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sexta-feira, 8 de setembro de 2017

SE PERDE COMO FUMAÇA...

★★★☆
Título: O Nevoeiro (The Mist)
Ano: 2017
Gênero: Ficção Científica, Suspense, Horror
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Morgan Spector, Alyssa Sutherland, Gus Birney, Danica Curcic, Okezie Morro, Luke Cosgrove, Frances Conroy
País: Estados Unidos
Duração: 42 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Um estranho nevoeiro atinge uma pequena cidade, e com ele, acontecimentos sobrenaturais começam a ocorrer.

O QUE TENHO A DIZER...
Existe uma dificuldade praticamente incompreensível de adaptar as obras de Stephen King para a TV ou cinema. Historicamente sabemos disso.

Raramente uma ou outra produção consegue surpreender, e levar para as telas uma experiência rica e gratificante de um dos maiores escritores norteamericanos da atualidade. Mas acredite... além de um feito raro, também demora.

King é conhecido como o "mestre do horror e da fantasia" porque ele conseguiu o feito de fazer esses gêneros se tornarem relevantes na literatura contemporânea. Mais do que desenvolver histórias tensas, às vezes macabras, violentas ou sobrenaturais, o autor é um grande crítico social e político, que se utiliza desses estilos para criar metáforas que se tornam atemporais com sua literatura.

Mas não apenas de horror e suspense. King também já escreveu dramas bastante densos, como a abordagem da violência doméstica em Eclipse Total (Dolores Claiborne, 1992) e Rose Madder (1995), bem como também já se aventurou em fantasias mais juvenis e leves com a mesma maestria, como em Olhos do Dragão (The Eyes Of The Dragon, 1987).

A riqueza descritiva do autor sempre foi sua marca registrada, por vezes até massante ou cansativa, pois se atenta a pormenores até pouco relevantes. Assim é porque ele quer ter certeza de que a idéia visual e a mensagem daquilo que ele imagina chegue ao leitor de maneira completa. E chega. Porque embora suas obras utilizem constantemente elementos sobrenaturais, no fundo ele está lindando é com sentimentos humanos e suas complexidades. Não é à toa que seus livros comumente ultrapassam 400 ou 500 páginas, daí para mais. Foi o que aconteceu quando terminou de escrever Saco de Ossos (Bag Of Bones, 1998), livro que encontrou um entrave para sua publicação pela sua quantidade de páginas divulgadas na época (mais de mil), mas que na sua versão final acabou sendo bem menos que isso.

Sem dúvida ele é um dos autores mais adaptados. Melhor dizendo, um dos autores cujas produções mais tentam adaptar. Nem mesmo ele, como roteirista, já conseguiu salvar filmes ou seriados do seu próprio desastre, como aconteceu com Sob A Redoma (Under The Dome, 2013-2015), seriado que teve alguns episódios escritos e produzidos por ele, mas morreu na terceira temporada por conta da saraivada de críticas negativas e a desastrosa queda de audiência.

De tempos em tempos King vira moda, e o hype em cima de seus trabalhos voltou ultimamente com a adaptação do recém lançado A Torre Negra (que está mal das pernas nos cinemas) e o remake de um de seus maiores clássicos (e bem adaptado no passado): IT.

Portanto, em uma produção visualmente e tecnicamente parecida com Sob A Redoma (mais nos defeitos que em qualidade), a tentativa de transformar O Nevoeiro em uma nova série parecia calhar.

A série é livremente baseada em um conto homônimo publicado em 1982 como parte de uma antologia de contos de horror do autor. O conto já foi adaptado ao cinema por Frank Darabont em 2007, o mesmo diretor que adaptou os sucessos Um Sonho de Liberdade (The Shawshank Redemption, 1994) e A Espera de Um Milagre (The Green Mile, 1999), ambos de King. Embora O Nevoeiro não tenha tido sucesso comercial, é considerado uma das melhores adaptações do escritor, além de ter cativado o público (para o bem e para o mal) por conta de seu surpreendente e inesperado final que foi contra qualquer dogma Hollywoodiano de se concluir uma história.

Enquanto em Sob A Redoma o autor trabalha na dificuldade dos personagens lidarem com o confinamento, extraindo de cada um deles o seu melhor e seu pior nesta situação, dessa vez é o nevoeiro do título que irá arrastar o caos por onde passar, trazendo consigo aquilo que irá fazer os personagens entrarem em conflitos com suas crenças, seus valores, suas diferenças, suas dificuldades de comunicação, e a reflexão daquilo que somos como indivíduos, como sociedade e como unidade familiar.

O filme de Darabont conseguiu abordar todas essas nuances de maneira coerente e brilhante, e transformar o nevoeiro da história tanto como a ferramenta de realização dos nossos desejos mais sórdidos e obscuros como também daquilo que mais queremos evitar. Mas a série não consegue ter a mesma delicadeza de abordagem. Aliás, não há abordagem alguma nesse aspecto.

Com um primeiro episódio bastante fraco, que tenta se construir em intermináveis clichés e determinar ao espectador por A+B quem são os mocinhos, os vilões e quais são as intrigas chochas, o roteiro raso não consegue desenvolver a surpresa e o terror dessa metáfora que o nevoeiro significa conforme se aproxima da pequena e pacata cidade de Bridgeville, no interior do Maine.

O defeito é sempre ser muito didático. E aqui há um extremismo ao didatismo em níveis hiperglicêmicos. Mesmo produzido pelos independentes irmãos Weinstein (da The Weinstein Company), e também levar o selo Netflix de "qualidade" carimbado acima do título, a impressão de se assistir uma nova serie da TV aberta para a massa desprovida de intelecto é a mesma. Não há ousadia, não há crueza nas situações como há no filme. Tudo é desperdiçado para o fácil e óbvio ao ponto de uma criança de seis anos conseguir compreender, mesmo que o seriado seja indicado para maiores de 14 anos.

"Temos que fazer", "temos que correr", "temos que fugir"... E temos que incansavelmente acreditar que a polícia vai salvar o mundo, mesmo oito episódios depois. É difícil considerar se diálogos como esses sejam excesso de ingenuidade ou de estupidez. Com roteiro simplório e previsível como uma linha de trem, as situações de tensão, medo e horror nunca decolam porque nunca há construções convincentes para isso. As coisas podiam ser menos óbvias, superficiais ou exageradas, mas Netflix parece que cada vez mais tem facilitado sua linguagem para evitar o máximo a dispersão de seu público, investindo pesado na fácil assimilação, daí a impressão da brusca queda de qualidade de suas últimas produções. Uma pobreza de idéia sem fim, onde todo mundo sempre entrava um episódio porque tem uma história pra contar, mas nenhuma história é interessante o bastante para sustentar seus minutos, dando a sensação de que nada vai a lugar algum.

Os atores também não ajudam. Assim como em Sob A Redoma, que tinha personagens adolescentes e adultos que mais irritavam do que causavam empatia, a situação se repete aqui com a filha do casal protagonista (vivida por Gus Birney), que se martiriza por conta de um abuso sexual mal desenvolvido, e uma mãe protetora (Alyssa Sutherland) que mais parece uma colega de classe emburrada do que uma chefe do lar. O desenvolvimento do pai (Morgan Spector) também está longe de ser o mesmo do construído por Thomas Jane no longa. E sempre que houver oportunidade, o seriado irá pecar ao focar mais em cenas chocantes de morte e dilaceramento ao invés do drama dos personagens e seus respectivos conflitos, os grandes e reais vilões de tudo.

Até mesmo o único peso pesado da série acabou sendo submetido a um personagem retilíneo, aquele para ser usado quando o roteiro não tiver mais argumentos para alguma reviravolta. Frances Conroy, conhecida por Six Feet Under e suas participações em American Horror Story, aqui interpreta uma senhora hippie que presencia o assassinato de seu marido. Sua esquisitice nunca chega ao transtorno pós traumático que deveria, ao contrário disso, beira ao retardo mental, anos luz distante do maquiavélico fanatismo e da inesgotável obsessão de Marcia Gay Harden no longa, já que ambas acabam tendo um desenvolvimento similar na história. Mas a péssima construção da personagem não é um privilégio apenas dela, há também o policial que se deprime porque perdeu sua arma, numa metáfora à perda do poder e do arbítrio de maneira tão emocionalmente ridícula que beira o constrangimento.

Nem divertido o seriado consegue ser. Talvez seja se for para apenas prestar atenção aos defeitos, como os de maquiagem, tão ruins que é possível notar a pincelada de tinta na pele.

Confesso que assisti os 10 episódios, um a um, entediado, só pra garantir que tudo aquilo que imaginei no primeiro episódio se concretizasse. Contava minutos para cada um deles acabar. Para não dizer que nada seja interessante, há um par de reviravolta na história em seus dois últimos episódios que irá justificar algumas coisinhas, mas a gente já está tão cansado de la-la-ris e la-la-rás, que ao invés de surpreender, causa bocejo e zero espanto. Uma pena.

O nevoeiro de King nada mais seja do que o gatilho de todos os medos, temores e conflitos internos e externos de uma sociedade pacata e hipócrita, culturalmente condicionada a um platô confortável, incapaz de sobreviver a mudanças e situações avessas às que estão acostumados. Mas infelizmente toda essa profundidade é perdida num produto cuja única real e rasa metáfora seja se perder como fumaça.

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