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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

DEU LIGA...

★★★★★★★☆
Título: Liga da Justiça (Justice League)
Ano: 2017
Gênero: Ação, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Zack Snyder, Joss Whedon
Elenco: Ben Affleck, Gal Gadot, Jason Momoa, Ezra Miller, Ray Fisher, Henry Cavill, Amy Adams, Diane Lane
País: Estados Unidos, Reino Unido, Canadá
Duração: 120 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Inspirado pela altruísta morte de Superman, Batman busca ajuda de Mulher Maravilha para recrutar outros aliados poderosos e assim terem forças o suficiente para combater uma grande ameaça que está por vir.

O QUE TENHO A DIZER...
Em 2000, quando Brian Singer lançou o primeiro X-Men, cinéfilos visionários já sabiam que um novo gênero havia sido criado, e que os quadrinhos revolucionariam para sempre o futuro estagnado do cinema de ação. Hollywood tem se aproveitado disso incansavelmente, tanto que tem sido o gênero mais rentável desde então. Só as produções da Marvel já tiveram uma bilheteria que facilmente extrapola os US$20 bilhões quando se faz uma conta bem por cima, sequer sendo necessário analisar os dados contábeis no Box Office Mojo.

Quase 20 anos depois, muita pedra rolou, e enquanto a comissão de frente da Marvel foi abrindo alas, criando tendências e fórmulas, a Warner/DC mofava num mundo paralelo, acreditando que a coexistência ente os quadrinhos e o cinema seria algo passageiro. Por essa razão, preferiu permanecer na zona de conforto explorando apenas aquilo que sempre lhe deu lucro: o mundo obscuro de Batman. Os anos foram passando, a Marvel se divertia horrores e ria à toa, e o gênero, ao invés de decair, apenas se fortalecia. Houve uma tentativa aqui e alí da DC com o nostálgico Superman - O Retorno (2006), com o desastroso Lanterna Verde (2011) e o dispensável Homem de Aço (2013), e do nada, resolveu acordar para a vida e pegar este último como o ponto de partida daquilo que ela veio a chamar de Universo Expandido.

A pressa é a inimiga da perfeição, já dizia o ditado. O que demorou 20 anos para a Marvel aperfeiçoar, a Warner/DC resolveu fazer em 3. E o pior, sem qualquer pré-requisito. Ao invés de se aproveitar das experiências da rival, ela quis se provar única, pegando um ou outro elemento irrelevante da "concorrência" e transformando todo o resto para dizer que havia uma assinatura particular.

Funcionou? Não.

Os filmes estão aí para provar. Se Homem de Aço já começou todo errado, Batman vs. Superman foi um equívoco e Esquadrão Suicida foi tudo aquilo que Esquadrão Suicida não deveria ter sido, sobrou a Mulher Maravilha a salvação. O filme de Patty Jenkins conseguiu ser o momento de grande redenção da DC, conquistada com merecimento. E até o momento, não foi Batman, nem Superman, quem salvou o Universo Expandido da DC, mas a heroína grega criada por William Moulton Marston.

É compreensível que exista uma rincha entre os fãs da Marvel e os da DC. O mercado sempre precisou disso desde quando a rivalidade começou lá nos quadrinhos, nas décadas de 60, 70 e posteriores. Sabemos também que, enquanto os fãs se matam, os dois grandes selos jantam e brindam juntos, gargalhando de uma situação que o próprio mercado cria espontaneamente, caso contrário as empresas nunca teriam feito os famosos crossovers, como as mini-séries em quadrinhos DC vs. Marvel e Amálgama, ambas da década de 90.

Mas no cinema a coisa tomou proporções mais sérias, e a polaridade se tornou quase política. Por um lado temos os fãs da Warner/DC que não aceitam o constante sucesso da Disney/Marvel, argumentando pelos quatro cantos que a crítica mundial foi comprada (???) para falar mal a qualquer custo sobre os filmes da Warner/DC e deliberadamente denegrir sua imagem. Por outro lado temos os fãs da Marvel, que tiram sarro do fracasso alheio e contribuem para a anti-propaganda.

A verdade é que os dois lados estão errados. Há espaço para todos, mas não há espaço para aquilo que é evidentemente mal feito e mal planejado. Os filmes da Marvel podem ter entrado numa fórmula já cansada, ter excesso de piadas infantis e um irritante bom humor como os últimos filmes tem sido, mas a ação, o entretenimento e as conexões com todo seu universo funcionam. A Warner/DC ainda engatinha, e a cada passo para frente, um novo filme a faz dar dois para trás porque não há uma estrutura sólida, uma base concreta suficiente como a Marvel demorou anos para lapidar. Do Homem de Aço para o dia, a DC resolveu finalmente criar um universo cinematográfico com 15 anos de atraso que poderia dar certo, já que nos games e na TV esse universo já existe, é sólido, e funciona. Não está funcionando não porque chegou atrasada, mas porque existe uma ânsia obrigatória de sucesso e um foco ambicioso em cifras que a está fazendo atropelar processos, trocando os pés pelas mãos.

Um ou outro fã extremista pode querer justificar de mil maneiras que Batman vs. Superman e Esquadrão Suicida foram propositalmente subestimados. Não importa o que se diga, é fato que são dois filmes que fazem qualquer coisa, menos agregar a idéia de que são parte de um mesmo ecossistema.

Liga da Justiça tinha tudo para dar errado. Absolutamente tudo. A começar por manter Zack Snyder na direção. Ele não havia entregado um bom trabalho nas duas tentativas anteriores com Homem de Aço e Batman vs. Superman, e mantê-lo era burrice desde o princípio.

Ruim com Snyder, pior ficaria sem ele, e assim foi quando o diretor se afastou do filme no fim da produção depois do suicídio de sua filha, em Março deste ano. É fato que imprevistos durante uma produção tem a tendência de desandar como claras em neve. A sorte foi que Joss Whedon havia recentemente fechado contrato com a Warner para dirigir Batgirl, e como sua disponibilidade pelo estúdio estava acessível, ele aceitou o convite/desafio de dar continuidade ao trabalho de Snyder. Ele não leva créditos como diretor, mas leva como roteirista.

Whedon pegou o filme quase pronto, mas isso não o impediu de mudar certas coisas, convocando novamente os atores para filmagens extras, mesmo com Gal Gadot grávida, e Henry Cavill com um bigode que não podia ser raspado por exigências contratuais de outro longa que estava filmando. Tanto a barriga de Gal quanto o bigode de Cavill foram removidos digitalmente nas cenas incluídas tardiamente. A barriga não foi um problema, mas a boca digitalmente reconstruída de Cavill gerou piadas e polêmicas ao ponto de argumentarem que teria saído mais barato pagar a multa contratual do que fazer um trabalho caro e porco como o que foi feito.

Mas a verdade é que os pitacos de Whedon foram importantíssimos para o resultado final. As cenas de ação se mostram mais fluidas e menos megalomaníacas, e as filmagens extras trouxeram leveza e humanidade aos personagens, elementos que sempre faltaram no outro diretor. Mesmo com boa parte do trabalho já feito por Snyder, as mãos de Whedon fizeram mágica na pós-produção, evitando ao máximo a saturação e o carregamento de filtros, além de uma edição que faz milagres e um resultado acima da média para quem esperava o pior.

Whedon também foi o responsável por trazer de volta o compositor Danny Elfman ao mundo DC, compositor responsável pela icônica trilha sonora de Batman (1989) e Batman: O Retorno (1992), ambos de Tim Burton. Não é à toa que uma deliciosa sensação nostálgica toma conta quando notas dessa clássica trilha sonora ecoa na sala do cinema enquanto Batman (Ben Affleck) se aventura pelas ruas de Gotham. Sem dúvida foi uma referência direta e muito importante de que o legado de Tim Burton precisava ser mantido, mesmo que distante. Uma pena que o filme acabou não dando espaço para o brilhantismo de Elfman enaltecer a atmosfera heróica como deveria, sua participação bastante comedida acaba por dar muito mais espaço a efeitos sonoros que tentam tirar a atenção de grandes defeitos do filme.

Sim, Liga da Justiça não consegue se abster de defeitos, o que não deveria ter acontecido para um projeto que existe desde a década de 90. Começando pelo excesso de cenas em computação gráfica até mesmo quando desnecessário. O grande vilão da trama, o Lobo da Estepe, não precisava ser um personagem digital. A dublagem de Ciaran Hinds é cavernosa e expressiva o suficiente para dar medo apenas em ouvir o seu suspiro, mas o personagem perde o impacto com expressões faciais bastante artificiais e uma falta de sincronia tão ruim que chega a parecer até piada. Outra coisa é que, embora Mulher Maravilha (Gal Gadot) tenha uma entrada triunfal logo no ínicio do longa junto a sua já característica trilha sonora, mantendo a mesma brutalidade acrobática em táticas ofensivas e defensivas que tanto chamaram atenção no seu filme solo, seria perspicaz que, depois do sucesso dele, muita da atenção fosse voltada mais a ela do que nos demais. Só que é possível notar que o roteiro tentar ofuscá-la a todo custo, não para manter um equilíbrio igualitário entre os heróis, mas para tentar enfiar "guela abaixo" no espectador uma predileção a Batman e Superman que não existe mais. Isso contraria a preferência natural do público e do próprio desenvolvimento da história, já que quanto mais as ameaças aumentam, mais inútil Batman fica, e quando Superman entra em cena é porque o filme precisa acabar, ignorando completamente que os poderes de Mulher Maravilha são os mais equivalentes aos de Superman que o universo DC tem, mas que o filme insiste em colocá-la em situações sempre bastante vulneráveis para, como dito, impedir que ela roube a cena. O que é impossível, diga-se de passagem, porque ela as rouba mesmo assim tanto quanto fez em Batman vs. Superman, e o interesse pelo seu segundo filme solo só aumentou depois disso.

Se a Liga for analisada como ela de fato se propõe, ter colocado um personagem como Lobo da Estepe como o primeiro grande vilão da franquia soa um pouco inadequado. A Liga na verdade foi montada para que as habilidades de cada respectivo herói fosse utilizada para missões específicas frente às inúmeras ameaças e diferentes vilões que foram brotando no universo DC, algo que não é o foco aqui, além de uma grande reunião de pessoas poderosas que batalham aleatoriamente com o que aparecer na frente. A escolha de um primeiro vilão, ou de uma primeira grande ameaça, deveria ter sido melhor feita para que houvesse uma progressão convincente daqui pra frente. Não foi dado um sentimento de continuidade, como acontece em Os Vingadores, e se no segundo filme aparecer um outro vilão que tem como objetivo novamente destruir o mundo, apenas teremos mais do mesmo e a sensação de deja vu que todo filme da Marvel tem dado ultimamente.

Mas como um todo, o filme traz uma excelente sensação de novidade tal como o primeiro filme d'Os Vingadores, e mesmo com tantos defeitos, muita coisa funciona. Finalmente parece que, mesmo a tropeços, Warner/DC está conseguindo encontrar seu rumo no cinema, principalmente no equilíbrio entre a ação e os momentos de alívio cômico que não beiram a infantilidade fora de hora dos títulos da Marvel, e muito menos a imbecilidade quase ultrajante de Esquadrão Suicida. O humor aqui é equivalente ao longa de Mulher Maravilha, sutil e pontual, sem exageros. Os momentos de humor ocorrem naturalmente e de maneira equilibrada, como na inusitada sequência em que Aquaman (Jason Momoa) começa a fazer declarações floridas e piegas, uma pegadinha que funcionou muito por fazer algo que há muito os alívios cômicos não fazem nos filmes: pegar o espectador de surpresa. E momentos assim há bastante. Além de tudo, por incrível que pareça, os diálogos paralelos tem mais consistência do que parecem, e merecem atenção.

The Flash (Ezra Miller) é um dos outros exemplos daquilo que funciona, pois ele poderia ter caído no banalismo caricato, mas Miller consegue segurar as pontas, expressando muito bem o deslumbre juvenil do personagem, de suas descobertas, e de fazer parte de algo grandioso e útil, e mesmo que seu comportamento chegue a ter leves semelhanças ao jovem Mercúrio, de X-Men: Primeira Classe (2011), as situações lhe caem tão bem que deixa de ser um estorvo para se tornar carismático. O mesmo sobre Aquaman. Completamente diferente da versão clássica dos quadrinhos, Jason Momoa trouxe uma carranca bem vinda ao personagem, uma fúria sem limites ou medo na hora de enfrentar o que deve ser enfrentado. O humor brucutu dele também está lá, implícito, contrabalanceando o egocentrismo de Batman (Ben Affleck), que também teve seu lado mais obscuro pendurado nos cabides e mais ironia em seus sorrisinhos de canto de boca.

Mas infelizmente para tudo há seu preço, e mesmo que Liga da Justiça cumpra bem seu papel, o fato é que ele deveria ter sido o primeiro grande filme inaugural do Universo Expandido da DC, e não o quinto. Depois de tantos acidentes de percurso e persistência do público fiel à espera de algo realmente bom por parte da Warner/DC, Liga chega um pouco tarde, num momento que seu público já estava descrente e cansado de esperar, e o reflexo disso é visto em sua péssima estréia nos Estados Unidos, não chegando sequer a US$95 milhões. Um desastre quando comparado com os anteriores, tanto deles mesmos, quanto da Marvel. E frente a isso, o futuro da DC no cinema, novamente, outra vez, será uma incógnita.

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