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terça-feira, 14 de março de 2017

CHEGOU A HORA...

★★★★★★★★★☆
Título: Logan
Ano: 2017
Gênero: Drama, Ação
Classificação: 16 anos
Direção: James Mangold
Elenco: Hugh Jackman, Patrick Stewart, Dafne Keen
País: Estados Unidos
Duração: 137 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Em 2029 o mundo não é o mesmo, nem Logan. Com a extinção de mutantes e o fim dos X-Men, ele agora se encontra debilitado, cuidando de um Xavier igualmente doente e que não consegue mais constrolar seus poderes. Quando é incumbido de escoltar uma garota até o Canadá, Logan terá de reecontrar em si o lado humano que um dia Xavier despertou, mas que o violento mundo o fez esquecer.

O QUE TENHO A DIZER...
Logan ter como título, pela terceira vez consecutiva, o nome do próprio personagem, é um tanto esquisito e estranho porque soa mais como uma terceira tentativa do que uma sequência, pois a impressão que se tem é que o personagem está sendo reapresentado a um público descrente. E não é por menos.

Quando X-Men Origens: Wolverine (2009) foi lançado, a intenção era ser muito mais do que um spin-off dos X-Men, mas o início de uma nova franquia. E em meio a tantas deturpações e descaracterizações, a decepção foi unânime, fazendo a Fox entrar em estado de alerta, iniciando um processo de salvação de emergência de um dos personagens mais caros dentre os quais ela detém os direitos de uso da Marvel.

Os roteiristas foram trocados, o diretor James Mangold foi contratado, e Wolverine recebeu tratamentos de um reboot, sendo praticamente promovido como tal, com a finalidade de fazer o público esquecer que o primeiro filme algum dia existiu. E seguindo a tendência deixada pela Trilogia Batman, de Christopher Nolan, o roteiro deu ao segundo filme um tom mais obscuro e introspectivo, um dos grandes erros dentre vários, porque Wolverine não é um personagem sombrio, mas um herói atormentado e perseguido pela violência. O resultado não foi satisfatório, e Wolverine (2013) igualmente falhou na tentativa de salvar a franquia de um fiasco, e a idéia do personagem ter um filme marcante e digno de sua existência parecia cada vez mais distante.

Independente disso, o filme havia agradado o ator e o diretor. Segundo eles, foi uma grande conquista o que conseguiram fazer no segundo filme, deixando implícito nesta afirmativa que dificuldades existiram para driblarem o constante controle criativo por parte do estúdio, algo evidente no primeiro filme, e que continuou evidente no segundo. De qualquer forma, arrecadou mundialmente mais de US$410 milhões, e no mesmo ano, conversas sobre um terceiro filme começaram a surgir.

Nesse meio tempo, Ryan Reynolds estava numa difícil negociação de levar para as telas o filme solo de Deadpool, e depois de tantos obstáculos, conseguiu fazer o projeto finalmente sair do papel ao tomar as rédeas da produção e injetar uma boa quantia de seu próprio dinheiro para cobrir o orçamento. O lançamento de Deadpool, no início de 2016, desbravou horizontes aos filmes de super heróis por uma razão óbvia: por conta da violência explícita, a classificação etária de 16 anos não impediu o filme de ser um estrondoso sucesso de bilheteria, crítica e público, algo que a Fox nunca imaginou que pudesse acontecer.

Visando abranger um maior público, o controle etário pelos estúdios sempre foi muito rigoroso. Havia uma errônea idéia de que filmes de super heróis não poderiam ter classificação alta pois limitaria a participação infantojuvenil, os maiores consumidores de histórias em quadrinhos e a faixa etária mais rentável das bilheterias. Só que Deadpool provou exatamente o contrário, mostrou que havia um público mais adulto ávido por filmes de heróis com conteúdo mais sério e explícito porque determinados personagens exigem isso, como sempre foi o caso de Wolverine.

Por essa razão, o sucesso de Deadpool foi essencial para definirem o tom final de Logan, que segue uma narrativa mais consistente e adulta sem preocupação com faixas etárias. E finalmente essa terceira tentativa deu certo. Deu tão certo que não apenas é o único filme relevante do herói, como também o melhor e mais bem dirigido filme de Mangold até hoje. Um produto refinado, feito com vontade e inspiração. 

Nota-se logo nos primeiros minutos que o controle criativo agora estava nas mãos dos roteiristas e do diretor muito mais do que do estúdio, pois Logan é exatamente aquilo que o primeiro filme de Wolverine deveria ter sido. Melhor dizendo, Logan seria o fim de uma fantástica trilogia se os dois primeiros filmes tivessem sido executados nos mesmos moldes. Aqui, o tom distópico, rústico e violento, não faz a história se esconder por trás do herói, como foram os filmes anteriores, mas se engrandecer com ele. Uma pena que isso só foi acontecer tarde demais, quando Hugh Jackman finalmente aposentou as garras, neste que é o seu último e único bom filme solo de um personagem que, por 16 anos, ele vestiu de corpo e alma.

No filme, que se passa no ano de 2029, os mutantes finalmente entraram em extinção, como sempre foi a vontade política abordada nos filmes anteriores dos mutantes. Os X-Men não existem mais, e Logan (Hugh Jackman) agora trabalha como motorista de uma limosine de aluguel sob outra identidade para preservar sua segurança e enterrar um mundo no qual ele não faz mais parte. Ele está doente, já que seus ossos de adamantium se tornaram tóxicos ao seu sistema imunológico que agora está debilitado, e seu fator de cura não tem mais a mesma efetividade de quando era jovem. Ou seja, Logan envelheceu e morre aos poucos. Ao mesmo tempo, ele também cuida de um igualmente doente e nonagenário Charles Xavier (Patrick Stewart), que sofre de Alzheimer e de uma leve demência que o impede de ter o controle de seus poderes, transformando-o em uma bomba prestes a explodir. Em meio a tudo isso, Logan se vê envolvido em uma situação difícil, no qual é incumbido por uma enfermeira mexicana a escoltar uma criança, chamada Laura (Dafne Keen), até a fronteira com o Canadá.

O tom é um dos mais violentos de todas as adaptações de quadrinhos nos últimos anos, e aparenta ser muito mais chocante justamente por inserir um grande elenco infantil no meio de tudo isso, e Mangold impacta por todos os lados sem medo.

O último filme em que vi uma personagem infantil em uma história bastante violenta foi Hanna (2011), e a mesma ousadia acontece aqui. Por mais chocante que possa parecer, e muito mais violento que possa se mostrar por conta disso, existe um obrigatório senso de sobrevivência a eles que justifica as atitudes tanto de Logan, quanto de Laura. A relação que se desenvolve entre os dois, de proximidade, mas sem grandes contatos; de comunicação, mas sem muitos diálogos, é um dos grandes ápices do roteiro. É exatamente aquele elemento que transferiru a essência do personagem dos quadrinhos ao filme e que sempre faltou nas adaptações anteriores. Essa situação de co-dependência, que gradualmente cresce entre os dois, é bastante similiar à relação entre Joel e Ellie no jogo The Last Of Us (2013), que para quem não conhece, vale a pena saber que é emocionante em igual medida e tom.

Logan, sem dúvida, inaugura uma nova safra de adaptações. Um filme que mistura drama com ação em doses pontuais, de uma forma bastante inovadora em um estilo que já está saturado de clichés e piadas manjadas, que chega em um momento oportuno para um público que já está um tanto cansado de uma fórmula que se estagnou na última década. Ver o herói em sua zona de familiar desconforto é reconfortante, pois é como finalmente inserir um animal em seu habitat natural. O personagem não traz qualquer resquício daquele tom jocoso do primeiro filme, e abandonou por completo a sombriedade do segundo. Logan voltou a ser aquele homem movido pelo seu instinto arisco e violento apresentado por Brian Singer no primeiro filme dos X-Men, mas sem nunca se tornar o produto daqueles que o fizeram, pois a humanidade dentro dele sempre foi maior, apesar dos pesares.

Não dá para evitar a tristeza de ver dois grandes heróis dos quadrinhos envelhecer aos nossos olhos, e durante todo o filme existe uma latente melancolia que pesa nessa impressão todas as vezes em que Jackman e Stewart dividem as cenas, como no momento em que Logan carrega Xavier para a cama, fingindo ser o filho zeloso a proteger o debilitado pai. O simbolismo existente nessa cena é simples, mas profundo e impactante, pois metaforicamente, para o público e para os olhos de Laura, captados com precisão por Mangold, representam o fim de uma geração e o início de outra. A hora de finalmente dizer adeus não apenas a esses personagens, mas aos atores que os carregaram tão bem durante toda essa trajetória, deixando um legado que já se sente nostálgico.

Logo, apesar de toda a sanguinária violência - e que volto a dizer, em total coerência com a natureza do personagem - existe uma sutileza nos momentos dramáticos que fazem do filme um produto digno de seu protagonista, tardiamente suprindo uma longa espera. A tragédia embutida nos três personagens alivia a tensão da ação e eleva um genuíno sentimento de perda e redenção, um arco dramático sentido no silêncio do cinema de pessoas emocionalmente satisfeitas. Uma grande homenagem a um personagem que, depois de grandes tropeços no caminho, agora encerra seu ciclo em um filme memorável e que finalmente faz jus ao nome que carrega.

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