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quarta-feira, 24 de maio de 2017

HUMOR DE TRÁGICAS METÁFORAS...

★★★★★★★☆
Título: Catfight
Ano: 2017
Gênero: Comédia, Drama, Humor Negro
Classificação: 14 anos
Direção: Onur Tukel
Elenco: Sandra Oh, Anne Heche, Alicia Silverstone
País: Estados Unidos
Duração: 95 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
O reencontro de duas ex-amigas desencadeia uma guerra de egos, vinganças, importâncias, interesses e poder.

O QUE TENHO A DIZER...
Para Veronica (Sandra Oh), nada podia estar mais perfeito. Rica e influente, mora em um bairro nobre de Nova York com seu filho e seu marido, Stanley (Damian Young), o qual comemora com seus sócios um contrato milhonário de prestação de serviço ao Governo durante a guerra com o Oriente Médio.

Enquanto isso, Ashley (Anne Heche) está em crise conjugal com sua mulher, Lisa (Alicia Silverstone). O motivo: dificuldades financeiras. Ashley é uma artista plástica que há muito tempo não consegue vender um trabalho porque expressam sua visão caótica do mundo, "sangrentos" e explícitos demais para atrair a atenção de galerias, e Lisa não está conseguindo mais arcar sozinha com as despesas pois a crise econômica no país só tem oferecido subempregos.

Trabalhando na festa de comemoração de Stanley, Ashley só vai descobrir que o grande empresário é o marido de sua ex-amiga quando esta aparece na cozinha e deseja ser servida com mais bebida, vomitando impropérios sobre a vida afortunada que tem.

Ashley e Veronica pararam de se falar ainda na faculdade. Ashley alega que revelar sua homossexualidade foi o motivo de Veronica se distanciar, enquanto Veronica alega que Ashley se distanciou depois que conheceu Lisa. E em uma conversa nada amigável, ambas trocam farpas sobre suas vidas pessoais, sendo assim que o filme dirigido e escrito pelo turco-americano Onur Tukel começa, sem qualquer rodeio ou cerimônia para colocar as duas em uma briga desencadeada por motivos que pouco sabemos, mas na verdade pouco importam nesta comédia de humor negro que seria um drama trágico por excelência caso não usasse a ironia como um fator que nos dificulta entender o que é realmente engraçado do que não é. 

Tudo pareceria um filme comum sobre a rivalidade entre duas mulheres e as trivialidades que justificariam trocas de tapas caso o roteiro de Tukel não transformasse a conturbada relação de Ashley e Veronica em uma interessante metáfora das tragédias sociopolíticas que refletem o cenário norteamericano e mundial e da perversidade humana a favor de suas ambições. E não é à toa que, por isso, troca-se tapas por brigas dignas de ringues de luta livre.

O feudo basicamente representa o lado conservadorista da elite e o lado liberalista oprimido da classe média, assim como a secular rivalidade entre Democratas e Republicanos. Enquanto uma sofre com a crise econômica, a falta de oportunidades e a desigualdade, a outra se enriquece junto a um Governo manipulador que declara uma Guerra infundada apenas para movimentar sua economia exploratória. Mas as analogias não param por aí, e o roteiro também cria arquétipos para aqueles que vivem às bordas, como os ambientalistas, oportunistas e extremistas. Não chega nem a faltar um deboche direto a Hilary Clinton e Donald Trump.

Há um momento no filme em que Veronica diz a seu filho que se alguém maior e melhor mandá-lo fazer algo, ele deve fazê-lo. É em cima dessa frase que toda a moral do filme é construída, uma referência direta ao imperialismo norteamericano e sua inequívoca intenção de controlar eventos em todo o mundo, favorecendo seus próprios interesses econômicos, políticos e estratégicos, sujeitando outros países à subserviência para manter o status superioris.

Quando o roteiro imputa em cada personagem uma função conflituosa como em um campo de batalha, o caos se forma, e o ambiente se torna instrumento decisivo de influência em cada um deles. Tukel não poupa nem a sociedade e sua perniciosa ignorância, ao ponto de uma "Máquina Flatulenta" ser a principal atração engraçada na TV porque a alienação impede a compreensão de piadas críticas e políticas.

Pouquíssimas pessoas conseguiram compreender essa essência crítica e satírica do filme porque ele consegue ser discreto, e só se torna perceptível quando opiniões políticas são lançadas em momentos oportunos pelo roteiro caprichoso, que em um determinado ponto inverte os papéis das personagens e seus respectivos níveis de percepção quando Veronica entra em coma e acorda dois anos depois, pobre e sem teto por conta das mudanças econômicas e demais tragédias resultantes da guerra, e Ashley fica rica e influente porque a violência agora é um tema popular, tema o qual ela sempre explorou em seus trabalhos, mas só agora ganhou proeminência. E frente a essas diferentes situações, uma passa a ver o mundo sobre os olhos da outra sem sequer perceber, e cada uma em um comportamento relativo às suas novas realidades e interesses,

É quando os papéis se invertem novamente - e exatamente da mesma forma - que o filme parece abusar da paciência do espectador ao passar uma proposital sensação de deja vu. Embora aparente um exagero, é apenas uma continuidade dessa metáfora trágica e suas não-razões para esta repetição cíclica da violência, da retaliação e de suas consequências catastróficas. Uma busca sem fim de algo que não se sabe o que é, só mudando os interesses e tendências, onde tudo se destrói e não se reconstrói. E no fim (como no fim do filme) todos perdem, independente de quem seja a culpa, enquanto assistimos a tudo sem nada fazer.

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