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segunda-feira, 20 de março de 2017

O MERGULHO VAZIO DA ÁGUIA...

★★★★★☆
Título: Assassin's Creed
Ano: 2016
Gênero: Ação
Classificação: 12 anos
Direção: Justin Kurzel
Elenco: Michael Fassbender, Marion Cotillard, Jeremy Irons
País: Reino Unido, Estados Unidos, França, China, Tailândia, Canadá
Duração: 115 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Na busca por um lendário artefato, um ex-presidiário é recrutado por uma grande empresa privada para uma experiência onde ele viverá as memórias de seu antepassado, regressando 400 anos atrás, e levar a cientista responsável por este projeto ao paradeiro deste poderoso ítem sagrado que pode por fim a uma guerra secular.

O QUE TENHO A DIZER...
Assassin's Creed é um dos maiores fenômenos dos vídeo games da história, e a franquia mais rentável da última década em um total de nove jogos, sem contar aqueles lançados em plataformas paralelas para complementar o universo.

Até que demorou bastante para que sua adaptação aos cinemas chegasse, já que a série teve início em 2007, e até hoje já vendeu quase 100 milhões de cópias em todo o mundo. Se tornou um daqueles fenômenos onde parece não haver espaço para crítica, e se alguém se atrever a isso pode correr o risco de ser apedreijado por um fã.

Se tem algo inégável é que a série de jogos trouxe elementos extremamente importantes para a cultura popular atual nas duas últimas gerações de consoles. Suas histórias, consistentes em sua maioria, sempre foram cercadas por referências históricas, literárias e mitólogicas (reais ou fictícias) de uma forma nunca feita antes. Os produtores dos jogos conseguiram algo um tanto inédito: fazer com que os jogos não fossem apenas um entretenimento banal, mas uma interessante fonte de interesse pela História.

Seja pelo período da Terceira Cruzada (por onde a série começa) até a Era Vitoriana (onde se situa o último jogo), seja interagindo com figuras de Da Vinci a Winston Churchill, ou percorrendo por cenários cuja ambientação recria (às vezes com fidedignidade) a arquitetura e cultura de cada época e localização, jogar Assassin's Creed sempre foi, acima de tudo, aquilo que o próprio enredo do jogo propõe: uma regressão ao passado, uma experiência única de reviver períodos. Cada um dos episódios deixa os jogadores embasbacados com tantas informações, imergindo-os em uma fantasia histórica que igualmente resgata o interesse pela informação e leitura, já que toda a série possui uma vasta coleção de arquivos a serem lidos e que complementam não apenas o universo criado, mas toda essa experiência imersiva

Só que, ao mesmo tempo, nunca foi segredo para ninguém a repetitividade dos jogos. A sua jogabilidade sofreu alterações consideráveis no decorrer dos anos para incrementar o interesse e abranger a sensação de novidade, mas no fundo o problema de cada jogo foi sempre se estagnar em um determinado ponto. Não há nada que mais tenha incomodado do que o enredo que vaga entre o presente e o passado, em uma história bastante furada de uma organização privada que descobriu uma forma de fazer pessoas reviverem a vida de seus antepassados através de uma regressão feita por uma memória de DNA, algo que nunca conseguiram fazer funcionar com efetividade, ou explicar direito como tudo funciona, mas que também nunca importou de fato.

Assim como nos jogos, o filme parte da idéia de uma secular guerra entre a Ordem dos Templários e a Ordem dos Assassinos. Existe um artefato, conhecido como Maçã, que possui o DNA original da humanidade e o código do livre arbítrio. Os Templários tentam conquistar o artefato para gerar a paz entre os homens, porém regidos pelas regras religiosas criadas por eles, enquanto os Assassinos tentam manter o artefato longe das mãos dos Templários para que a humanidade busque a paz através do livre arbítrio. O enredo já seria interessante assim, e poderia ter partido diretamente daí, sem a necessidade de tudo ter um início no presente, com o uso de uma tecnologia pra lá de absurda apenas para inserir a história em um contexto atual.

Essa abordagem entre presente e passado foi abandonada pelos jogos em um determinado ponto, e quando o filme estava em pré-produção, sob grande sigilo, a única coisa revelada pelo diretor foi de que a história teria uma abordagem diferente dos jogos, com um personagem novo. Muita expectativa foi criada, principalmente na de que essa bobagem hi-tech pudesse ser abolida já que se auto desgastou na franquia de jogos.

A verdade é que o filme é um produto bastante fiel, cheios de referências e elementos clássicos da série para o deleite dos fãs, mas que igualmente levou para as telas os mesmos defeitos, como a repetitividade de ações e a confusão natural que o enredo cria vagando entre as narrativas atuais e antepassadas. O pulo de narrativas, assim como nos jogos, faz o filme nunca desenvolver uma boa história em nenhum dos tempos abordados, quebrando o clima de imersão e da ação que ele tenta construir, e que nunca chega a um grande êxtase esperado, já que sempre que ele tende a chegar lá, tudo é interrompido pela narrativa presente.

O filme também falha feio ao ignorar a tal importância e interesse pelas referências que os jogos criam. Em nenhum momento o período histórico é mostrado com profundidade ou relevância além de uma ou outra referência visual, se tornando um produto vago e banal, que não se utiliza da História como uma grande ferramenta narrativa e um elemento vivo e consistente como é na série de games, ao invés disso, é recheado de momentos clichés de ação ao ponto de entediar o espectador, principalmente aquele que nada sabe sobre os jogos.

Ok, as cenas de ação e perseguição são muito bem coreografadas, repetindo o mesmo balé deslumbrante que são nos jogos, mas para quem esperava tanto por isso, são momentos tão curtos e rápidos que acabam não satisfazendo como deveriam.

Também é um pouco confusa a escolha do alemão Michael Fassbender no papel de um protagonista meio americano, meio mexicano, que revive um ancestral espanhol do século XV. Claro que isso não diminui sua competência como ator, mas reduz ainda mais a consistência do filme como um todo. Sem falar da personagem de Marion Cotillard, retilínea e uniforme do começo ao fim, sem qualquer arco dramático ou um grande conflito que justifique um profundo altruísmo digno de conto de fadas.

Enfim, o filme é apenas um produto para expandir a franquia para outras mídias, mas como dito, ao contrário dos jogos, o resultado aqui é banal, vago e fútil. O roteiro desperdiça por completo a oportunidade de fazer do filme uma experiência diferente e, pudera, original. Algo feito apenas para relembrar os fãs dos jogos de como tudo começou e nada mais, tanto que a bilheteria mundial de mais de US$230 milhões não classifica o filme como um enorme sucesso, mas justifica que 99% de seu público é o mesmo daqueles que acompanham os jogos há uma década. Se o filme já tivesse partido diretamente de um princípio histórico, talvez tivesse sido consistente como poderia e como os jogos conseguem ser, por mais repetitivos que pareçam como uma unidade.

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