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terça-feira, 24 de janeiro de 2017

SÓ ASSISTINDO PRA SABER...

★★★★★★★★★☆
Título: A Chegada (Arrival)
Ano: 2016
Gênero: Ficção Científica, Suspense, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Denis Villeneuve
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forest Withaker
País: Estados Unidos
Duração: 116 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma especialista em linguística é contratada pelo exército norteamericano para tentar decifrar estranhas mensagens recebidas diretamente de extraterrestres cujas naves estão espalhadas em vários pontos do mundo.

O QUE TENHO A DIZER...
A Chegada é um daqueles filmes de ficção-científica que quando acabam deixam o espectador pensando sobre ele. Não de maneira a tentar compreender a história porque seja algo muito complexo, mas de forma reflexiva sobre a vida, sobre a condição humana, e sobre a função de cada um no mundo. Também na tentativa de descobrir qual é a nossa verdadeira parte nele junto com a aceitação dos inevitáveis fins. Não que o filme fale diretamente sobre isso, mas é o sentimento que a protagonista terá, e que o espectador, de alguma forma, irá absorver todas as vezes que ela tiver flashes sobre episódios alegres e tristes vividos, ao mesmo tempo em que tenta aprender a lidar com um sentimento constante sobre uma função maior, a compreensão de que existe algo grandioso a ser feito, mas que ela não consegue entender exatamente o quê.

Nesse ponto, tanto o filme, quanto a personagem de Amy Adams, se assemelham com a jornada de Dra. Ryan Stone em Gravidade (Gravity, 2013), o qual é uma grande metáfora da vida e do renascimento. Aqui essa sensação não é muito diferente, mas ao invés do renascimento, a metáfora é sobre a continuidade da vida e sua relevância.

E assim que o filme acaba, no brevíssimo segundo de silêncio até a trilha sonora voltar a tocar para os créditos finais, não será estranho alguém se encontrar em um estado quase catatônico nesse ínterim, com um breve filme da própria vida rodando na memória em milésimos de segundos. Talvez este seja um dos sentimentos mais fantásticos que esse longa possa despertar naqueles espectadores que conseguirem compreender e mergulharem não apenas na história, mas também nos propósitos dela. De qualquer forma, absorva esse sentimento e abrace essas emoções se por acaso aparecerem, porque é raro quando o cinema atinge esse nível de sinergia com seu espectador. E esse filme consegue, é necessário apenas se conectar a ele.

E para aqueles que não compreenderem a história logo de cara, ou não tiverem essas sensações um tanto trancendentes, acredite, tudo pode ser apreciado de outras maneiras, e à sua forma, porque nada nele é tão complexo como parece ser, mas as discussões sobre a história poderão surgir, e serão produtivas, pois é um filme que ergue questões até triviais, mas assim são justamente por ignorarmos sua existência.

Muito tem sido dito sobre a necessidade de se assistir ao filme outras vezes para um melhor entendimento. A verdade é que a complexidade do filme não é tão grande assim. Mesmo tendo duas narrativas que se intercalam, o roteiro foge bastante da velha fórmula da narrativa desconstruída, propositalmente desconexa, atualmente usada exaustivamente em filmes e séries, enganando o espectador gratuitamente para elevar suspense ou complexidade em coisas simples.

Neste filme o roteirista utiliza uma narrativa não-linear, mas ela definitivamente faz parte real do desenvolvimento da história, e o diretor, Denis Villeneuve, consegue conduzir tudo de maneira muito consistente e sem pressa, com nada ao meio para distrair o espectador à toa. E no fim tudo terá coerência, e garanto que será surpreendente. Basta prestar atenção nos diálogos chaves.

Mas também não se esqueça de prestar atenção na fotografia, que igualmente impressiona por conta de sua estética sempre simétrica e minimalista, mas longe de ser acolhedora ou padronizada. Como o próprio diretor a define, é uma "ficção científica suja", que seria algo como acordar em uma péssima manhã de chuva, disperso na janela do ônibus, por onde se vê apenas nuvens carregadas.

Tudo é muito preciso: as memórias de Louise durante a história; os contatos imediatos dela com os extraterrestres; a comunicação entre eles, que se revela gradualmente; e breves intercursos durante a pesquisa linguística que os personagens fomentam. A construção do filme se autoexplica, e o final nos poupa de longas explicações porque, como dito, o filme já havia feito isso ao longo da história, tratando o espectador com decência, algo que também anda difícil.

É complicado falar de um filme cuja boa porcentagem de sua efetividade seja sinestésica, como ele é. Não é cheio de texturas, formas e cores, mas tem um crescente emocional forte e necessário, ao ponto de sentirmos mínimas sensações, como se a protagonista fosse nós mesmos. Isso se deve pelo incrível trabalho que Amy Adams novamente faz, e também pela própria história em si, que vagarosamente arranca de nós nosso lado mais humano, nos fazendo pensar sobre isso, seja como um coletivo, seja como um indivíduo. Claro que muito também é ajudado pela trilha sonora, que logo no início do filme já faz certa referência a Contatos Imediatos do Terceiro Grau (Close Encounters Of The Third Kind, 1977), mas não demora para se tornar uma sonoridade ao desconhecido: às vezes assustador, às vezes angustiante, às vezes emocionante como esperamos que seja.

Também há nuances sobre a Física Quântica e dimensões paralelas, mas sem ser citados diretamente, tratados de forma mais subliminar, como uma ferramenta de linguagem capaz de viajar o tempo, e não da maneira massante e confusa como em Interstellar (2014). E também sem viagens físicas de fato, como em Contato (1997), seu filme-primo, já que a trama parte do mesmo princípio.

Aliás, mesmo que A Chegada faça parte de um mesmo gênero e beba das mesmas fontes dos filmes citados, em momento algum soa mais do mesmo, ou uma repetição do mesmo tema, ao invés disso, causa a natural impressão de ser algo original em muito tempo.

CONCLUSÃO...
A Chegada pode não ser o melhor filme do ano, nem ter o melhor roteiro do ano ou a melhor direção. Mas tudo foi feito de forma tão bem organizada que não existe uma coisa que possamos dizer que é desnecessário. É um filme com raras qualidades, e relevante, que ficará flutuando na memória por um bom tempo. Tudo é bem dosado e as coisas estão nos devidos lugares, vagando entre a ficção científica, o suspense e o drama de forma tão natural que não conseguir ter um misto de sensações em algum momento, e depois cair em emoções bastante sinceras, é praticamente impossível.

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