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sexta-feira, 26 de agosto de 2016

LE FREAK, C'EST CHIC...

★★★★★★★☆☆
Título: The Get Down
Ano: 2016
Gênero: Drama, Comédia, Musical
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Justice Smith, Herizen Guardiola, Shameik Moore, Yahya Abdul-Mateen II, Jimmy Smits, Giancarlo Sposito, Kevin Corrigan
País: Estados Unidos
Duração: 52 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um garoto poeta, uma aspirante a diva Disco e um grafiteiro são impactados pelas importantes mudanças socioculturais no Bronx entre as décadas de 60 e 70, em meio à máfia musical novaiorquina, muita levada Black e cultura Hip Hop.

O QUE TENHO A DIZER...
The Get Down é um projeto que Baz Luhrmann vem esculpindo há dez anos, e percebe-se de maneira bastante clara o motivo de ter demorado tanto tempo para sair do papel, já que lida apenas com a cultura negra norteamericana e como sua relevância tornou-se forte influência no cenário cultural mundial, além de inaugurar um importante espaço para o protagonismo negro no Netflix sem precisar transformá-los em piadas prontas ou vitimizá-los da maneira melodramática ou sensacionalista, como costumamos ver no cinema e na televisão.

A série tem como cenário o bairro do Bronx, mais especificamente sua porção sul, inflada por imigrantes, que sofreu com a pobreza e delinquência durante as décadas de 60 e 70, quando gangs dominavam o bairro durante a recessão econômica, impedindo o desenvolvimento social e urbano, obrigando a própria comunidade a buscar soluções para sua autosobrevivência. A série enaltece a cultura Black da melhor forma possível, só que sempre dentro de um ambiente antagônico entre o glamour e a pobreza, o lixo e o luxo dos guetos.

Luhrmann repete aqui aquele estilo que o consagrou, introduzindo elementos musicais em meio à narrativa, usando a música como uma extensão dela em uma trilha sonora arrebatadora do início ao fim com os mais diversos clássicos que usam e abusam do groove, do scratch, dos samples, dos loops e do black power. "Cheio de mojo, baby", como diria Austin Powers. Só que sem a mesma apoteose carnavalesca de Moulin Rouge! (2001), dessa vez o cenário se torna um pouco mais acessível, identificável, palpável e próximo. Claro que ainda existe um embelezamento nos cenários e situações, um filtro de limpeza que deixa tudo um pouco mais bonito e organizado na tela do que deveria, mas não se pode negar que a cultura negra esteja bem representada em suor e cores. E por essas e outras que The Get Down pode ser visto como o lado B de Vinyl (2016), seriado da HBO cujo tema é também sobre o cenário musical da mesma época.

É impossível não se emocionar ou sentir nos ossos a vibração e o poder da música Black de raiz quando as pistas de dança invadem as cenas em belas coreografias, figurinos e maquiagens de tirar o fôlego como os filmes de Travolta costumavam fazer. A diferença aqui é que não estamos falando do rockabilly, mas do ápice do boom da Disco Music, e do momento em que o verdadeiro Funk (junto com o Disco-Funk) se disseminava pelo underground novaiorquino e começava a tomar conta das ruas para o mundo.

Não me lembro de ter visto uma representação tão imponente dessa atmosfera tal como Luhrmann cria nos três primeiro episódios. E como não admirar a forma como ele insere a máfia dentro disso tudo? Conseguindo dar glamour até mesmo à violência - tal como ele fez em Romeu + Julieta (1996) - além de transformar o cenário musical inexoravelmente o centro de toda a trama.

A história tem a intenção básica de, uma forma bastante didática, contar como a Black Music e a
cultura Hip Hop foram movimentos socioculturais importantes para a compreensão e maturação de uma sociedade segregada e sem perspectivas. Há um tom lúdico em tudo, notado pelo elenco juvenil mais presente do que o adulto, além dos personagens principais lidarem com temas corriqueiros dessa fase da vida, como a descoberta do amor, do sexo, amizade e a concretização de sonhos. E em meio a esses símbolos da juventude são inseridos os perigos sociais, como a violência urbana, o oportunismo, a ambição e o tráfico de drogas. São igualmente estilos do diretor, que adora recriar historietas shakesperianas aguadas de amores impossíveis em meio a rivalidades famíliares ou grupistas, algo que tem aos baldes. Mas mesmo que o roteiro se bagunce um pouco para criar uma coerência com tudo isso, não deixa de ser válida a tentativa de mostrar os processos de escolha e quais são as motivações para se decidir entre o caminho certo ou o errado, e como tudo progride para cada um dos personagens.

É interessante a maneira como a cultura Hip Hop é usada para construir essa narrativa fictícia de maneira respeitosa, ainda que se mantendo pop e acessível, justificando fantasiosamente a origem de estilos e raízes para dar densidade às tramas, como a batalha de rimas e MC's como um processo fundamental para o protagonista; as batalhas de dança, que no contexto é o que empodera os personagens e mostra o seu grau de influência no grupo; a grafitagem, que exterioriza o modo de vida e o pensamento; a discotecagem, que na história representa o domínio da massa e a busca pela fama; a formação de gangues e os atritos entre elas, representando o controle e reinado.

Infelizmente o cuidado do design de produção não foi o mesmo com a escolha de elenco. Há uma incoerência que tende a deixar os melhores atores ao fundo e trazer para destaque aqueles que mal conseguem representar, a começar por Herizen Guardiola, que interpreta a "heroína disco" Mylene, que entre lágrimas que não escorrem e um falso sorriso irritante para tudo quanto é cena, faz a situação parecer um teatro escolar. As atrizes que interpretam suas melhores amigas conseguem fazer um trabalho muito mais surpreendente do que ela própria.

É clara a intenção de Luhrmann em Glee-metizar o seriado para atrair o público mais jovem que adora ver personagens de repente começarem a cantar e dançar na padaria, mas para uma produção que se atentou aos detalhes da época e que até conta com atores de peso pesado como Giancarlo Esposito ou Jimmy Smits, a falta de talento cênico de poucos deprime bastante a qualidade geral de algumas cenas, como a presença apática de Jaden Smith (filho de Will Smih), facilmente dispensável. Talvez tudo poderia ter sido mais interessante e empolgante se a história não tivesse uma mistura etária tão gritante. Luhrmann faz isso como que a mostrar que não importa a idade, é como se todos estivessem dentro de uma caixa com os mesmos objetivos, ou todos fossem tratados como iguais, mas essa discrepância tira aquela pitada de verossimilhança que faria toda a diferença.

A produção de doze capítulos foi divida em duas partes, e os últimos seis episódios serão lançados no primeiro semestre de 2017, uma provável nova estratégia da Netflix de "encurtar" o perído de espera de temporadas, ao invés de soltar todos os episódios de uma vez só e seus assinantes terem que amargar um ano inteiro sem material inédito. Talvez funcione, e com The Get Down a idéia não poderia ser melhor, já que os episódios tem muito para ser apreciado.

CONCLUSÃO...
Luhrmann sem dúvida acerta na maior parte do tempo, até mesmo quando as intenções parecem erradas, como rejuvenecer demais o tom. Mas ao mesmo tempo isso alivia aquele peso dramático e violento que o seriado poderia ter, e deixá-lo um tanto lúdico deu uma característica diferente e apreciável, mesmo que inverossímil e um tanto aguado algumas vezes.

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