixo orçamento dotados de grande sentimento e desafios, mas acima de tudo, feitos para o grande público.

Sem dúvida é um dos filmes mais poéticos, belos e sensíveis de 2012, além de ser uma grande surpresa, já que, nos Estados Unidos, dificilmente são produzidos filmes com essa estrutura narrativa diferente e qualidades à parte. Ou seja, não chega a ser ousado o bastante para ter aquele apelo alternativo, ou precário o suficiente das produções independentes (embora ele seja um), mas também não fica muito distante do emocionalismo Hollywoodiano, estacionando em um meio termo que sabe se apropriar de todas essas qualidades nos momentos exatos.

Indomável Sonhadora é um drama sulista e que mostra a realidade de uma cultura e de uma sociedade aberta e receptiva, porém bastante tradicionalista. Conta a história de Hushpuppy (Quvenzhané Wallis), uma criança de seis anos abandonada pela mãe e que vive com seu pai Wink (Dwight Henry) em uma pequena comunidade pantaneira no sul da Louisiana, esquecida e isolada do resto do mundo por conta das barragens ao redor do território. A aldeia é chamada de Bathtub (banheira), por conta das constantes ameaças de enchentes por chuvas ou, no futuro, pelo derretimento das calotas polares, como diz sua professora em uma das aulas. Mas uma tempestade se aproxima e a aldeia é inundada pela água do mar. Pessoas morreram e o sal está acabando com a mata, as árvores e os animais de fome. Wink decide fazer algo a respeito disso, e com o auxílio de amigos ele destrói uma parte da barragem com dinamites para que a água escoe da aldeia. Após esse incidente, os moradores são despejados do território e enviados a um abrigo. Enquanto isso a relação entre Hushpuppy e seu pai está em crise, já que ele está gravemente doente e esconde isso dela, que descobre por conta do seu próprio senso de observação, mas acredita na sua ingenuidade que essa doença seja por conta de um coração que ficou machucado quando sua mãe os abandonou, mulher que ele referia ser tão bela que quando passava conseguia colocar água em ebulição.

O filme começa com uma observação sensível da relação da personagem com os animais, e de como ela gosta de observá-los para saber o que pensam e como agem. Ela diz que o coração de todos batem igual, porém a linguagem desses órgãos é diferente, e que a única coisa em comum a todos é a fome e as demais necessidades básicas. Portanto, descobrindo isso ela acaba por descobrir a natureza de todo animal, além de sua própria realidade.

A história é narrada pelo ponto de vista da personagem principal, que intervém frequentemente na história com suas constantes observações do mundo que a rodeia, das lições aprendidas, ensinamentos adquiridos, anseios, frustrações e desejos. Claro que imagina-se como é possível uma garota de seis anos ser tão poética e coerente enquanto narradora, mas ingenuamente infantil e sensível enquanto personagem. Mas a narrativa funciona como uma tradução de tudo que é visto e absorvido por ela. Benh Zeitlin teve um cuidado bastante delicado ao utilizar duas linguagens de filmagem, fazendo com que todas as imagens mostradas representassem a visão subjetiva da personagem, ao mesmo tempo que ele soube direcionar diversas sequencias, bem como as atuações, de forma tão natural e local que o filme também soa como um documentário, facilitando a compreensão de como todas essas informações são processadas na cabeça da personagem e dentro de sua realidade infantil e fantástica.

Embora a aldeia no filme seja fictícia elas são referências a aldeias que realmente existem em um território chamado Terrebonne Parish e Montegut, também no sul de Luisiana, lugares onde as filmagens foram realizadas. E a tempestade é uma referência ao furação Katrina que atingiu os EUA em 2005 e matou mais de 1.800 pessoas. Portanto, embora o filme seja um drama fantasioso, ele é baseado em situações reais de uma pequena população que luta para manter suas tradições e raízes, e que por mais miserável que a vida possa ser, eles possuem liberdade e riquezas dentro de uma natureza selvagem que faz parte de suas vidas e culturas que não seriam encontradas em qualquer outro lugar, sendo como tirar um peixe da água.

Por isso que nesse selvagem extremo sul as pessoas devem agir de forma igualmente selvagem, pois só assim para sobreviverem a condições tão difíceis e ao mesmo tempo encontrar prazer e a imensa razão de manter a vida nessas condições. Isso é observado na forma pedagógica pouco convencional na qual o pai de Hushpuppy a condiciona, tanto que cada um vive em uma casa, para que ela aprenda a viver de forma independente o mais cedo possível. A brutalidade rústica com que ele ensina e mostra a realidade são para prepará-la para ter forças e condições suficientes para sobreviver, bem como conquistar os prazeres de tudo isso e se conectar diretamente com sua natureza.

Hushpuppy, em paralelo com os acontecimentos ao seu redor, vive em sua fantasia um crescente confronto com os Auroques, animais selvagens ancestrais do gado doméstico, difíceis de serem domados e que são apresentados pela professora como animais tão ferozes que conseguiam se alimentar de bebês e matar os homens das cavernas por eles serem pequenos e fracos. No momento em que a relação entre ela e seu pai começa a ficar conflituosa, em sua cabeça tudo está ruindo como as calotas polares, liberando os Auroques, numa metáfora ao amadurecimento precoce e a conquista de força e coragem pela qual terá que passar. Ela também descobre no decorrer de seu amadurecimento que os animais selvagens conseguem sentir o cheiro de corações fracos, dos quais eles se alimentam. Mas sua personagem se torna tão forte e grandiosa no decorrer do filme que uma das sequências finais, quando em sua imaginação ela fica frente a frente com um Auroque, toda essa condição poética que se desenvolve durante o filme se concluí numa cena belíssima e emocionante, intensificados por uma trilha sonora simples, inocente e motivadora, tal qual a personagem.

A atriz mirim estreante, Quvenzhané Wallis, que por sinal é uma moradora local de Montegut (bem como a maioria do elenco), é o destaque de todo o filme, não apenas pelo fato de ser a atriz principal, mas pela seriedade com que ela desempenha o papel com apenas cinco anos de idade, numa sensibilidade incomum e tão realista que é impossível não se sensibilizar.

Muito bem recebido pela crítica e pelo público, ele foi um dos grandes destaques em premiações como Cannes e Sundance. Tem se tornado um dos favoritos para a temporada de premiações 2013, que começou com as indicações ao Independent Spirit Awards, no qual o filme está concorrendo nas categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Fotografia e, obviamente, Melhor Atriz. Há uma grande campanha para que ele seja lembrado em premiações mais comerciais como Globo de Ouro e Oscar, e talvez seja bem sucedido, já que que o filme teve um orçamento de apenas US$1.8 milhões (fundos dos quais, segundo o diretor, foram de grande dificuldade conseguir) e uma estréia bastante limitada em Julho (apenas 4 cinemas), mas já arrecadou até o momento mais de US$11 milhões, além de estar emocionando muita gente.

CONCLUSÃO...
Muito poético e sensível, um dos grandes filmes independentes do ano. Emocionante e motivador através de uma cultura sulista norte-americana que não é vista com frequência. Atuações fantásticas, com destaque para a atriz mirim estreiante, além de roteiro e direção que souberam manter um realismo em um equilíbrio entre o ponto de vista observador e o ativo.

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