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segunda-feira, 25 de julho de 2016

IGUAL, MAS DIFERENTE...

★★★★★★★☆
Título: Marcella
Ano: 2016
Gênero: Drama, Policial, Suspense
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Anna Friel, Ray Panthaki, Nina Sosanya, Nicholas Pinnock, Harry Lloyd
País: Reino Unido
Duração: 60 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Quando seu marido resolve abandonar sua família, Marcella resolve solicitar sua readmissão como detetive de polícia, se deparando com um caso bastante familiar e perturbador.

O QUE TENHO A DIZER...
O multinacionalismo da Netflix tem rendido séries como Marcella, feita para o público britânico, com narrativa e tramas tipicamente britânicas, mesmo que a série tenha sido criada, escrita e produzida pelo sueco Hans Rosenfeldt.

Todos que acompanham seriados já viram a história de Marcella antes: uma detetive que é readmitida quando uma série de assassinatos leva a crer que um serial killer do passado aparentemente voltou à ativa. Também já vimos dramas similares, como a do casamento falido da protagonista, do marido infiel e dos filhos distantes. Também já vimos crises psicológicas rotineiras, como a cegueira histérica desencadeada por surtos nervosos e violentos pela qual a personagem passará algumas vezes, fora outras coisas já banalizadas em outras produções do gênero, mas que aqui soam naturais na maior parte do processo.

Ou seja, nada na vida de Marcella é novidade, seja profissional ou pessoal. Nada também é novidade para o espectador. Então o que faz dessa série algo interessante?

São raras as vezes que o uso intensivo de clichés resulta em uma boa e bem desenvolvida história, e o que acontece nesse seriado é que, mesmo todas as situações mostradas tenham um sabor requentado, elas mais se apresentam como um cansativo cotidiano do que simplesmente um reaproveitamento (ou reciclagem) de tudo aquilo que o cinema ou a televisão já usaram a abusaram nos últimos anos.

Como o próprio título induz, o seriado é apenas sobre Marcella, mas não por aquele ponto de vista objetivo e simplista, mas subjetivo e intimista. É ela quem realmente dominará todas as tramas que trajetam adequadamente entre o drama, o policial e o suspense. Ela pode ser uma heroína, mas é uma mulher comum, uma detetive que anda desleixada e desarmada, cheia de problemas e defeitos, que segue suas deduções baseando-se em evidências, assombrada pelos problemas profissionais e pessoais que a atormentam. Interpretada por Anna Friel, a atriz mostra uma faceta completamente diferente da que mostrou na comédia romântica Pushing Daisies (2007-2009), e sua personagem agora tem um desenvolvimento mais sombrio, progressivo e bem interessante no decorrer dos oito episódios, mesmo que por vezes o roteiro pareça deixar a desejar em situações em que coadjuvantes pudessem servir muito mais como elementos para complementar o arco dramático da protagonista do que simplesmente servirem como obstáculos, que olham torto, discordam ou contestam qualquer tomada de decisão.

Como dito, não é uma produção que tenha uma grande diferença de outras similares, mas tudo nela tende a um propósito narrativo para o inesperado, ou até para o esperado, mas que não é banal, ou que subestime a inteligência do espectador. Existem buracos, como os minutos iniciais do primeiro episódio que nunca são explicados de maneira clara, ou como Marcella conseguiu tirar um corpo da cena do crime, ou as verdadeiras razões para isso além de uma leve suspeita de que ela o fez para confundir o assassino.

Mas como um todo, é pelo repertório neo-noir que ele apresenta que está o grande diferencial dos demais. É mergulharmos dentro da vida de Marcella episódio a episódio, sem pressa, e tentar resolver uma leva de problemas junto com ela e com demais personagens que agem e reagem com realismo uns com os outros, sem floreios ou diálogos dispensáveis. Tudo é muito prático, com excessão, obviamente, da narrativa desconexa que tem a intenção de soltar iscas falsas para precipitadas deduções.

Por ter várias tramas que abrangem vários personagens, essa constante entrada e saída deles de cena pode causar um pouco de confusão no começo, até porque, por uma coincidência um tanto bizarra, a maioria deles são físicamente parecidos, o que intensifica essa sensação de que tudo está levando a lugar algum. Fica difícil identificar quem é quem e qual sua função, e é aí que é necessário ser paciente. Isso tudo só vai tomar forma lá pela metade da história, quando cada um deles se define em sua determinada trama paralela, levando todos a um eixo central que pode não surpreender, mas não deixa de ser interessante, já que tudo se define numa pontualidade tipicamente britânica.

Por essas e outras que a história só se torna interessante de fato em seus episódios finais, quando tudo já está um pouco mais famíliar e a história oferece momentos um tanto tensos e até um tanto pesados, como no momento em que Marcella encontra uma vítima de seis anos, ou confronta o assassino pela primeira vez.

Todo esse intrincado de situações é para descobrirmos junto com a protagonista todos os mistérios que a história oferece, sem ferir a inteligência, e sem transformar o cliché em uma mera ferramente previsível. É um tanto cansativo vermos a protagonista ser constantemente reprimida ou ignorada por seus colegas e superiores que não acreditam em suas deduções, um cliché que definitivamete poderia ter sido evitado no meio de tantos, mas isso também não fere o fato de que cada um deles tem sua função específica.

A sensação de confusão nada mais é do que tentar transferir ao espectador a sensação que a protagonista tem de que peças do quebra-cabeça faltam, nos fazendo levar a suspeitas, mas nunca a certezas. Funciona, e na dose exata. Pena que muita gente pode abandonar o barco antes mesmo de perceber isso. Para aqueles que se aventurarem plenamente na vida de Marcella, a experiência será bem diferente, interessante, e parte de um desenvolvimento bem narrado e natural em todo seu processo investigativo.

CONCLUSÃO...
Marcella pode não ter nada de novo, mas sua qualidade se dá pelo fato de tudo ser usado para um propósito, por mais cliché e banal que possa ser, dando muito mais uma sensação de vida cotidiana do que simplesmente de repetição do mesmo tema, além dos personagens serem bastante verossímeis e os diálogos não excederem o necessário. A resolução pode parecer simples, mas o caminho até ela pode ser uma experiência interessante.

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