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segunda-feira, 5 de junho de 2017

ATÉ QUE ENFIM...

★★★★★★★★☆
Título: Mulher Maravilha (Wonder Woman)
Ano: 2017
Gênero: Ação, Super Herói
Classificação: 12 anos
Direção: Patty Jenkins
Elenco: Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, Elena Anaya
País: Estados Unidos, China
Duração: 141 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Diana (Gal Gadot), a princesa das amazonas, filha de Hippolyta (Connie Nielsen), foi treinada como uma guerreira por sua tia Antiope (Robin Wright). Ao descobrir os conflitos da Primeira Guerra Mundial, trazidos pelo espião Steve (Chris Pine), cujo avião caiu nas proximidades da ilha onde ela e demais amazonas vivem em reclusão ofertada por Zeus, ela decide deixar sua terra para servir aos humanos na busca pela paz e justiça, ao mesmo tempo que a jornada a fará descobrir seus poderes e conflitos.

O QUE TENHO A DIZER...
Foi quando o filme começou que percebi há quantos e quantos anos espero por ele da mesma forma como esperei pelo primeiro filme dos X-Men. E quando pensamos que Mulher Maravilha é o primeiro filme de uma heroína dos quadrinhos como protagonista em doze anos, é possível notar que ainda existe uma dificuldade de aceitação pública a respeito disso e, principalmente, da indústria.

Há doze anos o que mais tem surgido nos cinemas são filmes de super-heróis. Heroínas ou vilãs aparecem, mas sempre coadjuvantes, como no caso das personagens de X-Men, Vingadores e até mesmo Esquadrão Suicida. Elektra, de 2005, foi a última a ser protagonista de seu próprio filme, e se também considerarmos adaptações de desenhos animados, também tivemos Aeon Flux, lançado naquele mesmo ano.

Trazer Mulher Maravilha para as telas tem sido uma conversa de mais de duas décadas, onde nomes para a protagonista surgiram desde Sandra Bullock até Angelina Jolie. Os anos se passaram, essas atrizes envelheceram, e quem acabou com o papel foi uma israelense desconhecida e ex-soldado, chamada Gal Gadot. Sim, para quem não sabe, Gal se alistou como combatente aos 20 anos, servindo o exército israelense por dois, posteriormente seguindo carreira de modelo (foi Miss Israel) e finalmente atriz. Um histórico bastante diferente e que coincidiu em alguns pontos com o da própria personagem de maneira quase astrológica.

Que o Universo Expandido da DC (assim chamado seus atuais filmes) tem sido complicado, com mais baixos que altos, isso não há dúvida. Fãs podem dizer que seja um "complô" da crítica para desmoralizar os filmes da DC e favorecer os da Marvel, um absurdo que não se justifica. Quem entende do assunto sabe que as coisas não são assim, e que a pressa e a falta de planejamento, por chegarem bastante atrasados numa proposta de expansão similar ao da Marvel, fez o estúdio trocar os pés pelas mãos. Roteiros mal trabalhados e más escolhas na direção tem sido problemas evidentes, fazendo os críticos esperarem desde de sempre por um filme do selo que realmente faça por merecer e que fuja das perenes adaptações de Batman. Pois a verdade é que, embora Batman seja uma marca forte, estamos um tanto exaustos de ver apenas este personagem ser adaptado enquanto a companhia igualmente detém uma vasta carta de personagens memoráveis e adaptáveis.

Quando Batman vs. Superman chegou aos cinemas, era possível sentir mais um desapontamento pesar no cinema em um silêncio desconfortável de quem realmente não estava sequer se divertindo. Mas me lembro que, quando Mulher Maravilha apareceu trajada de fato, defendendo Batman de um ataque do vilão Doomsday em uma entrada triunfal, foi o único momento em que as pessoas no cinema até se inclinaram na poltrona para prestarem mais atenção, tamanha a reação de surpresa e empolgação. Pena que sua aparição durou apenas 15 minutos, mas foi o suficiente para não vermos a hora dela voltar o mais rápido possível em um filme próprio, até porque a expectativa dela salvar o Universo DC no cinema apenas aumentou depois de Esquadrão Suicida (2016) não ter sido exatamente aquilo que se esperava.

Sem dúvida Gal é para Mulher Maravilha aquilo que Hugh Jackman foi para Wolverine, o australiano desconhecido que todo mundo duvidou que seria capaz de carregar o peso do personagem, e no fim das contas deixou essas mesmas pessoas órfãs com sua aposentadoria do papel. De igual tamanho, Gal também foi imensamente criticada quando escolhida para usar a tiara da heroína em Batman vs. Superman. De críticas sexistas a respeito da sua falta de volúpia, ao puro preconceito de ser uma desconhecida qualquer, essas mesmas pessoas agora não conseguem imaginar outra melhor personificação da personagem.

Não é à toa que, mais que depressa, o filme entrou em produção, e quase um ano depois chega aos cinemas em tempo recorde.

Depois do projeto ter passado pelas mãos de diversos diretores desde 1996, a partir de 2013 houve uma forte campanha para que um possível filme solo da heroína fosse dirigido por uma mulher, principalmente depois de um expressivo movimento de igualdade de gêneros que vem ocorrendo em Hollywood nos últimos anos, no qual atrizes e diretoras se uniram revindicando maior participação no cenário, seja na direção, seja no protagonismo de filmes. Dirigido por Patty Jenkins, a direção foi oferecida a algumas outras mulheres antes dela, incluindo a própria Angelina Jolie. Recusado por todas, em sua maioria por divergências criativas, sobrou a Jenkins a missão.

Na História do Cinema, são raras as diretoras que tiveram oportunidade de trabalhar em produções de grande orçamento, ou que tivessem experiência com o extenso uso de efeitos especiais. Para se ter uma idéia, a última (e talvez única) a ter trabalhado em um filme de grande orçamento e com uso exacerbado de CGI, foi Mimi Leder, responsável por Impacto Profundo, de 1998, diretora também cogitada para o filme. Devido a isso, a lista de opções era escassa, e a escolha de Jenkins talvez tenha sido mais por conta de uma falta de opção do que por experiência neste gênero de filme, algo que ela não tinha.

Não que isso afete negativamente o filme, ao contrário disso, essa oportunidade é válida e necessária, e talvez isso abra portas no futuro para a inclusão de outras diretoras neste gênero da indústria.

Jenkins faz um trabalho decente e que abole o sexismo comumente visto, como acontece exageradamente com Harley Quinn em Esquadrão. A direção é comedida e sem demasiadas ousadias até mesmo quando abusa das cenas de ação perfeitamente coreografadas, como nas belíssimas sequências da batalha entre amazonas e o exército alemão na costa da fictícia ilha de Themyscira. Um balé visual deslumbrante que se repete várias vezes nas incursões solo de Diana durante sua ambiciosa busca pela justiça ao longo do filme, cenas de batalhas precisas e brutas, onde é possível sentir na poltrona do cinema a resistência das balas no escudo, justamente porque a intenção da heroína é paralisar por definitivo os conflitos, e não de perpetuá-los.

Sua ganância pela paz leva a personagem a gradualmente descobrir a extensão de seus poderes, sua verdadeira origem, a natureza humana e, principalmente, o peso de sua justiça naquilo que sempre vem a ser o grande dilema de todo herói: matar ou não matar. Uma dúvida que tem sido o enredo principal do Universo DC nos jogos eletrônicos, algo que no filme não é desenvolvido com a mesma ênfase, embora seja possível sentir na heroína uma ponta desse conflito sobre uma decisão que contraria seus princípios morais.

A história consegue oferecer tudo isso, mas o roteiro não desenvolve essas nuances de forma muito clara e concisa, ou que cause realmente uma sensação consistente de amadurecimento de Diana ao longo da primeira grande missão a qual se propõe, e esses defeitos são resultados óbvios da pressa na produção, algo que felizmente não se tornou um grande desastre. Tem que estar muito atento para perceber, já que essas densidades dramáticas acabam tropeçando em pormenores, momentos onde é possível sentir que, embora seja um filme dirigido por uma mulher, o controle dos homens do estúdio ainda é grande. Há uma forte insistência de querer trazer à tona a tal "fragilidade feminina", o sentimentalismo exagerado e um romance impossível com direito a uma cena inspirada em Casablanca (1942), quando Steve diz a Diana antes de embarcar: "Eu posso salvar o dia, enquanto você pode salvar o mundo", tão piegas quanto Bette Davis a Paul Henreid em A Estranha Passageira (1942), na clássica frase de encerramento: "Para que precisamos da lua se temos as estrelas?"

Momentos açucarados que, da mesma forma que poderiam ter ficado de fora, também trazem um certo charme a um filme de ação que, embora pareça andar sobre rodas de madeira e não tenha o mesmo ritmo acelerado e megalomaníaco das atuais produções, não chega a ter o tom pesado e artificial de Homem de Aço ou Batman vs. Superman para os brutos, mas também não tem aquele humor pastel da Marvel para os infantes e adolescentes. Uma certa delicadeza condensada para atrair a atenção daquele público feminino mais acostumado a ir ao cinema para assistir filmes familiares e comédias românticas, e não para um filme de ação também feito para elas. Uma forma de abraçar aos poucos um público que por décadas foi condicionado a gêneros restritos.

E funcionou. Nunca havia visto tantas mulheres em um sessão de ação como vi. Ao mesmo tempo que nunca vi tantas mulheres se divertirem com os bem dosados momentos de humor que por vezes brincam e criticam estereótipos e regras sociais, ou entusiamo nas cenas de puro bate e arrebenta ao som da estridente guitarra da trilha sonoroa que por vezes remete a uma releitura de Immigrant Song, de Led Zeppelin.

O humor aqui é sutil, principalmente quando usa saudavelmente essa rivalidade de gêneros, como no momento em que Diana flagra Steve (Chris Pine) pelado e o questiona sobre o estranho objeto que ele tem. Steve explica ser um relógio, um objeto que o ajuda a acordar, comer e fazer outras coisas, e então Diana pergunta: "Você deixa essa coisinha pequena dizer o que deve fazer?". Acho que apenas eu gargalhei nesse momento, pois a analogia é óbvia, mas tão subliminar que só com o rápido olhar envergonhado de Chris Pine para deixar isso evidente.

Mesmo tendo uma protagonista feminina e um elenco que a princípio é predominantemente feminino (mas que depois se torna predominantemente masculino), Mulher Maravilha não é uma ode ao feminismo como muito se imaginou antes de sua estréia. Ele tem, sim, sua relevância na questão, já que mulheres também podem ser protagonistas de filmes de ação, fãs de filmes de ação e capazes de se desvincularem da imagem do "sexo frágil" e da pregação de que homens sejam necessários para tarefas árduas. Mas ele não ergue bandeiras, muito menos tem discursos moralistas. Tudo está implícito no pacote, e desfruta-se disso quem quiser. Até porque não podemos esquecer que falamos de um filme estritamente comercial, onde o público alvo é um só: o mais abrangente possível.

Definitivamente o filme não faz feio até quando se esquece de dar maior atenção a personagens interessantes, como Dra. Maru (Elena Anaya, que volta a usar uma máscara parecida com a que usou em A Pele Que Habito), personagem que entra e sai do filme sem uma história ou um desenvolvimento plausível para sua existência, enquanto esta foi usada no trailer como elemento indispensável no enredo. Frustrante para quem esperava uma resolução mais grandiosa para ela.

Como todo primeiro filme de um super-herói, é basicamente sobre sua origem, mas com uma narrativa diferenciada, onde a personagem se descobre conforme os eventos acontecem, e não de maneira separada como no costumeiro jeito Super-Homem-de-ser. Um filme que diverte como imagina-se, que consegue ser engraçado de maneira discreta, romântico, sentimental e pregador da paz mundial para não perder a tendência a que ele se predispõe, mas que acima de tudo abre novos horizontes de possibilidades no gênero.

E, sim, nem Batman e nem Superman, mas Mulher Maravilha quem se tornou a maior evidência da Liga da Justiça nos cinemas.

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