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sábado, 6 de maio de 2017

NENHUM ELOGIO É BOM O BASTANTE...

★★★★★★★★★☆
Título: Feudo: Bette e Joan (Feud: Bette And Joan)
Ano: 2017
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Susan Sarandon, Jessica Lange, Alfred Molina, Judy Davis, Stanley Tucci, Catherine Zeta-Jones, Kathy Bates
País: Estados Unidos
Duração: 45 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
A histórica rivalidade entre Bette Davis e Joan Crawford revelam mais do que simplesmente uma disputa de egos.

O QUE TENHO A DIZER...
Rivalidade existe em todo lugar, mas nunca foi tão saborosa quanto entre Bette Davis e Joan Crawford. Saborosa para quem tinha partido nesse embate (ou pra quem agora tem, assistindo a série). Mas não se pode negar a tristeza bastante desmoralizante pela forma como a mídia inflamou essa fogueira, e como a situação foi explorada.

E com uma abertura bastante similar à animação vetorial de A Favorita, já fica bem evidente que o sucesso, fama, títulos, prêmios e inveja serão os grandes motivadores de uma problemática relação que influenciou toda uma indústria e seus fins trágicos por consequência.

Mas para entender melhor o que a série pretende mostrar, nada melhor do que conhecer um pouco mais da realidade em que ela é baseada.

Então senta, que lá vem história...


Não se sabe ao certo o início de tudo. Acredita-se que a situação tenha começado na década de 30, quando Joan Crawford se casou com Franchot Tone em 1935, ator com quem Bette Davis trabalhou no mesmo ano no filme Perigosa (Dangerous), por quem ficou apaixonada, sofrendo uma terrível derrota amorosa com o casamento.

Joan Crawford já tinha seu lugar profissional estabelecido e respeitado, já que vinha do cinema mudo, principalmente porque, ao contrário de muitas outras atrizes que vieram da mesma época, ela tinha talento e voz (sim, muitas atrizes perderam o emprego pois a voz era terrível). Enquanto isso, Bette Davis concorria ao seu primeiro Oscar por Servidão Humana/Escravos do Desejo (Of Human Bondage, 1934), de uma maneira muito peculiar. A princípio ela não estava entre as três finalistas, mas como sua interpretação foi elogiada pela crítica e pelo público de maneira quase unânime, aconteceu uma forte campanha para a Academia incluí-la, e assim foi feito, sendo esse filme considerado sua grande estréia em Hollywood.

Nos anos seguintes, a situação ficou um pouco mais séria quando os papéis começaram a se inverter: enquanto Davis estava em ascenção constante na carreira, Crawford foi posta de lado, sendo dispensada pela MGM em 1943, enquanto Bette se tornou um dos nomes mais importantes de Hollywood e a principal estrela da Warner. Aceitando um salário reduzido, Crawford foi contratada pela Warner. Davis, incomodada, não gostou da contratação, encarando como uma provocação do estúdio, e a presença da rival na mesma casa como uma ameaça, o que acabou exaltando o humor de todos.

Dentro da Warner, Crawford também demonstrou seu incômodo ao se esforçar de todas as maneiras para tentar conseguir papéis importantes antes deles pararem nas mãos de Davis, mas foi em vão. E ao contrário do que esperava, os papéis que chegavam eram exatamente aqueles que Davis recusava.

Essa situação de "atriz substituta" não foi de todo ruim. De três indicações ao Oscar que Crawford recebeu nos anos de 46, 48 e 53, as duas primeiras foram de papéis recusados por Davis, vencendo apenas em 46 pelo seu papel em Mildred Pierce. Como curiosidade, ela não compareceu à premiação alegando problemas de saúde. Na verdade ela fingiu estar com pneumonia para criar um espetáculo dramático e conquistar a atenção da mídia. Essa curiosidade é importante porque, além de ser um fato presente na cinebiografia Mamãezinha Querida (Mommie Dearest, 1981) e também citado em alguns episódios de Feud, é uma encenação que ela voltou a repetir para prejudicar as filmagens de Com A Maldade Na Alma (Hush, Hust, Sweet Charlotte, 1964), fato que o seriado desenvolve com profundidade lá pelo sexto espisódio.

A intenção de reunir as duas atrizes surgiu primeiramente em 1950 para o filme À Margem da Vida (Caged), mas a recusa de Bette Davis pelo papel não apenas impediu isso de acontecer como também interferiu na contratação de Crawford, que também não foi escalada para ele.

O que se imagina é que, o fato de Davis não gostar de Crawford se tornar algo público, acabou despertando em Crawford uma necessidade de resposta, e a rivalidade entre elas foi plantada. Mais do que isso, esse embate público também criou discussões comparativas dentro da indústria sobre quem era mais talentosa, quem era mais bonita, quem era mais interessante ou inteligente. Isso influenciou negativamente no comportamento de ambas, preparando o terreno para uma guerra criada e alimentada mais pelos outros do que por elas mesmas.

Em seu silêncio, Crawford aparentava sustentar uma grande admiração por Davis, mesmo sendo constantemnte minada pelas pelos comentários ácidos da colega. Ao mesmo tempo invejava seu sucesso e popularidade, e para driblar as comparações inferiores que recebia - inclusive dos próprios chefes da Warner - se esforçava herculeamente para provar ser tão (ou mais) capaz e competente. Por outro lado, quanto mais Davis percebia os esforços de Crawford, mais ela a esnobava, atacando sua moral e inferiorizando suas qualidades como atriz para desestruturá-la psicologicamente, pois Davis sabia que falar do talento de Crawford era atingir seu tendão de Aquiles, e assim continuaria por cima.

Sabe-se que reuní-las para o filme O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (What Ever Happened To Baby Jane?, 1962) acabou se tornando uma guerra de egos e interesses que quase enlouqueceu o diretor Albert Aldrich, e o estopim da situação foi durante a promoção do filme. Davis viajou por todo o país promovendo o filme praticamente sozinha enquanto Crawford se escondeu em sua mansão em Los Angeles. Durante a promoção, em momento algum Davis elogiou a performance de sua colega de elenco. Este é tido como, talvez, o maior rancor de Crawford depois de ter sido ignorada pelo Oscar em 1964, situações também presentes no seriado.

Crawford chegou a afirmar que teria sido louvável e profissional se Davis tivesse lhe dado um pequeno crédito nas coletivas que precederam o lançamento ao invés de agir como se o filme fosse apenas dela. Um ressentimento compreensível até, independente do difícil convívio nos bastidores.

Bette Davis sempre levou muito a sério a bagagem profissional de atores com quem trabalhou, sendo até um tanto preconceituosa a respeito disso. Ela, que começou sua carreira na Broadway, desdenhava o background profissional de Crawford, que começou a carreira como dançarina de boates antes de estrear no cinema mudo. Em contraponto, Crawford admirava a bagagem teatral de Davis, mas acreditava que essa experiência não era útil no cinema, já que as câmeras demandavam outro tipo de técnica, afirmando que Bette sabia interpretar, mas não sabia entregar personagens (fala também presente na série).

Na tentativa de construir uma imagem popular mais diplomática, Crawford nunca respondia diretamente os ataques recebidos por Davis, ou pela imprensa de fofocas. Ao invés disso, preferia agir de maneira mais indireta e ardilosa pelos bastidores, o que sempre demonstrou uma certa fraqueza emocional e covardia, coisas que Davis repudiava, pois era conhecida por ser bastante direta e desbocada. Daí o fatídico episódios do Oscar em 1963, pelo qual Davis nunca a perdoou, culminando na insustentável situação no início da produção de Com A Maldade na Alma.

Por essas e outras que, enquanto Crawford era conhecida como "a rainha do drama", Davis era conhecida como a "grande megera" de Hollywood. Davis chegou a afirmar que o maior talento de Crawford era chorar demais, como se urinasse pelos olhos, além de dormir com todos os homens de Hollywood, só faltando o cachorro Lassie. Crawford, por sua vez, vestia o papel da dama indiferente e fingia não se incomodar, respondendo que se tirassem os olhos saltados, o cigarro e os maneirismos de Davis, não sobraria talento algum. Farpas públicas recorrentes, e que para a imprensa de fofoca era sempre bastante lucrativo.

Naquela época, a opressão e o abuso da imagem feminina eram grandes. Mulheres eram poderosas nas telas, mas nos bastidores a situação era inversa. Se hoje a discussão de assédio nos bastidores é algo recorrente, na época ninguém tocava no assunto, pois era corriqueiro e dominante entre os homens e os negócios. As atrizes eram assediadas moral e sexualmente, usadas como objetos e mercadorias. Sabe-se, por exemplo, que os grandes chefes de estúdios como MGM, Warner e Fox, trocavam farpas durante o dia, mas a noite se reuniam para carteados e apostas, sendo Bette Davis uma dessas apostas quando Jack Warner aceitou empresta-la à RKO para o filme Pérfida (The Little Foxes, 1941), e assim quitar uma dívida de US$300 mil.

A rivalidade entre as duas era uma coisa natural até um certo ponto, mas a partir do momento que isso se tornou algo vendável, o oportunismo em cima disso forjou situações para piorar a inimizade e gerar essa atmosfera de constantes ataques e aprovações.

É óbvio que grande parte disso tudo era catalisado pela imprensa sensacionalista, encabeçada pela frustrada atriz e colunista de fofocas, Hedda Hooper. Sua coluna no jornal Los Angeles Times era bastante influente na opinião pública, ao mesmo tempo que Hedda era considerada persona non grata nos grupos mais intelectuais. A título de interesse, Hopper foi uma das responsáveis por denunciar possíveis comunistas ligados à indústria cinematográfica durante a era McCartista, entre as décadas de 40 e 50, prejudicando e desempregando dezenas de diretores, atores, roteiristas e demais ligados à indústria, naquilo que veio a ser chamado de "lista negra" de Hollywood.

Até hoje existe uma grande discussão mundial sobre rivalidades que a mídia cria para diminuir a capacidade das mulheres, como uma maneira de controlá-las e transformá-las em indivíduos manípuláveis, fazendo delas estereótipos e rótulos fúteis, vendendo-as pelas polêmicas, e não pelo talento, como bem aconteceu com ambas.

Davis e Crawford podiam ter seus problemas, mas uma coisa elas tinham em comum, o comprometimento com o trabalho. Ambas eram extremamente profissionais e exigiam bons papéis aos donos de Hollywood, além de detestarem serem passadas para trás. Foram, juntamente com poucas outras atrizes, como Katherine Hapburn e Olivia De Haviland, as precursoras de um comportamento femininsta em Hollywood que incomodava os grupos machistas dominantes. Davis chegou a processar a Warner na década de 30 por ter se negado a fazer um filme e estar presa a um contrato que a impedia de escolher seus trabalhos, ou até mesmo trabalhar fora dos EUA por conta própria. A Warner era "dona" dela. Obviamente ela perdeu, sua imagem ficou manchada, mas nunca abaixou a cabeça. De Haviland chegou a mover um processo similar, mas ao contrário de sua amiga, se bem sucedeu, conseguindo uma certa "emancipação" da indústria.

Embora fosse evidente para ambas que a mídia era uma grande responsável por manipular essa rivalidade, Bette nunca escondeu seu desapreço, enquanto Crawford nunca afirmou odiá-la, mas também não deixava barato. Apesar de tudo, Davis nunca negou admirar o profissionalismo e a pontualidade de Crawford, também dizendo que grande parte dos problemas que Crawford teve na indústria foram basicamente os mesmos que também teve, justamente por serem extremamente exigentes e críticas.

Hoje em dia há muitas idéias de que a mídia tenha criado esse campo de batalha para evitar que Davis e Crawford unissem forças para combater o sistema dominante da época. Era certo que, se as duas se tornassem aliadas contra os esquemas que reduziam as mulheres como carnes de açougue, isso pudesse dar margem a um movimento que seria desmoralizante para a indústria e obrigaria Hollywood a grandes mudanças. Mudanças as quais - algumas - aconteceram com o passar dos anos, como os estúdios hoje em dia não serem mais "donos" de artistas ou diretores, e proibidos de exigirem contratos restritos ou que se extendam por mais de 7 anos.

A imprensa da época era movida a "frases de impacto", tal como acontece no primeiro episódio, quando Hedda Hopper (Judy Davis) diz a Crawford (Jessica Lange) que ela só precisa de um "catch phrase" sobre Marilyn Monroe, ou seja, aquela frase de efeito pronta para ser publicada na primeira página, que se propagasse facilmente. Tanto é assim que existem diversas frases memoráveis (e verdadeiras) tanto de Joan quanto de Bette, aproveitadas no seriado em meio aos diálogos, como as mais conhecidas de Davis sobre Crawford: "Não mijaria em Crawford nem se ela estivesse pegando fogo", ou a mais polêmica delas: "Não devemos falar mal dos mortos, apenas coisas boas. Crawford está morta, isso é coisa boa".

Alfinetadas irônicas e perniciosas como Twittes nos dias atuais, nada que ultrapassasse 140 caracteres nas manchetes de fofocas. Enfim, todo o ringue era planejado e montado por aqueles que tinham interesse.

Portanto, é basicamente em cima dessas idéias e acontecimentos que Ryan Murphy irá desenvolver a primeira temporada de sua nova série de antologias, assim como é seu filho pródigo, American Horror History, onde cada temporada tem uma história única.

É por essa razão que a série irá abordar dois momentos importantes: os batidores de Baby Jane, e os bastidores de Com A Maldade Na Alma, pois são capítulos que marcam o início e o fim de uma era de rivalidade.

A idéia de Feud começou há seis anos atrás. Murphy sempre foi um grande fã de Davis, e após ler a biografia de Shaun Considine, narrando o complicado bastidor de O Que Terá Acontecido A Baby Jane?, quis fazer um filme sobre o assunto. Afirmou sempre ter tido em mente Susan Sarandon e Jessica Lange nos papéis, mas as dificuldades de transformar o projeto em filme acabaram levando-o a optar por um projeto para a televisão, algo que Sarandon chegou a afirmar em entrevistas recentes ter sido a opção mais interessante, pois haveria tempo para explorar assuntos em oito episódios que em um longa metragem não seria possível.

A biografia de Considine é um dos materiais principais de todo o roteiro, mas não apenas isso... relatos, boatos, fofocas, informações de bastidores... tudo isso igualmente incrementa e traz à tona uma rivalidade que permeou o imaginário das pessoas, alimentadas por todo o espetáculo midiático que se criou em torno disso. Claro que algumas informações distorcidas aparecem, como a série afirmar no primeiro episódio que Baby Jane teve seu roteiro escrito pelo próprio Albert Aldrich, e não por Lukas Heller (que também foi o responsável pelo roteiro de Com A Maldade Na Alma). Há também algumas controversas, como o polêmico anúncio que Bette Davis publicou em 1963 procurando emprego. A publicação, na realidade, foi uma piada criada por ela mesma para criticar o etarismo da indústria ao ignorar atrizes depois de uma certa idade, e acredita-se que foi depois de vê-lo que o diretor Robert Aldrich contatou a atriz para o papel principal em Baby Jane, e não muito bem da forma como o seriado mostra. 

Independente disso, Murphy faz uma construção muito sólida de tudo. A pesquisa realizada, o material coletado de diversas fontes videográficas (a maioria delas encontradas no próprio YouTube) reproduzem tudo com tanta atenção a detalhes que é surpreendente (há diversos vídeos comparando as reproduções da série com os materiais reais). O mais impressionante é a forma como ele conseguiu encaixar tudo dentro de uma cronologia possível e ainda criar uma história consistente em meio a tantas referências e informações dispersas.

O roteiro se utiliza basicamente de duas narrativas principais: A narrativa mais objetiva, mostrando o cotidiano das atrizes e seus conflitos pessoais, dando justificativas e arco dramático necessários para sustentar a conflituosa relação entre elas e suas respectivas vidas privadas cheias de altos e baixos, bem como a narrativa mais documental, com relatos de Olivia De Haviland (Catherine Zeta-Jones) e Joan Blondell (Kathy Bates), amigas íntimas de Davis, para dar consistência aos fatos por pontos de vistas externos e mais pessoais.

O resultado - e não tem como dizer outra coisa - é brilhante.

De forma alguma seria desmerecer ou diminuir o talento de Jessica Lange, mas o trabalho desenvolvido por Sarandon é arrebatador. Ela consegue incorporar a essência de Davis em todos os aspectos, do modo de falar ao modo de agir. Ao ver sua performance, é como se a víssemos pensando como Davis. Segundo a atriz, sua maior preocupação foi fugir o máximo que pudesse da caricatura, já que a própria Davis era uma pessoa bastante caricata, como no momento em que ela se apresenta como Baby Jane pela primeira vez, conseguindo ser tão engrandecedor e chocante como é relatado ter sido na realidade.

Assim como o primeiro episódio mostra, Davis decidiu fazer sua própria maquiagem, recusando profissionais. A idéia que ela teve para Baby Jane é que ela era uma pessoa que aparentava ser como uma boneca velha, maquiada em cima da maquiagem do dia anterior. Quando ela se apresentou daquela forma a Bob Aldrich, ela não apenas arrancou o choque da equipe, como também de sua própria filha e igualmente de Joan Crawford, ao mesmo tempo que, por outro lado, foi parabenizada pelo próprio autor do livro, que afirmou que ela estava exatamente como ele imaginava Baby Jane enquanto escrevia. Essa relação de Davis com a maquiagem já rendeu outras situações, como no filme Pérfida, quando o diretor William Wyler disse que sua maquiagem parecia de um Kabuki, e que ele não a filmaria daquele jeito. E, no fim, Pérfida é igualmente uma de suas maiores performances de sua carreira.

Embora a performance de Sarandon tenha grandes virtudes, principalmente porque seus diálogos sarcásticos e de objetividade cirúrgica reproduzem com assustadora fidedignidade a irônica rispidez, o humor sarcástico e a afiada eloquência de Davis, Lange não é ofuscada, mas também não se destaca como se espera, ficando a todo momento sob as sombras.

Mas isso não é demérito do roteiro e muito menos um erro, mas algo que se mostra proposital pela própria personalidade da atriz referenciada. Crawford, assim como publicamente taxada, era sempre dramática demais. Uma mulher que tinha diversos problemas pessoais e psicológicos, como inferioridade, baixa auto-estima, depressão, mania e alcoolismo. Não é à toa que seus móveis encapados era uma das coisas mais bizarras de sua persona, já que tinha obsessão por limpeza. Dita como uma pessoa difícil de se conviver, era inteligente e determinada, mas não tinha a mesma sagacidade de Davis. Por ter dado tanta atenção a comentários e comparações de terceiros, seu único objetivo, por muito tempo, foi se sobrepor à sua rival, e a consequência disso foi ter se tornado uma coadjuvante de sua própria história. Isso é o que é realmente entristecedor de toda essa rincha, e esse lado dramático pode até ter o melodrama sempre característico de Crawford empersonado por Lange, mas não deixa de ser verdadeiro e sofrido. A forma como Crawford absorveu a situação e transformou tudo isso em um objetivo vazio, é uma batalha que ela trava com ela mesma sem qualquer trégua, resultando em uma vida solitária, um final de carreira decadente e uma morte anunciada. 

A manipulação existente em volta das duas atrizes, até mesmo na de Aldrich sobre elas, alguém que se mostrou presente e amigo, considerado por elas como alguém de confiança e um mediador necessário, é desmoralizante. Mas assim como a série constrói, Aldrich também foi uma vítima dessa manipulação, sendo igualmente inferiorizado e um objeto/ferramenta de concretização dessa novela, tamanha a gigante proporção do domínio da indústria sobre eles, já que os estúdios passaram a depender de toda essa má publicidade para garantir o sucesso de bilheteria dos filmes numa fase que lançou o estilo "hag movies" (ou hagsploitation), ou seja, filmes que exploravam a imagem de "bruxas velhas", em referência ao gênero de suspense/horror com atrizes acima dos 50 anos interpretando vilãs caricatas.

Numa época em que fala-se muito da igualdade das mulheres e de seu empoderamento, a série ergue discussões fundamentais sobre isso sem soar doutrinadora ou didática, como no momento em que Pauline Jameson (Alison Wright) expressa suas intenções em dirigir um filme que ela mesma escreveu pensando em Crawford no papel principal, mas é desmotivada pela forte presença masculina em um período em que não havia mulheres diretoras em Hollywood. Claro que o cenário hoje é um pouco diferente, mas ainda existe um grande desfalque feminino nesta categoria, e uma das grandes razões da maioria dos episódios terem sido dirigido por mulheres.

Embora superficialmente a série aparente sustentar a rivalidade apenas em cima da inveja sobre a beleza de uma e o talento de outra, é possível perceber que havia muito mais por trás de tudo. Murphy conseguiu criar um material respeitoso, além de uma grandiosa homenagem às duas atrizes, entregando ao público um final esperado, mesmo que diferente da realidade, mas desenvolvido de maneira tão delicada, expressiva, e justificada de forma tão simples e honesta que encerrou satisfatoriamente a temporada, servindo como um possível pedido de desculpas póstumas uma à outra. Um final emotivo e nostálgico, uma fantasia poética possível caso tudo tivesse sido diferente, além de mostrar que ambas tinham muito mais em comum do que elas próprias imaginavam.

Como um todo, Feud se mostrou mais que uma série, mas um resumo histórico de uma fatia da História do Cinema e de Hollywood, além de ser, até o momento, a melhor temporada de séries de 2017. Curta, expressiva, relevante e emotiva.

Nenhum elogio é bom o bastante.

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