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terça-feira, 14 de novembro de 2017

DIVERSÃO AO QUADRADO...

★★★★★★★★☆
Título: Stranger Things 2
Ano: 2017
Gênero: Ação, Fantasia, Ficção Científica, Drama, Suspense, Terror
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Winona Ryder, David Harbour, Finn Wolfhard, Noah Schnapp, Millie Bob Brown, Gaten Matarazzo, Caleb McLaughling, Natalia Dyer, Charlie Heaton, Joe Keery, Sadie Sink, Dacre Montgomery
País: Estados Unidos
Duração: 55 min.

O QUE TENHO A DIZER...
A segunda temporada de Stranger Things vem recheada de pura nostalgia 80tista. O número 2 que agora acompanha o título para caracterizá-lo mais como uma continuação do que como uma segunda temporada, se tivesse sido usado de forma sobrescrita (²), faria muito mais sentido, porque tudo o que o espectador experimentou na primeira temporada, agora é elevado ao quadrado.

Não que esta segunda parte seja melhor que a primeira, mas ela não fica atrás. Tudo aquilo que se esperava foi oferecido com grande estilo. O interessante da primeira temporada foram as surpresas que a série proporcionou, além do fator novidade ao resgatar a infância, o companheirismo e a amizade com uma fidedignidade que havíamos visto apenas no cinema até aquele momento, tão bem representados pelos filmes dirigidos ou produzidos por Spielberg como E.T.Os Goonies. Para quem nasceu nos anos 80, o seriado foi um túnel no tempo de boas memórias e lembranças vividas num período em que a vida conectada só existia por telefone fixo e walk talkies, e a interação pessoal, as ruas, os jogos de tabuleiro, os brinquedos manipuláveis, a bicicleta como principal meio de transporte e o grande símbolo da independência infantil, além da exploração da imaginação e da fantasia eram muitos mais consistentes.

As mesmas referências da temporada anterior são utilizadas aqui, com a soma de outras, mas sempre mantendo Stephen King e Steven Spielberg como grandes inspirações. Para os mais atentos, haverá até algumas boas referências a Indiana Jones e o Templo da Perdição, como quando os personagens Nancy (Natalya Dyer) e Jonathan (Charlie Heaton) se encontram num momento de intensa tensão sexual, cada um em um quarto, tal como Willie e Indy; quando Max dirige o carro; quando Hopper volta correndo para pegar o emblemático chapéu do chão. George Lucas também tem seus momentos de homenagem quando Eleven/Onze aprimora o domínio de seus poderes, tal como com Luke Skywalker em Star Wars - Episódio IV.

É esse o grande trunfo dos irmãos Matt e Ross Duffer, criadores, produtores e roteiristas, de fazer que esse imenso conglomerado de referências diretas ou indiretas atinja o público das mais diversas maneiras, seja compreendendo as fontes de origem, seja apenas apreciando o produto como um entretenimento comum, sem querer perder tempo desmembrando, observando e degustando as centenas referências da cultura de época, das produções cinematográficas e televisivas daquela década e da trilha sonora, que dessa vez vem muito mais pop, rock e nostálgica do que na temporada passada.

A Netflix não poupou esforços para que sua mais famosa, popular e aclamada produção original mantivesse o mesmo nível de qualidade. Não era para menos. A expectativa pela segunda temporada aumentou em proporções geométricas ao longo dos mais de 450 dias que separaram uma temporada da outra.

E é por aí que a segunda parte começa sua história, aproximadamente um ano depois dos acontecimentos do primeiro. E mesmo com apenas um ano de diferença, os atores mirins cresceram. Perderam aquela fisionomia infantil para adquirirem uma mais adolescente e, de igual tamanho, seus comportamentos. O núcleo adolescente formado pelo respeitoso triângulo Nancy-Jonathan-Steve, agora embarcam para o início da vida adulta, com maiores responsabilidades, interesses e planos. Já os adultos, continuam os mesmos, apenas menos perdidos, mais decididos e com menos conflitos porque a temporada anterior já havia oferecido situações o suficiente para colocar nos eixos todos aqueles que estavam com parafusos frouxos, como foi o caso de Joyce (Winona Ryder) e Hopper (David Harbour).

O elenco sofreu um leve aumento com a inclusão dos personagens Bob Newby (Sean Astin, o eterno Samwise Gamgee), o novo namorado bacana de Joyce; Max Mayfield (Sadie Sink), a nova e misteriosa aluna da escola Hawkins; Billy (Dacre Montgomery), o rebelde irmão postiço de Max; e Kali (Linnea Berthelsen), uma vingadora com poderes e intenções anarquistas, com um passado correlacionado com o de Eleven. Personagens novos que, ao contrário do que se imagina, quando analisados dentro do universo estrutural de Stranger Things e das tramas e subtramas já consolidadas desde a primeira temporada, seriam naturalmente irrelevantes. E realmente são. A única função de todos é apenas gerar um maior número de conflitos de um lado (Max, Billy e Kali) e aumento de determinadas situações dramáticas de outro (Bob).

Não são personagens ruins. São bem construídos e com arcos interessantes, mas que entram e saem de cena sem grandes progressões narrativas. Apenas inflam um elenco principal que já começou inflado na primeira temporada. Considerando que cada um desses novos personagens agregam, em média, de 5 a 10 minutos de cada episódio, não é de se espantar que sejam utilizados exatamente na função de tapa-buracos, mas sem parecerem como tais.

A presença de Bob na história é apenas de criar uma breve férias pouco convincente na confusa relação entre Joyce e Hopper, postergando a resolução desse núcleo o máximo possível. Para Bob ter o fim que teve, ficou incoerente sua inclusão na história. Esse fim era óbvio quando se analisa a construção de um roteiro, seus elementos necessários e desnecessários: a relação entre Joyce e Hopper é necessária, e Bob um excesso. Max surge para repetir a tensão que Eleven criou entre os 4 amigos na primeira temporada, dando oportunidade a mais um deles de descobrir seu primeiro amor juvenil tal como aconteceu com Mike, deixando outros frustrados no processo. A Billy sobrou a função de semear a discórdia, não apenas servindo como um antagonista direto de Max, como também uma forma do roteiro abordar de maneira bastante sutil prováveis abusos e violências domésticas que poderiam ter tido um maior foco numa temporada que se absteve de grandes momentos dramáticos como a primeira teve. Kali, que começa tendo destaque logo na introdução do primeiro capítulo, entra tardiamente na história de fato, e sai dela como se não tivesse entrado, em um daqueles comuns momentos que é nítida a mudança da direção da trama pelos roteiristas, que de última hora - e por falta de tempo - devem ter resolvido deixar a personagem ser melhor desenvolvida em temporadas futuras.

A segunda temporada definitivamente foca muito mais na ação e na expressão do suspense e do medo através dos elementos de ficção científica que novamente abusam de referências à franquia Alien do que no drama, antes tão bem desenvolvido por Winona Ryder e na busca frenética de sua personagem pelo seu filho desaparecido, numa linha tênue entre a loucura e sanidade, entre a comédia e a angústia, que renderam à atriz uma justa indicação ao Globo de Ouro. Numa evolução natural em consequência dos acontecimentos anteriores, Joyce agora é uma personagem mais forte e menos emotiva, e para isso acontecer foi sacrificado boa parte de sua cômica excentricidade, mas que de nenhuma forma diminui sua importância que novamente é garantida em um importante momento de decisão.

A personagem de Millie Bob Brown, uma das maiores revelações mirins de 2016, perdeu um pouco daquele charme andrógino e misterioso, e junto com isso boa parte da sua natureza infantil e ingênua. Grande parte disso também se deve ao próprio comportamento precoce da atriz, que na vida real já tem uma postura mais austera e um tanto prodígio que se distancia bastante dos colegas de sua idade. O roteiro também força um amadurecimento precoce de Eleven, uma "adultalização" sentida não apenas nela, mas também nos demais personagens mirins, principalmente ao tentarem dar grande foco nos interesses amorosos entre eles, conflitos e dramas que ainda não eram o momento para serem abordados, impactando no próprio comportamento de cada um deles na ficção e na vida real. Tanto que houve até uma breve polêmica a respeito do beijo entre Max e Lucas, momento que, segundo a própria atriz Sadie Sink, se sentiu obrigada pelos irmãos Duffer a fazê-lo, mesmo recusando por conta do beijo não estar no roteiro. Sadie e Millie também revelaram que as cenas de beijo de cada uma não apenas foram o primeiro beijo técnico de ambas, como também o primeiro beijo delas na vida real. Complicado quando colocamos crianças e adolescentes em situações que não condizem com seu momento de vida ou interesse, contribuindo com a cultura atual que cada vez mais exige e cobra deles comportamentos mais adultos e responsabilidades que não lhes cabem, contrariando a premissa principal da série de abordar essas fases da vida da maneira mais livre, espontânea e fantasiosa possível.

Tirando um ou outro elemento excessivo, ou que, como dito, contradiz com o próprio propósito de Stranger Things, a série conseguiu voltar tão forte quanto esperado, com fôlego suficiente para agradar até os mais exigentes e aqueles que tinham as maiores expectativas. Vale questionar se as próximas temporadas continuarão tendo fontes de inspirações tão consistentes e relevantes como apresentaram até o momento, já que a série foi automaticamente renovada para mais duas temporadas, com promessas para exceder esse número, segundo preveem os produtores.

O direcionamento que terá no futuro é incerto, mas uma coisa é garantida: será muito interessante ver todo esse elenco crescer frente a nossos olhos, tal como foi interessante ver as crianças em Harry Potter crescerem e amadurecerem ao longo dos seis filmes, e o melhor, tendo suas fases respeitadas. Que os irmãos Duffer sigam o mesmo exemplo.

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