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segunda-feira, 25 de julho de 2016

TARDIAS DESCOBERTAS...

★★★★★★★☆
Título: Queda Livre (Freier Fall)
Ano: 2013
Gênero: Drama, Romance
Classificação: 14 anos
Direção: Stephan Lacant
Elenco: Hanno Koffler, Max Riemelt, Katharina Schüttler
País: Alemanha
Duração: 100 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um policial que está prestes a se tornar pai se envolve com seu colega gay, obrigando-o a tomar decisões enquanto sua vida parece desmoronar no meio de novas descobertas.

O QUE TENHO A DIZER...
Este curioso filme alemão atualmente disponível no Netflix é o segundo do diretor Stephan Lacant, que também escreveu o roteiro em parceria com Karsten Dahlem.

Mesmo que não fuja muito de clichés de filmes com temática homossexual, o que chama a atenção aqui é a abordagem mais trágica da descoberta sexual tardia de um homem que, além de estar prestes a ser pai, tem uma promissora carreira dentro da academia de polícia em meio a uma sociedade preconceituosa e machista.

Sim, a maneira como a história entre Marc Borgmann (Hanno Koffler) e Kay Engel (Max Riemelt) se desenvolve chega a ter muitas similaridades com Brokeback Mountain (2005), a diferença é se passar em um tempo mais atual, em um cenário menos bucólico (mas ainda sim provinciano) e sem tantos melismas românticos do que o filme de Ang Lee. Ao contrário, como em um staccato, o romance entre os dois ocorre aos solavancos e golpes. Por um lado temos Kay, um homem bem resolvido sexualmente e que se declara amorosamente sem medos, e por outro Marc, que a princípio toma sua nova descoberta sexual como uma grande ofensa pessoal, a autêntica expressão da negação.

O comportamento confuso e dicotômico de Marc é compreensível, principalmente em uma sociedade cujas regras machistas são dominantes, e a certa violência física com a qual ele reage a isso em alguns momentos não apenas é resultado deste comportalmento social como também uma exteriorização do conflito e aceitação, da brutalidade masculina na qual cresceu condicionado. Para piorar a situação do protagonista, sua mulher está grávida. Apaixonado por ela e ansioso pelo nacimento do filho, todos os sentimentos e anseios começam a desmoronar quando Kay faz despertar um sentimento que, até então, estava adormecido ou ignorado. Aquilo que a princípio parecia um escape sexual se torna em algo mais complexo, a tal "paixão proibida" sustentada pela ignorância.

Lacant tem um cuidado especial em não estereotipar demais nem o filme, nem sua história ou personagens, até mesmo em cenas de sexo, eróticas e bastante naturais sem serem ofensivas, e uma das coisas que mais chamam a atenção é esse relacionamento autodestrutivo que ambos desenvolvem, dos quais nenhum dos dois tem culpa. Existe uma tendência de tentar transferir essa culpa ao outro ou a demais de alguma forma, e acaba sendo este o grande inimigo de decisões sensatas por todas as partes.

É interessante também como o roteiro aborda a violência doméstica entre casais homossexuais. Embora no filme essa violência esteja inserida em um contexto específico, não é ingorado que ela exista por situações similares de aceitação, ciúmes ou mera instabilidade psicológica momentânea, engatilhada pela tensão vivida. A violência social também tem uma grande participação na história, seja pela homofobia presente no ambiente de trabalho assediador em que Marc e Kay estão inseridos, ou no latente preconceito da sociedade que não exita em discriminar, ofender e isolar, não importa quem seja ou o grau de parentesco ou intimidade. Violências que, apesar de serem respostas da intolerância, nunca se justificam.

É triste o total isolamento em que Marc aos poucos se encontra. O comportamento de sua mulher ao descobrir que ele tem um caso com Kay torna a repulsa dela sobre ele clara mais pelo fato dele ter tido um caso com um homem do que pela traição em si, uma traição que, vale-se dizer, não foi deliberada. O distanciamento de seus amigos, colegas e parentes também é um processo doloroso, momento em que todos ignoram a pessoa que ele é e sempre foi para darem importância a uma mera conveniência social.

Assim como em comédias românticas tradicionais em que o mocinho deve conquistar a mocinha, em dramas envolvendo casais homossexuais a aceitação e os conflitos gerados por ela se tornam basicamente um cliché, mas cabe ao diretor levar a situação a sério ou não, ridicularizá-la ou não, reforçar estereótipos ou não, e a qualidade final será totalmente dependente disso. Lacant leva o tema a sério, e algumas metáforas ou situações genéricas que ele usa fazem de Queda Livre um pedaço triste da vida sexual cotidiana, comum a milhares de pessoas. As atuações não chegam a ser impecáveis, mas convincentes, tanto dos coadjuvantes quanto dos dois atores principais, com destaque a Max Riemelt, que ficou famoso em 2015 com a popularização do seriado Sense8, no qual, por sinal, interpreta o personagem sexualmente mais liberal de todos.

Reafirmando, a história não tenta ir para o caminho mais romântico e sentimental como a de Yossi e Jagger no filme israelense Delicada Relação (2002), de Eytan Fox, mas a dificuldade de aceitação de uma das partes é a mesma, pois é real, e quando a escolha finalmente se torna algo imprescindível e a consciência mais clara e óbvia, tudo parece um tanto tardio e perdido, mas um excelente ponto de partida para o recomeço.

É dessa forma como o filme termina, nos dando uma sensação um pouco amarga de como a opressão social nos obriga a seguir caminhos que muitas vezes não desejamos, e nessa trajetória, as maiores vítimas somos nós mesmos. Por essas e outras que foi anunciada uma continuação, ainda sem data de lançamento, mas que virá a calhar para concluir as doloridas pontas soltas deixadas nesta primeira parte, e claro, porque existe o interesse em saber qual será o futuro de Marc e Kay.

CONCLUSÃO...
Nada muito profundo ou sentimental, mas consegue ser sincero em meio à brutalidade social que vivemos. Lacant consegue captar elementos comuns e até mesmo simbólicos no processo de descoberta sexual tardia e a bagagem aderida a ela sem precisar de estereótipos para isso.

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