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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

ESTÁ TUDO BEM, CARA!

★★★★★★★★★☆
Título: Better Call Saul
Ano: 2015
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Bob Odenkirk, Jonathan Banks, Reah Seehorn, Michael McKean, Patrick Fabian, Michael Mando
País: Estados Unidos
Duração: 44 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Antes de ser Saul Goodman, ele foi o mesmo, mas que tentou insistentemente, e sem sucesso, seguir normas e padrões.

O QUE TENHO A DIZER...
Breaking Bad (2008-2013) extrapolou todos os limites do drama psicológico, da violência e da falta de escrúpulos, igualmente testando os limites de seus espectadores de forma que um seriado jamais ousou. O sentimento a cada novo espisódio assistido era de ter uma arma apontada na própria cabeça, uma roleta russa que finalmente detonou a bala do tambor no último episódio. Foi um drama tão denso e cheio de consistências extremas ao ponto de não causar o prazer que habitualmente se tem quando buscamos entretenimento. Pelo contrário, era deprimente e insano, nos fazendo pensar que o máximo de maldade poderia ser, na verdade, o extremo da bondade. Assistir a trajetória autodestrutiva - e coletivamente destrutiva - de Walter White (Bryan Craston) dedicava esforço e litros de água para ajudar nas incontáveis engolidas secas que seu egocentrismo obsessivo e psicótico nos proporcionou.

Não foi à toa que Saul Goodman (Bob Odenkirk) e Mike Ehrmantraut (Jonathan Banks) entraram definitivamente na história a partir da terceira temporada, pois sem eles o seriado teria se tornado dramaticamente intragável. Foram eles os grandes responsáveis pelo alívio cômico, e quando não era cômico, pelo menos neutralizavam a densidade dramática por conta do caráter mais humano e da clara percepção que tinham sobre o meio que viviam e sobre aquilo que faziam, até mesmo nos mais brutos momentos.

Ambos foram grandes personagens que agregaram mais ainda a diversidade psicológica de Breaking Bad, roubando a atenção em inúmeras cenas. E mesmo fazendo parte de uma trama que envolvia os mais diversos tipos de crime, corrupção e transgressão social, havia essa tal humanidade inenerente em cada um deles que faltava no protagonista.

Mesmo Saul sendo um grande trapaceiro, ainda existe uma ética seguida e que ele se impede a todo momento de se desvincular. Prolixo e espirituoso nas suas abordagens, podia não saber dar um tiro, mas conseguia se livrar de perigos usando palavras, sendo sempre o advogado dele mesmo, numa habilidade retórica somada a entonações teatrais de deixar qualquer um abismado. Sua covardia frente a grandes pressões era o que fazia suas cenas, por vezes, serem bastante engraçadas dentro dos limites dramáticos do seriado. Conhecido como "advogado de porta de cadeia", conquistava por conta do seu exagero comunicativo e pela caracterização marcante, e no fim impressionava pois, apesar de todo esse acúmulo de informações dispersas, tinha um raciocínio e uma inteligência resolutiva brilhantes. Seria um personagem cômico propriamente dito, caso estivesse fora do contexto do seriado, mas como falamos de Breaking Bad, obviamente sua vida não poderia ser fácil, rendendo diversos momentos de pura piedade, desastres que nos faziam perguntar "por que ele se meteu nessa?", e obviamente, nos sensibilizando com suas situações ora trágicas, ora cômicas.

Mike já era bastante diferente. Um homem de poucas palavras e de expressão limitada, mas que dizia muito com pouco (ou absolutamente nada). E mesmo sendo um mercenário sem arrependimentos, sua deliberada afasia e irônica expressividade era o suficiente para arrancar gargalhada dos mais sutis observadores. Mas igualmente, volto a dizer, não havia nada que aliviasse a vida de qualquer um. Mike talvez tenha sido o mais misterioso deles, e conforme seu desenvolvimento progredia, mais intensa e comovente se tornava sua história porque sua motivação sempre foi bastante simples e clara: o incondicional amor à sua família, ou o que restou dela. A história de Mike foi concluída de forma trágica e brutalmente emocionante, um dos ápices momentos da série. A manteiga derretida que sou, chorei copiosamente por aproximadamente uma hora sem parar.

Não foi à toa que a dupla cativou, e não faltou momentos em que muita gente assistia só para ver os dois. Comigo isso aconteceu diversas vezes, principalmente quando eu já estava um pouco entupido do clima pesado de Walter White e das cabeçadas constantes, frequentes e regulares de Jesse Pinkman (Aaron Paul), dois personagens que conseguiram arrastar Saul e Mike para o mais profundo abismo. Maldito o dia em que Walter e Jesse cruzaram seus caminhos.

Mas, quando tudo parecia perdido com o fim do seriado, eis que o criador de Braking Bad, Vince Gilligan, se uniu a Peter Gould, e junstos resolveram fazer um spin-off para dar uma vida mais light a essas duas grandes figuras, e foi então que Better Call Saul surgiu.

O título, como muita gente bem sabe, é o bordão que Saul Goodman utiliza nas propagandas publicitárias de seu negócio em Breaking Bad, e seu pseudônimo na verdade é um jogo de palavras (S'all good man! = Está tudo bem, cara!), por conta do extremo otimismo e motivação que, apesar dos pesares, o personagem também carrega.

O spin-off começa contando sua história aproximadamente 15 anos antes dos acontecimentos de Breaking Bad, às vezes com flashbacks de passados até mais distantes que esse. Ou seja, tempo suficiente para, finalmente, descobrirmos que Saul Goodman é, na verdade, um homem chamado James "Jimmy" McGuill, que foi um con artist (mestre de golpes e trapaças) por muitos anos, tornando-o conhecido pelo apelido de Jimmy Saboneteiro, pois ele se safava bem de tudo. Com a ajuda de seu irmão advogado e dedicado a deixar esse passado para trás, mudou-se para Albuquerque, no Novo México, para trablhar como entregador dentro da firma de advocacia na qual seu irmão é sócio, e sem ninguém saber, estudou advocacia à distância através de uma das piores universidades dos EUA, passou no Exame da Ordem, e pegou todos de surpresa com o título, aumentando seus atritos com seu irmão ciumento que nunca engoliu o fato de Jimmy ter sido o filho predileto e o preferido de muita gente, além de se tornar um dos mais perspicazes advogados com o pior currículo possível.

Já Mike, um ex-policial corrupto, mudou-se de Filadélfia para Albuquerque por motivos bastante pessoais após a morte de seu filho, e agora trabalha como porteiro do fórum municipal, além de fazer outros pequenos bicos que lhe garantam o dinheiro extra necessário para oferecer o conforto financeiro necessário a sua nora oportunista e garantir o futuro de sua neta que tanto ama.

Saul e Mike se conhecem de forma bastante inusitada, e a relação de recíproca confidência e confiança começa a ser construída entre eles sem que eles mesmos percebam.

A mesma sutileza na construção dos personagens em Breaking Bad acontece aqui, bem como a personalidade de ambos se mantém a mesma em um seriado que, mais uma vez, poderia ser cômico caso não fosse dramático, mas está anos luz de ter o mesmo teor de seu antecessor. Sem dúvida o que vemos de Jimmy é um personagem muito mais emocional, que não consegue evitar problemas justamente por não conseguir evitar salvar os outros de problemas. Até mesmo em Breaking Bad, Saul nunca foi um vilão, nem um anti-herói, mas um herói torto, que não se encaixa em nenhum rótulo.

Há um episódio em que um de seus clientes o contrata porque viu em Jimmy a representação do sonho americano. Essa foi a definição perfeita dele, pois de fato, é isso que ele é. Sua vontade e perseverança de vencer na vida, se tornar um importante e reconhecido advogado dono de sua própria firma, custe o que custar, é o que faz James McGuill iniciar seu processo de transformação ao infame Saul Goodman. Será nessa metamorfose que o antigo Jimmy Saboneteiro se mesclará com o esforçado James McGuill, se tornando um dos desenvolvimentos mais interessantes da televisão nos últimos anos: o do sonho americano falido, Saul Goodman, o pesadelo de qualquer humano que se preze.

É nesse seriado que vamos descobrir porque mesmo sendo um profissional de métodos duvidosos e taxado como "advogado de criminoso", aquela ética citada ainda existe em uma humanidade que é vista através dele e que ele nunca se impede de mostrar. Seu senso de companheirismo e responsabilidade com seus clientes e amigos - até mesmo quando estes não se consideram nem um, nem outro - é verdadeiro, seja criminoso ou não. A grande alma de Jimmy/Saul é sua total ausência de preconceito e até uma certa ingenuidade que o impede de ver a maldade mais profunda dos outros. O mais triste de sua história é que Jimmy é uma daquelas pessoas de vida desgraçada que, por mais que se esforce, nunca conseguirá sair deste circulo vicioso, já que seu fatídico destino faz as oportunidades escorregarem de suas mãos, e ele se torna a verdadeira personificação da derrota por isso. Também nos mostra que Jimmy é a ferramenta dos criadores para nos dizer que não há lugar para pessoas corretas e bem intencionadas nesse mundo. Ou você dança conforme a música, ou continua parado no mesmo lugar.

Pode ser meio difícil se sentir conquistado pela série sem antes tê-lo conhecido no seriado anterior, pois é lá que captamos de imediato essa alma e pinta de palhaço do personagem, e o mesmo sobre a sentimental truculência de Mike, ficando a Better Call Saul a estranha responsabilidade de nos mostrar o passado de ambos ao mesmo tempo que dá continuidade àquilo que já conhecemos deles, redendo até agora duas temporadas (e que vai para a terceira em 2017). Não é um seriado com uma grande trama principal, mas uma fictícia biografia com fragmentos de memórias boas e ruins. Sim, é para agradar mais os fãs do que os novos espectadores, mas mesmo que a princípio soe insosso para quem assiste pela primeira vez, não demorará muito para se sentir hipnotizado pelo protagonista.

O que fica um pouco cansativo é que os criadores não se atentaram que, desde Breaking Bad, todos os personagens podem ter conteúdos diferentes, mas uma única essência: a sagacidade extraterrestre. Essa coisa de a todo momento alguém prever um acontecimento ou deduzir brilhantemente algo que aconteceu é uma herança bastante negativa do seriado anterior, levando a um ping-pong, a um vai e vem, a uma troca de chumbo fácil e sem muita veracidade, como acontece constantemente entre Jimmy e Chuck, ou entre Mike e a máfia mexicana, um método fácil para criar reviravoltas na trama. Mas de forma alguma isso diminui suas qualidades, principalmente porque as grandes estrelas da vez - e com mérito - são Jimmy e Mike, mesmo que já saibamos como suas histórias terminam.

CONCLUSÃO...
Ao contrario de Walter White, James McGill, vulgo Saul Goodman, é um personagem apaixonante. Não é à toa q agora tem sua própria série, mesmo que Breaking Bad seja um grande spoiler em sua jornada.

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