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terça-feira, 11 de outubro de 2016

BLAXPLOITATION ATUALIZADO...

★★★★★★★
Título: Luke Cage
Ano: 2016
Gênero: Drama, Policial, Ação
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Mike Colter, Simone Missick, Mahershala Ali, Alfre Woodard, Theo Rossi, Rosario Dawson
País: Estados Unidos
Duração: 42 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
5 meses depois dos eventos de Jessica Jones, Luke agora tenta construir uma nova vida anônima no bairro Harlem, em Manhattan, mas descobre que evitar ser um herói é impossível.

O QUE TENHO A DIZER...
Luke Cage é a terceira parte da empreitada da Marvel em expandir seu universo em parceria com a Netflix. Assim como fez com Os Vingadores no cinema - lançando filmes individuais dos heróis para depois reuní-los em um único filme - agora é a vez de experimentar o mesmo no serviço streaming. A idéia começou com Demolidor e Jessica Jones em 2015, segue agora com Luke Cage e continuará com Iron Fist, previsto para o primeiro semestre de 2017. Os quatro heróis serão reunidos na série especial Defenders, previsto para o segundo semestre de 2017, um projeto tão ambicioso quanto foi Os Vingadores no cinema.

Se enganará quem achar que Luke Cage tem a mesma ação bate-arrebenta de Demolidor, ou um conteúdo dramático e metafórico tão forte quanto em Jessica Jones. Seguindo a espetacular idéia de construir cada herói e desenvolvê-los de maneira mais humanista, condicionados ao ambiente transformador em que vivem, aqui o teor é muito mais sociocultural do que os anteriores, resgatando o estilo policial do blaxploitation da melhor forma possível, um movimento cinematográfico ocorrido nos anos 70 onde os filmes eram dirigidos, protagonizados e produzidos por negros e para serem consumidos pelos negros, o que posteriormente se transformou em um subgênero com adoradores de diversas etnias. Tanto é assim que há apenas um antagonista branco em toda a história, Shades (Theo Rossi), além de uma pequena participação de Sonia Braga, como a mãe de Claire Temple (Rosario Dawson), esta que se consolidará como a conhecida Enfermeira Noturna nos quadrinhos, já que socorre os heróis durante as madrugadas, como fez nos dois seriados anteriores.

O blaxploitation foi um movimento anti-racista, que protestava contra a segregação e o preconceito sofrido pelos negros, tanto socialmente quanto no cinema hollywoodiano que, historicamente, sempre foi mais branco que de qualquer outra cor. Os filmes dessa época, e que se enquadram neste estilo, tinham a intenção principal de empoderar a raça, colocando atores afro-americanos como protagonistas e heróis das tramas, como em Shaft (1971), clássico que é referências constante nesse seriado. Tarantino mesmo chegou a revisitar e homenagear o estilo no filme Jackie Brown (1997), trazendo do ostracismo a musa, Pam Grier, a eterna Foxy Brown (1974), outra grande referência a ser usada pelo criador da série, Cheo Hodari Coker.

A história de Luke (Mike Colter) tem início cinco meses após os acontecimentos de Jessica Jones, e logo no primeiro episódio ele revela ser indestutível, mas relata que um tiro de escopeta no queixo e a queima roupa, dado pela própria ex-namorada (Jessica), conseguiu deixá-lo em coma por alguns dias. Ele se mudou para Harlem, um bairro próximo a Hell's Kitchen, para tentar recomeçar uma vida anônima e longe de problemas, trabalhando principalmente como faxineiro de uma barbearia durante o dia, e como lavador de pratos da Harlem's Paradise a noite, a boite mais conhecida do bairro e o QG da máfia liderada por Cornell Stokes (Mahershala Ali), popularmente conhecido como Boca de Algodão.

O desenvolvimento da história é bastante lento, mais lento quem em Jessica Jones, pois tem a intenção de enfatizar a cultura afro-americana, difundindo-a por todos os lados através da linguagem, do comportamento e da música, além de se aprofundar na personalidade dos personagens e construir sem pressa a atmosfera hostil da máfia suburbana que toma conta das ruas de Harlem e do controle político da corrupta vereadora Mariah Dillard (Alfre Woodard), prima de Cornell. Apesar de tanta diferença etnica e cultural, a direção e o tempo de câmera deixa tudo bastante familiar ao outros dois seriados, contribuindo para a sensação de que tudo realmente acontece em uma mesma parte da cidade. Até a abertura segue esse mesmo padrão, enfatizando o aspecto de continuidade e conexão entre as produções.

A grosso modo, podemos dizer que Luke Cage está para Harlem assim como Demolidor está para Hell's Kitchen, e o que difere cada um deles é exatamente a diferença etnica e cultural: enquanto Hell's Kitchen é tipicamente habitada por imigrantes latinos e europeus foragidos da Segunda Guerra, Harlem é um importante centro cultural e comercial afro-americano que se fortaleceu após os movimentos sobre os Direitos Civis, se tornando um reduto da cultura negra e Hip-Hop. Por conta disso, foi muito interessante o lançamento ocorrer após The Get Down (2016), já que o seriado de Baz Lurhman da uma excelente introdução à importância da cultura negra nos Estados Unidos a partir dos anos 70, e Luke Cage complementa isso muito bem com as mesmas características. Mesmo que sua história ocorra em um período mais atual, evidencia que as dificuldades do subúrbio novaiorquino ainda continuam sendo as mesmas, obrigando seus moradores a criarem seus próprios métodos e maneiras de sobrevivência para diblarem o descaso que sofrem. 

Com excessão de Demolidor, e assim como Jessica, Luke não é um herói comum e uniformizado, e suas atitudes heroicas só afloram pela motivação dada por Henry (Frankie Faison), de que os poderes que ele tem devem ser usados para tirar o bairro das garras da máfia, trazer a paz entre seus moradores e a prosperidade. No decorrer dos episódios descobrimos quem Luke Cage realmente foi, e mesmo que explicado de forma muito superficial e pouco convicente, também mostra como ele adquiriu seus poderes.

Sua ascenção até um herói propriamente dito não tem a mesma sutileza e construção dos seus outros dois colegas, até porque há uma relutância interna do personagem para isso, que passa a sentir as pressões dessa decisão no momento em que revela a todos quem ele é, ao invés de se esconder sob pseudônimos e disfarces. Ele se recusa ver a sociedade em que vive regredir aos tempos escravistas quando subordinados a poderes sociais, e ao invés de lutar contra vilões e bandidos, Luke luta contra sistemas e poderes invisíveis e opressores. Tanto que o personagem se recusa a ser chamado de "nigga" ou "nigger", um termo incorreto de conotação negativa e preconceituosa, que mesmo sendo popularmente usado nos guetos entre os próprios negros (e repudiado quando usado por brancos), independente de seu locutor, o termo historicamente remete ao período escravocrata, já que surgiram e foram popularizados por aqueles que os escravizaram e os consideravam inferiores e ignorantes. E Luke Cage traz consigo essa responsabilidade de quebrar paradigmas e heranças culturais negativas ou retrógradas, sendo, além de um herói, uma importante referência de que a cultura afro-americana não deve esquecer de seu passado, mas também não deve viver sobre ela para construir um melhor futuro.

Só que embora tenha um bom conteúdo, não dá para negar que sua trama seja um pouco mais do mesmo. Como dito, é a fórmula de Demolidor transportada para outro bairro, com outra roupagem. Mesmo assim, não importa se, apesar de tudo, Luke Cage seja mais uma fantasia em cima do universo dos heróis. Sem dúvida o que o diferencia é o largo passo que o distancia da metáfora, se aproximando mais da realidade vivida, enaltecendo a cultura negra tanto quanto The Get Down faz, principalmente quando traz a música mais próxima à história, com participações de artistas que performam aquilo que de melhor existe do Jazz, Soul e Funk. E assim percebemos como essa cultura é tão rica, diversificada e influente no mundo todo, por mais que seja negligenciada ou deturpada, sendo dever e obrigação ser respeitada.

CONCLUSÃO...
Enfim, é o estilo blaxploitation atualizado, revitalizado, e tranformado, onde o herói principal não usa mais armas de fogo, mas o corpo indestrutível e a força de seu caráter, que surge em um excelente momento de novas revindicações e espaço.

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