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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

INTRAGÁVEL...

★★☆☆☆☆☆☆☆☆
Título: Desenrolados (Disjointed)
Ano: 2017
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Vários
Elenco: Kathy Bates, Aaron Moten, Tone Bell, Dougie Baldwin, Elizabeth Alderfer, Elizabeth Ho, Nicolle Sullivan
País: Estados Unidos
Duração: 25 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Ruth Feldman (Kathy Bates) é dona de uma loja especializada em Canabis e seus derivados que tem que lidar com as dificuldades de ter contratado um bando de jovens irresponsáveis a tocar seu negócio.

O QUE TENHO A DIZER...
Todos sabemos hoje em dia que, tanto a plantação de maconha, como a comercialização legal já é possível em diversos estados norteamericanos, tanto no seu uso recreativo, como o medicinal. Devido a isso, maconha deixou de ser um assunto tabu para se tornar uma discussão social e comportamental presente. Deixou de ser um mero tema politicamente incorreto e de piadas resultantes de seu proibicionismo para se tornar um estilo de vida presente e possível.

Sabendo-se disso, é de se duvidar que este tema funcione como deveria nessa parceria entre a Netflix e a Warner porque, ultimamente, o serviço tem investido em produções bastante aguadas, sem o mesmo apelo inovador ou ousado de suas primeiras produções originais. Pro lado da Warner, sabemos que é um estúdio muito tradicionalista e conservador quando trata-se de produções para a TV, com grandes investimentos - em sua maioria - a comédias de situações cheias de clichés, estereótipos e saco de risadas (aquelas gargalhadas que ouvimos ao fundo que dita ao espectador a hora de rir de algo, como se burros fossemos nós que não achamos graça). Tudo direcionado para a família, ou para aqueles que facilmente acham graça de piadinhas que adoram zombar de assuntos que ora foram polêmicos na sociedade. A típica irreverência superficial norteamericana.

Por conta de todo o histórico da legalização, e da mesma tendência que muitos países do mundo chegarão a seguir, isso faz o uso da substância hoje em dia ser bastante comum. Junto a isso, temos as derrapadas da Netflix em suas atuais produções, além da já citada tradicional caretice da Warner. Somando-se tudo, fica um tanto óbvio que esta nova comédia de situações está longe de ter situações interessante e mais longe ainda de ser engraçada.

O tema cansado, batido e antigo se tornou antiquado, virando a típica situação da piada desajustada e sem graça. Se o seriado tivesse sido lançado há 10 ou 15 anos atrás, talvez pudesse ser hilário, ao invés de soar tão deslocado em tempo e espaço como hoje.

Obviamente, usando como grande fonte de inspiração e reciclagem o falecido seriado Weeds (2005-2012), a semelhança começa na própria abertura. Mas, enquanto na abertura de Weeds o que víamos era uma crítica à sociedade careta e metódica incapaz de lidar com mudanças, tanto através do vídeo, quanto pela música Little Boxes, de Malvina Reynolds, aqui fazem uma alusão de como a maconha é mais comum na sociedade do que a própria sociedade imagina, utilizando cenas do filme Marijuana (1936), conduzidas pela canção Jack, I'm Mellow, de Trixie Smith, gravada originalmente em 1938.

É, por um bom ponto de vista poderíamos entender que Desenrolados seria aquele tal futuro que Weeds previu ao longo de suas temporadas. Um futuro que chegou de fato, algo que faz as premiadas primeiras temporadas do seriado de Jenji Kohan se tornarem grandes referências sobre o assunto de maneira cômica e crítica. Mas a comparação positiva acaba por aí. Ao contrário disso, Desenrolados não consegue ser mais do que uma enxurrada de situações constrangedoras e vazias, num enredo sem pé nem cabeça tanto quanto os personagens que fazem nenhum sentido de existirem, assim como as desinspiradas gargalhadas gravadas que se ouve. E se Weeds fosse para ser sem graça (assim como foram suas fatídicas duas últimas temporadas), ele seria exatamente assim.

Impressiona o fato de Kathy Bates aceitar um trabalho que soa tão amador quando a atriz sempre foi muito enfática em entrevistas ao afirmar que tem dificuldade de trabalhar com amadores, sentindo que seu potencial não é explorado da mesma forma como quando rodeada por pessoas mais experientes e gabaritadas. Sim, uma afirmação um tanto presunçosa para uma atriz de poucos sucessos, mas respeitada por seu Oscar em Louca Obsessão (Misery, 1990), e alguns pares de outras indicações ao Oscar, Emmy e Globo de Ouro ao longo da carreira.

Me lembro que no seriado The Comeback (2005/2015), no qual Lisa Kudrow interpreta Valerie Cherish, uma atriz que já passou de seus 40 anos e agora faz de tudo para ficar famosa outra vez, há um momento que, por uma obrigação contratual, Valerie é enfiada em uma série de TV onde todos os demais atores tem mais da metade de sua idade. Os roteiristas, para contornar a discrepância, resolvem transformar a personagem em uma tia chata (a tia Sassy), que mora no andar de cima e que nunca consegue se ajustar com o comportamento dos jovens e seus hormônios incontroláveis, gerando uma sucessiva sucessão de situações constrangedoras.

A impressão que tenho assistindo Desenrolados, vendo o esforço hercúleo de Kathy Bates em se adequar a um elenco tão novo e amador, é praticamente a mesma sensação que tinha ao ver Valerie se humilhar para se adequar a algo que ela não se adequava mais. Não por ser mais velha, mas pela experiência e por um estilo de vida completamente oposto dos demais.

E nesse mesmo nível de incoerência, ver um seriado com personagens chapados, com um bagulho entre os dedos em todas as cenas, disparando diálogos sem qualquer efeito, tendo alucinações, comportamentos exagerados e estereotipados, deixou de ser engraçado para se tornar deturpado em uma época em que a maconha anda mais popular do que nunca tanto quanto cerveja de boteco.

Piadas que hoje são fora de hora porque sabemos que ninguém que comercializa legalmente o produto, ou que consome o produto, vive em uma viagem interplanetária constante como se estivesse à beira do retardo mental, exageros que antigamente eram engraçados, e eram engraçados justamente porque sempre é engraçado falar do proibido e rir do desconhecido. Mas hoje, falar de maconha, ou fazer piada sobre ela ou sobre quem usa, já se tornou tão batido e sem qualquer efeito quanto a piada do "elefante caiu na lama".

Nem mesmo Weeds se atrevia a zombar do assunto dessa forma, nem mesmo com personagens tão infames como Doug Wilson (Kevin Nealon) ou Andy Botwin (Justin Kirk), que mesmo chapados não chegavam a ter piadas tão sem graças ou forçar caras de chapado para obrigar o riso fácil.

Desenrolados nada mais é que mais um seriado fraco para cobrir buracos da Netflix sem qualquer conteúdo relevante. Uma perda de tempo tão grande quem nem mesmo para dormir serve. Talvez, pudesse ser interessante se não fosse levado como uma sitcom nos moldes tradicionais e o roteiro desenvolvesse suas histórias de maneira mais linear e não em esquetes. O que não é o caso.

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