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segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

NÃO VALE O PREÇO DA PASSAGEM...

★★★★☆
Título: A Garota do Trem (The Girl On The Train)
Ano: 2016
Gênero: Suspense, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Tate Taylor
Elenco: Emily Blunt, Haley Bennett, Rebecca Ferguson, Edgar Ramirez, Justin Theroux
País: Estados Unidos
Duração: 112 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma garota que faz o mesmo trajeto de trem diariamente de repente percebe que os personagens de sua paisagem predileta não são tão perfeitos quanto imaginava.

O QUE TENHO A DIZER...
A Garota do Trem (2015), de Paula Hawkins, por incrível que pareça, se assemelha em vários aspectos com Garota Exemplar (Gone Girl, 2012), de Gillian Flynn, publicado 3 anos antes e igualmente um best-seller adaptado ao cinema em 2014 por David Fincher. A começar pela narrativa em primeira pessoa. Depois vem a estrutura, na qual os capítulos também são divididos por dias, como se fosse um diário, embora não seja. E por fim, além da trama central ser parecida, há o desenvolvimento enganoso dela, que tende a nos levar para caminho algum até um ápice revelador inesperado.

Só que existe uma coisa que diferencia bastante um do outro: a qualidade.

É inegável que o texto de Flynn seja melhor escrito. Há uma maior densidade e fluidez, além de que a trama de Garota Exemplar conquista a atenção do leitor desde o princípio, e a reviravolta que a autora faz exatamente no meio da história consegue ser surpreendente.

Já no caso de Hawkins as coisas não são bem assim. O livro nunca conquista porque ele se arrasta em narrativas pessoais sobre o cotidiano de três mulheres, incluindo a protagonista depressiva e alcólatra, Rachel. Um cotidiano chato, que não tem atrativo, no qual todas as personagens passarão a maior parte do tempo lamuriando sobre suas vidas conjugais, algo que também ocorre em Garota Exemplar com consistência. Pode ser um problema da tradução, mas a escrita é bem simples e repetitiva, principalmente quando é descrito sensações pessoais que dificilmente saem de adjetivos como: nauseante, enjoada, trêmula, pálida, aflita, e derivados... Não há sequer uma diferenciação narrativa entre uma e outra personagem para que o leitor sinta a diferença de personalidade entre elas. No texto, todas parecem iguais, e é entediante.

A sorte do leitor é ser um livro curto, caso contrário, seria revoltante. O fim, que a partir de um certo momento se torna previsível, é bobo e comum, nada que não se tenha visto anteriormente na literatura policial popular ou nos filmes de mesmo gênero. E é isso que causa um certo arrependimento depois de lê-lo, pois os elementos que deixariam a trama óbvia demais são omitidos na amnésia alcólica da protagonista. Chega um momento que é impossível sustentar o suspense com nada, então, a escritora revela o essencial que acaba não surpreendendo, e muito menos causando impacto. O máximo que ela consegue é o desapontamento, pois será fácil pensar: não acredito que me arrastei até aqui para a verdade ser essa.

Não que o livro de Hawkins seja de todo ruim. Ele tem pontos fortes, como seu nível descritivo que é bastante rico. Se ele não existisse, o livro se enxugaria em 50 páginas, mas ainda consegue ser chato, pois muitas vezes se atenta a detalhes desnecessários. A autora também tem êxito em construir a bagunçada personalidade de Rachel com profundidade, afinal, é ela a garota do trem, e a protagonista é o único elemento de todo o livro que justificaria a adaptação cinematográfica. Só que não há como negar que o filme despenca ladeira abaixo, e Rachel, que deveria ser a grande e única estrela de todo o longa, acaba sendo ofuscada por um roteiro que não consegue esconder ter sido feito às pressas, já que o livro foi lançado em 2015, e em 2016 o filme já estava pronto.

Se o livro já não é lá grandes coisas porque não tem muito o que dizer, o filme diz menos ainda. Cheio de buracos e sequências que não farão muito sentido para quem não leu o livro, e para quem leu notará o esquartejamento desnecessário que o livro sofreu. A trama se desenrola muito rápido, e muito das poucas qualidades que o livro tem, principalmente sobre Rachel, se perde. Sem contar que os principais eventos se revelam sem qualquer impacto ou construção, ou se revelam antes da hora. E é assim que a adaptação caminha, revelando coisas que não precisavam ser reveladas com tanta rapidez, estragando o suspense e fazendo-o mais um drama desleixado qualquer do que um thriller doméstico em potencial (ou "noir doméstico", como li em alguns lugares). E havia potencial, mesmo vindo de uma literatura tão simples como o alfabeto. 

É claro que Emily Blunt chama a atenção, ainda mais representando uma alcólatra. Sua expressão derrubada e músculos faciais relaxados ao extremo, típicos de uma pessoa etilista, é de impressionar. Mas é triste ver seus esforços serem jogados ralo abaixo por um filme que perde seu fôlego rapidamente e desperdiça todas as características de uma personagem autodestrutiva por excelência e que tinha tudo para ser maior na tela do que no livro.

No livro Rachel sofre de uma depressão crônica, resultado da época em que estava casada e via sua relação desmoronar como um castelo de areia por não conseguir engravidar. A depressão a leva ao etilismo, e o etilismo a outros problemas. Dentre eles, seu profundo sentimento de rejeição, solidão, inutilidade e carência, por isso seu fascinio pelo casal Maggie e Scott e sua intromissão no caso para se sentir algo importante e útil, além de uma certa inveja que alimenta sobre a aparente perfeição do relacionamento que possuem. Muitas vezes Rachel até se coloca no lugar de Maggie em seus devaneios eróticos com Scott. Mas isso não é apenas com ele, seu interesse a qualquer homem que lhe dê o mínimo de atenção é óbvio e constante, tanto que sua vontade é sempre se jogar em cima de qualquer um que a trate com educação, atenção e masculinidade, tamanho o desespero por ser tocada, já que há anos não tem uma relação íntima com ninguém porque, no livro, ela é uma mulher desleixada, descrita como feia e gorda por causa de seu vício.

Rachel é uma daquelas personagens que, por conta dessa personalidade desfragmentada, tudo que faz é um desastre, e a falta de uma rotina produtiva lhe faz mergulhar cada vez mais em um mundo fantasioso e errado que ela constrói a todo tempo e que quer fazer parte a qualquer custo.

Nada disso é abordado no filme na mesma relevância que no livro, e o filme a transforma em uma personagem simples demais e que bebe somente para afogar mágoas planas como uma mesa. Ao menos, é essa a impressão que o longa passa.

Isso é resultado da tal "gourmetização hollywoodiana", ou seja, a constante mania de aliviar pesos e dramas para deixar tudo mais palatável, entregando ao espectador tudo mastigado, pronto para ser engolido, tal qual como aconteceu com a obsoleta adaptação hollywoodiana de O Homem Que Não Amava As Mulheres (2011), também de David Fincher. Tanto que a trama não se passa em Londres, mas em Nova York, e a etnia dos personagens é ignorada, como o psicoterapeuta não ser um indiano (embora tenha nome de indiano), mas um latino que, em certo momento, começa a gritar impropérios em espanhol. Até o fim é mais brando e bonitinho, com Rachel soltando uma frase de efeito que mais cliché seria impossível.

É claro que, comparando um com o outro, o filme consegue ser tão banal que o livro se torna até interessante. Mas é aquela coisa, por ser curto e de pouco impacto, é feito para ser lido entre idas e vindas de um cotidiano simples como o de Rachel e nada mais.

CONCLUSÃO...
Depois que se tornou um best-seller percebe-se como é fácil escrever um livro, e como a fórmula para um sucesso é fácil. E depois que se assiste ao filme percebemos como é fácil piorar algo que já nem se mostrava tão bom assim.

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