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quinta-feira, 16 de junho de 2016

COMENTANDO A SITUAÇÃO: CINEMA vs. JOGOS

Essa semana o IMDb resolveu dar um certo destaque a filmes adaptados de jogos de video-game, fazendo uma lista com os 10 melhores avaliados pelos usuários. Claro, depois do sucesso mundial de Warcraft, um dos jogos de RPG mais bem sucedidos da história, há outras adaptações vindo por aí, como a de Assassin's Creed, uma das séries mais rentáveis desse universo.

Muito se sabe que a imaginação dos roteiristas de jogos voa solta, seguindo uma linha lógica para não parecer banal, muito mais coerente e linear do que vemos na maioria de filmes por aí. Por muito, jogadores pensam: "por que esse jogo não vira filme"? E quando vira, perguntam: "por que é tão ruim"?

Assim como X-Men abriu novas portas aos quadrinhos nos cinemas em 2000, cada nova adaptação de jogo é vista como uma nova esperança, aquela desejada borracha para passar no passado da década de 90 e de desastres, como Mario Bros. (1993), Double Dragon (1994), Street Fighter (1994) ou Mortal Kombat (1995), adaptações que mais causam constrangimento do que qualquer coisa. Foi assim que pensaram quando Tomb Raider (2001) foi lançado, depois com Resident Evil (2002), com Silent Hill (2006), Hitman (2007) e Prince Of Persia (2010), apenas como exemplos. Todos fracassados, e aquela tão desejada borracha foi roída porque era colorida e cheirosa.

O problema é que se o filme é sucesso de público, não é de crítica; se é de crítica, não é de público. É o que aconteceu com a série Resident Evil, tida pelos fãs mais rebeldes como um total massacre ao legado dos jogos, já que o diretor e roteirista Paul W. S. Anderson fez com a série o que Bryan Singer fez com X-Men: adaptou a história e seus personagens à sua maneira, ignorando completamente a cronologia e a própria história do material original. A diferença entre Anderson e Singer é que, Singer, apesar dos pesares, é um bom diretor.

Resident Evil, que vai para o sexto filme da série ainda este ano, é a mais rentável que se tem notícia, mas isso não significa que é boa. A razão disso acontecer, mesmo com tantas críticas negativas, ainda é um mistério. Um mistério que não explica, por exemplo, porque adaptações de Silent Hill (2006 e 2012), talvez uma das mais fiéis que o cinema já ousou fazer sobre algum jogo, foi tão mal das pernas e duramente criticada. A crítica, hoje bem sabe, foram de pessoas que sequer jogaram qualquer um dos títulos, desconhecendo completamente que toda a ambientação, a atmosfera fantasmagórica e obscura dos jogos foram reproduzidas com bastante fidelidade no cinema, tanto que a censura de ambos filmes foi alta, o que dificultou bastante o desempenho nas bilheterias. O trabalho desenvolvido nos dois filmes chega a ser bem impressionante, talvez até mais no segundo, que soube usar muitas das referências de Clive Barker esquecidas e empoeiradas pelo tempo em sua icônica série Hellraiser, e que tudo tinham a ver com os trevosos personagens da sombria cidade de Silent Hill. Embora as opiniões sobre o segundo filme sejam bastante controversas, visualmente ele faz um trabalho que raramente é visto em filmes de horror, e apenas isso já me faz considerá-lo acima da média, tanto como uma adaptação, como um filme psicologicamente perturbador.

Final Fantasy (2001) foi outra adaptação bastante subestimada e criticada. Na verdade, não foi bem um filme, tampouco uma adaptação. Na verdade, a idéia de Hironobu Sakaguchi, criador da série, foi de expandir a franquia de jogos para o cinema. Cada jogo da série tem uma história única, e o mesmo foi imaginado para o cinema. O problema é que os fãs esperaram participações especiais de personagens icônicos ou alguma relação direta com qualquer título mais relembrados da série, como o sétimo jogo. Com esses pré-conceitos e expectativas, o filme foi uma decepção para essas pessoas, e para os críticos que igualmente nunca experimentaram jogar um título sequer, consideraram o filme chato, entediante, sem pé nem cabeça. O que poucos sabem é que o filme é uma importante continuidade daquilo que o universo de Final Fantasy significa nos games, sem falar que, assim como os jogos foram muito importantes para grandes inovações tecnologicas no segmento, o mesmo aconteceu com o filme, que revolucionou a computação gráfica e a forma como passou a ser usada.

Há também o problema daqueles jogos que não conseguíamos imaginar que poderiam ter um resultado tão ruim no cinema, como Tomb Raider, um jogo tipicamente de ação e que poderia render sequências eletrizantes no cinema. A história dos jogos é simples, e já estava prontíssima para ser adaptada, era só jogar na tela. Não havia muitas diferenças entre Lara Croft e Indiana Jones, a não ser Lara ser do sexo feminino e uma ginasta capaz de saltos e malabarismos que Indiana nunca conseguiria fazer sem ajuda de seu chicote. Portanto, readaptar uma fórmula já pronta era fácil. Mas parece que quanto mais simples parecia tudo, mais estragam. O primeiro filme, dirigido por Simon West, foi uma coisa infame. Determinado desde o princípio a valorizar muito mais as curvas, caras e bocas de Angelina Jolie do que a ação, o resultado foi vergonhoso. Pior ainda na continuação dirigida por Joel Schumacher, diretor que, no passado, já nos proporcionou delírios com Velocidade Máxima (1994) e Twister (1996), referências da ação explosiva, mas errou a mão feio, tanto que a franquia no cinema parou no segundo filme.

É muito triste quando gamers veem seus jogos preferidos darem frutos tão podres como o que o cinema proporciona. Essa dor é sentida porque são jogos nos quais pessoas dedicaram horas, que gradualmente mergulharam na história e na "vida" de personagens por tanto tempo. É como se cada um desses jogadores fosse o próprio personagem, assumindo um papel dominante na história. Existe essa personificação, ou esse espelhamento, depois de tantas horas afundado em um mundo que não é representado da mesma forma quando filmado. É impossível não imaginar épicos como God Of War ou Mass Effect inundar os cinemas com efeitos especiais deslumbrantes e cenas de ação intensas de tirar o fôlego, ou deixar de imaginar um jogo tão cinematográfico e delicado quanto The Last Of Us ser fielmente adaptado nos cinemas apenas para aproxima-lo mais ainda da realidade e imortalizar pelas lentes de uma câmera personagens tão cativantes, complexos e ao mesmo tempo compreensíveis na sua relação.

Salvo algumas excessões, em que o esdrúxulo e o cafona fizeram de Mortal Kombat ou Dead Or Alive sucessos, e o absurdo de Street Fighter o transformar tardiamente em um cult da ação trash, a proposta desses filmes nunca foi ser mais sério do que Power Rangers, ao contrário dos outros títulos deliberadamente desrespeitados.

Todo jogador tem um jogo preferido e que adoraria vê-lo adaptado, mas a cultura cinematográfica de destruir excelentes materiais ajuda para que esses mesmos jogadores façam campanhas contra isso. A nota média dos 10 filmes selecionados pelo IMDb é de 6.5, isso porque foram selecionados "os melhores avaliados". Então imaginem os piores avaliados, em que patamar se encontram. E vale-se dizer que, com excessão de Warcraft, nenhum dos demais desse top 10 é digno de nota ou qualquer respeito. Hitchman, talvez... mas ainda sim, faltou muito para que o protagonista do filme chegasse próximo ao que é o protagonista dos jogos de fato.

Então, como melhorar essa relação? Seria possível fazer excelentes adaptações?

Sim. Em primeiro lugar porque Hollywood tem de descobrir que quando se adapta um jogo para o cinema, estamos falando de uma história e de personagens que já existem em um universo paralelo (o dos jogos) e que eles devem ser respeitados em sua essência. Segundo lugar, os roteiristas e criadores dos jogos originais devem ser consultados, ninguém mais do que eles para saber direcionar o desenvolvimento que personagens e o próprio enredo devem ter. Terceiro lugar, diretores e roteiristas dos filmes devem ser imersos nesses materiais antes de adaptá-los para saber qual é a sensação de um gamer ao interagir com aquele mundo virtual e a jornada que esse mundo oferece. São coisas que evidentemente nenhum diretor ou roteirista de cinema fizeram até hoje, com excessão, talvez, de Duncan Jones, o diretor de Warcraft. Quarto ponto é que o cinema tem que parar com essa horrorosa mania de dar um choque de moral e bons costumes a protagonistas ou histórias para o bem da empatia. Existem muitos jogos onde os esses elementos não são simpáticos, não são legais, são rudes, grosseiros, amorais, nojentos ou grotescos. Isso tem que ser mantido, faz parte da personalidade designada a eles. Essa penosa mania de sempre quererem melhorar traços de personalidade ou exagerarem nas sequências de auto-redenção para forçar uma empatia com o público não apenas é desgastante como fere em completo o resultado final. Isso é um dos erros mais graves do cinema atual. O espectador tem que aprender a ver um filme sobre a ótica do protagonista, seja pelo bem, ou pelo mal, e cabe ao diretor saber conduzí-lo a isso.

O fato é que o cinema desperdiça o material oferecido por centenas de jogos. Para uma arte que atualmente sofre de inovação e ousadia, nada seria mais interessante do que abraçar um mundo para dentro do outro. Os jogos já se transformaram em experiências cinematográficas fantásticas, como os já citados The Last Of Us e God Of War, Alan Wake, a trilogia de Ezio Auditore da Firenze, em Assassin's Creed, dentre outros. Só que o cinema insiste em ignorar jogos como uma interessante fonte de experiência imersiva como são capazes de ser, como já aconteceu com Matrix (1999), ou como acontece no mais recente Hardcore Henry, um filme sem qualquer contexto ou história, mas é impressionante, empolgante, dinâmico e de deixar qualquer espectador fascinado unicamente por ter sequências que integralmente transferem para as telas a experiência de um jogo em primeira pessoa, e tudo feito de forma brilhante e focada do diretor.

Não haveria segredo em adaptar jogos caso o cinema não ignorasse os materiais originais. E aproveitar material original não é caracterizar um ator com figurino e maquiagem e joga-lo em um chroma key, mas transformar aquela história contada em passos lentos em um video-game em uma narrativa cinematográfica que tenha sentido. A cada novo ano tem-se a sensação de que alguma nova adaptação possa ser a luz do fim desse túnel, para só depois percebermos que o fim desse túnel ainda está muito longe. Warcraft pode ser uma das raríssimas coisas realmente boas que tenha saído dessa cansável safra de tentativas, mas ainda não representa a mudança do segmento e do pensamento coletivo de cineastas e suas visões sobre o que seria uma adaptação de sucesso.

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