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segunda-feira, 14 de novembro de 2016

GRANDE COMO SPIELBERG PODE SER...

★★★★★★★☆☆
Título: O Bom Gigante Amigo (The BFG)
Ano: 2016
Gênero: Aventura, Fantasia
Classificação: Livre
Direção: Steven Spielberg
Elenco: Ruby Barnhill, Penelope Wilton, Rebecca Hall
País: Reino Unido, Canadá, Estados Unidos
Duração: 117 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma garota, ao avistar um gigante, é raptada por ele de seu orfanado para que ele não corra o risco do segredo de sua espécie ainda existir ser revelado. Ele a leva para onde mora, no País dos Gigantes, onde uma genuína amizade será construída, da qual ambos ficarão fortalecidos para enfrentar suas dificuldades.

O QUE TENHO A DIZER...
Assistir O Bom Gigante Amigo é chegar à conclusão de que nenhum diretor seria melhor do que Spielberg para realizá-lo, e quando ele assina a produção através de sua tão amada produtora Amblin Entertainment, acredite, é um projeto mais que pessoal.

Esse sentimento é tido por vários motivos. O principal deles é o diretor voltar a pisar em um terreno infantil no qual se distanciou desde de E.T. (1982). Claro que a fantasia nunca foi abandonada nesses 33 anos que se passaram, mas nenhuma das poucas produções desse gênero realizadas por ele, até mesmo Tintim (2011), trouxe a mesma ingenuidade ou delicadeza metafórica e inspiradora como foi com o extraterrestre, que felizmente ele repete aqui. 

Adaptado do livro homônimo de Roald Dahl, publicado em 1982, o projeto estava no papel desde 1991, mas só em 2014 foi finalmente parar nas mãos de Spielberg, que afirmou sempre ter tido vontade de dirigí-lo, pois o autor foi genial ao empoderar as crianças, sendo ousado ao introduzir uma combinação entre o obscuro e o lúdico de tal forma que apenas a Disney havia feito em seus primeiros clássicos, capaz de assustar e ser reconfortante ao mesmo tempo, oferecendo uma moral que é única a todos. E claro, não é à toa que a Disney co-produziu e distribuiu o longa.

O que Spielberg humildemente esqueceu é que seu clássico anterior se tornou uma referência justamente por ter as mesmas características, e é exatamente aí que essa linda produção igualmente se destaca. A outra razão óbvia é que o roteiro também foi escrito por Melissa Mathison, a mesma de E.T. e do maravilhoso A Chave Mágica (The Indian And The Cupboard, 1995), de Frank Oz. Melissa acabou falecendo no final de 2015 enquanto O Bom Gigante estava em produção, sendo a ela que o filme é dedicado nos créditos finais.

Portanto, não é à toa que o diretor utiliza a mesma estética narrativa de E.T. em alguns momentos, e o mesmo fez Melissa com o roteiro, levando tanto os personagens quanto os espectadores a uma inicial apreensão sobre o que irá acontecer, e se o gigante envelhecido, de silhueta envergada, seja tudo aquilo de ruim que habita a fantasia das pessoas que cresceram ouvindo os mais diferentes contos e lendas envolvendo figuras desconhecidas como ele, tanto quanto foi com o extraterrestre de olhos imensos e de corpo atrofiado, e por conta disso parecerem tão atemorizantes em um primeiro contato. São nesses momentos que sua delicadeza se destaca da mesma forma como ele descreveu a obra original de Dahl, porque ele consegue transformar até mesmo o apavorante em algo bonito e carismático, como a ensinar que o medo é apenas uma hipérbole da nossa fértil imaginação e que só cabe a nós dominá-lo.

A história volta a repetir a velha moral de que nada deve ser julgado por aquilo que aparenta ser, de que todos nós somos especiais de alguma forma e que, embora únicos, nunca estamos sozinhos, sendo essas as características que nos aproximam de semelhantes e os vínculos de amizade e amor fraternal nascem. Assim é a forma como a relação entre BFG e Sophie (Ruby Barnhill) ocorre. Simples, porém inspiradora e sólida o suficiente para sustentar todo o filme.

Ao mesmo tempo que a estética de BFG seja ameaçadora em um primeiro momento, sua expressividade serena (que muito se assemelha a um Spielberg sem barba), o sorriso singelo e espontâneo de canto de boca (que muito lembra Harrison Ford), além do aspecto frágil junto a um comportamento ora ágil, ora desastrado, é o que embute o humor e a leveza que igualmente se expressam no seu linguajar confuso, o qual infelizmente se perde na tradução/dublagem em português. Mas é quando sua personalidade se desenvolve e seu arco dramático toma forma que finalmente o conhecemos e nos sensibilizamos com seu drama comum de viver uma vida solitária e complexada, já que é o menor e mais fraco dos gigantes, sendo constantemente assediado e humilhado pelos demais, taxado como uma vergonha de sua espécie. Olha-lo novamente depois disso é compreender sua postura diminuída, de andar tímido e pés interiorizados. É quando ele se torna um personagem lindo por essência, é quando queremos ser seu amigo por compaixão.

Seus irmãos gigantes são liderados pelo maior e mais forte deles (mas também o mais ignorante). Fleshlumpeater carrega em si uma revolta que alimenta seu ódio por humanos e que o fez desistir de suas funções de ente responsável pelo equilíbrio da natureza e das coisas, função que BFG ainda exerce incansavelmente há séculos, capturando sonhos e distribuindo-os pelas sombras na calada da noite, evitando ser visto na cidade pelas mais variadas e mirabolantes camuflagens possíveis, numa destreza impecável e até bastante engraçada.

Visualmente a produção é impecável, principalmente o design de produção assinado por Janusz Kaminski, que há 26 anos trabalha com Spielberg. Ele abusa de cores quentes e estéticas um tanto circenses no cenário para compensar a ambientação soturna em que boa parte da história se passa. É claro que a sensação plástica ainda existe nos cenários e animações, mas a expressividade dos personagens digitais, principalmente nos milimétricos movimentos faciais e na sincronia labial, é de longe a melhor já feita, conseguindo superar até mesmo a captura de movimentos de Smeagol/Gollum para a trilogia O Senhor dos Anéis. Não seria de se assustar se BFG concorresse ao Oscar (se isso fosse possível), mesmo sendo um personagem animado, pois ele é tão convincente quanto consegue ser Ruby Barnhill, que por sua vez é tão carismática quanto Drew Barrymore em E.T.

Um dos poucos defeitos do filme é justamente não deixar claro na história os verdadeiros motivos pelos demais gigantes terem se tornado tudo aquilo que a lenda urbana agora os descreve - que é por onde a narrativa do filme tem início - ficando difícil compreender porque existe tanta diferença entre BFG e os outros, mesmo que Fleshlumpeater afirme em um determinado momento ter desistido dos humanos, deixando subentendido que isso aconteceu por algum trauma passado, ou pelo isolamento no qual foram obrigados a se submeter em alguma época por, talvez, serem considerados aberrações. Sua reta final também deixa um pouco a desejar, levando os personagens a um encontro inusitado com uma figura inusitada em um lugar mais inusitado ainda, talvez para tentar mostrar às crianças e adultos que tudo é possível quando existe honestidade e boas intenções, mas isso leva a uma intervenção na conclusão na história que poderia ter sido menos autoritária como foi e que acaba ferindo toda a moral construída desde o princípio, como uma ralada no joelho.

De qualquer forma, não dá para ignorar que muitos dos elementos do clássico de ficção de Spielberg estejam novamente presentes aqui, não como referências, mas como resgate de uma narrativa fantasiosa, que motiva o público infantil e o transporta para o lado mais profundo de seu imaginário sem subestimá-lo ou diminuí-lo em momento algum. Pelo contrário, o filme empodera e engrandece este público, além de mostrar aos adultos que a ilusão e a fantasia ainda existem independente da idade, só é necessário dar asas a isso.

A narrativa, como muito foi citada pela crítica, é lenta, mas caprichosa, fluida (até chegar na tal infeliz reta final), um filme para ser visto através dos olhos das crianças, caso contrário ele não terá o mesmo efeito. Fazendo isso, no fim todos serão imersos dentro de uma mesma atmosfera onde cresce uma história comovente, com personagens carismáticos e cativantes, uma fotografia lúdica de brilhar os olhos e uma trilha sonora de John Williams de arrancar lágrimas de satisfação por conta da pefeita sinergia e sincronia com que Spielberg desenvolve tudo numa paixão pessoal que não se via desde As Aventuras de Tintim (2011) ou Lincoln (2012), fazendo aquilo que parecia complexo se tornar simples aos olhos e aos sentimentos.

CONCLUSÃO...
Infelizmente foi muito ignorado, custando US$140 milhões e arrecadando um pouco mais de US$170 milhões no mundo, estatisticamente considerado um fracasso. Pouco do público conseguiu se imergir na história como Spielberg propõe, talvez pelo fato desse público estar desacostumado com uma visão mais ingênua da qual o cinema se esqueceu em uma época onde tudo é irônico, tudo é sarcático e dúbio. Tecnicamente impecável, além de ter uma sensibilidade típica de um Spielberg que agora consegue aflorar emoções e sentimentos mistos sem ser apelativo, como já foi no passado.

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