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terça-feira, 1 de novembro de 2016

PASSE LONGE. IGNORE...

★★☆
Título: Nina
Ano: 2016
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Cynthia Mort
Elenco: Zoe Saldana, David Oyelowo
País: Reino Unido
Duração: 90 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma visão superficial e um tanto romântica de alguns anos da vida da cantora, compositora, musicista e militante, Nina Simone.

O QUE TENHO A DIZER...
É difícil falar de Nina depois de What Happened, Miss Simone? (2015), porque por um lado temos um grande documentário produzido pela Netflix, que concorreu ao Oscar (e venceu o Emmy), enquanto do outro temos um filme banal que apenas mostra a cantora como uma mulher instável e alcólatra durante todo o tempo e nada mais. Há apenas um esboço aqui e alí do seu ativismo social, ou de uma ou outra inspiração para suas composições, mas só. O resto é irrelevante e desnecessário.

Há tantos erros, equívocos e livre interpretação neste filme que a situação chega a ser bastante ultrajante. Boa parte de tudo ocorre pela idéia ser extremamente ousada para uma estreante na direção, Cynthia Mort, que também escreveu o roteiro sem ponto de partida ou chegada, sem eira ou beira. A outra catástrofe foi o fato da família de Nina não ter sido consultada em nenhum momento, principalmente sua filha, a cantora Lisa Simone Kelly, que não aprova a produção e muito menos seu conteúdo, embora tenha deixado claro que nenhuma responsabilidade do filme deve ser atribuída à atriz, Zoe Saldana, como a crítica e o público acabou fazendo.

A pesquisa da diretora/roteirista, parece bastante rasa, de fontes duvidosas, como se tivesse juntado um punhado de boatos de trablóide e feito um filme com isso. Ela até tenta dar uma cronologia, mostrando ora ou outra o ano em que certa cena se passa, mas Nina (a personagem), nunca envelhece, nem quando está nos seus mais de 60 anos.

O filme basicamente começa em 1995 com Nina sendo internada em um hospital psiquiátrico após ameaçar um advogado com uma arma. Nessa época Nina tinha 62 anos e morava na França, e já tratava sua bipolaridade, que foi descoberta apenas no final dos anos 80. Muito provável que também já tratava seu câncer de mama, lembrando (por pura curiosidade) que em 1997 ela se apresentou no Brasil, no Bourbon Street, em São Paulo.

Por conta de falhas cronológicas e de informações como essas, nunca temos certeza em qual época boa parte da história se passa. Cynhtia se manteve numa zona segura, negligenciando períodos muito mais interessantes, importantes ou complexos da vida da cantora, como sua militância aos Direitos Civis ou até mesmo a fase mais pessoal e turbulenta ao deixar os Estados Unidos nos anos 70 e se radicar em Barbados. Se ela tivesse pego o início de sua carreira, quando adotou o nome artístico para esconder de seus pais que ganhava dinheiro tocando em bares noturnos de Nova York, época que foi obrigada a usar sua voz e descobrir que também era uma cantora, o que abruptamente ascendeu sua carreira, teria sido muito melhor do que um filme que tenta ser qualquer coisa, menos uma biografia.

A diretora/roteirista evidentemente opta por buracos negros da biografia para ter liberdade de interpretação e criar tudo a seu modo, como no período em que Nina se isolou na França apenas em companhia de seu assistente, Clifton Henderson, chegando a ficar seis meses sem contato com qualquer outra pessoa. Pouca gente sabe o que aconteceu durante esse tempo, então qual o motivo em explorá-lo se não existem fontes seguras para descrevê-lo? É então que Mort erra pesado outra vez, pois é nesta fase que o filme mais se foca, criando uma necessidade em deixar implícito uma relação mais íntima e romântica entre Nina e Clifton, fato que a própria filha da cantora nega que possa ter acontecido por Clifton ter sido abertamente gay.

Não houve cuidado estético, não houve planejamento adequado. Toda a produção é definitivamente um dos maiores erros do cinema em seu propósito de ser um material biográfico de uma das figuras mais controversas da música e da cultura negra norteamericana, uma tentativa desrespeitosa em trivializar, marginalizar e explorar sua imagem como um commodity hollywoodiano.

Mas nada foi tão controverso quanto a escolha da portoriquenha Zoe Saldana, gerando diferentes reações negativas principalmente após o lançamento do trailer, sendo alguns até engraçados, como ESTE AQUI (em inglês, sem legendas).

A grande polêmica foi de Zoe ser latina e ter uma pele muito mais clara do que a da cantora, precisando ser caracterizada sob forte maquiagem e próteses no nariz, dentes e lábios para se distanciar do biotipo latino e se aproximar do afroamericano. Se o filme tivesse levado a história de Nina a sério desde o princípio, a atriz nunca teria sido escolhida. A reprovação pela escolha vem justificada pelas raízes da cantora e seus princípios sociais, étnicos e de gênero. Seu feminismo e sua militância pela liberdade e expressividade da cultura negra sempre foram as engrenagens de seu trabalho. Sim, ser ator é não ter cor, mas existem casos em que as caracterizações devem ser respeitadas, e a de Nina deveria ser uma delas. Esse desrespeito mostrou a hipocrisia no cinema, e o racismo latente, principalmente numa época em que os afroamericanos tem liderado a militância por maiores participações no cenário artístico. O equívoco na escolha definitivamente é, como dito por Aaron Overfield, gerente de conteúdo do ninasimone.com, "uma cuspida no legado de Nina".

De qualquer forma, apesar de toda a crítica negativa envolta, a atriz não deve ser culpada. É compreensível os motivos dela ter aceito o papel (mesmo que não seja compreensível o motivo de não ter recusado, já que tudo indicava que ela não deveria fazê-lo). Zoe disse que sua intenção em representá-la foi a honra de poder transferir as mensagens e o idealismo de uma figura respeitável, se doando de corpo e alma para isso. É notável os esforços em sua caracterização física, algo que ela faz até bem, reproduzindo comportamentos, maneirismos, o modo de andar, dançar e falar que muito se assemelham. Zoe é expressiva, ela tem uma dramaticidade convincente, mas ironicamente, quando lembramos que sua personagem é Nina Simone, fica bastante difícil aceitá-la, principalmente quando a pesada maquiagem mostra-se como algo mal feito, de próteses evidentes e mal encobertas. Um grande erro também foi terem substituído todas as imagens da cantora pelas da atriz. Só há um momento, que eu me lembre, da capa original de um LP aparecer, todas as demais imagens foram substituídas, tanto quanto as músicas, cantadas pela atriz, e não dubladas, como deveria ter sido, já que o timbre e o alcance vocal de Nina são únicos.

É óbvio que terem optado por essas substituições mostra o baixo orçamento do filme, ao ponto da produção não ter tido condições de pagar pelos direitos do uso da imagem e das canções originais (que realmente encarecem muito). Zoe Saldana canta muito bem dentro de seus limites como atriz, mas tentar reproduzir o contralto de Nina, ou imitar suas transições e emoções nas performances chega a ser ridículo, incômodo, constrangedor. Sim, as versões de Saldana para o filme conseguem ser interessantes e apreciadas, como é a de Sinnerman, faixa utilizada nos créditos finais, onde Zoe canta como Zoe, mas todas essas músicas só funcionariam se fosse um tributo à parte, e não para um filme.

O mesmo a ser dito sobre o filme, que se for assistido como um drama qualquer, se for possível ignorar sua tentativa biográfica, o seu drama comum e melado podem até levar a algumas rasas emoções. Mas para isso só terá êxito aqueles que desconhecerem por completo quem foi o furação Nina Simone, caso contrário, passe longe da prateleira, ou ignore se um dia ele aparecer em algum serviço por demanda.

CONCLUSÃO...
Um filme que tenta ser qualquer coisa com o nome e Nina Simone, menos uma biografia.

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