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quarta-feira, 11 de maio de 2016

CONFUSÃO ALÉM DA CONTA...

★★★☆☆☆☆☆☆☆
Título: Special Correspondents
Ano: 2016
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Ricky Gervais
Elenco: Ricky Gervais, Eric Bana, Vera Farmiga, Kevin Pollak, America Ferrera, Raul Castillo, Kelly Macdonald
País: Estados Unidos
Duração: 100 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um jornalista de rádio e um técnico de som colocam a nação em polvorosa ao serem sequestrados durante uma cobertura jornalistica em uma área de conflito na América do Sul, o que ninguém sabe é que nada disso é verdade, apenas eles.

O QUE TENHO A DIZER...
Muitas vezes um filme tem uma proposta interessante, mas se desenvolve de maneira bastante torta. É o que acontece nesse segundo longa metragem dirigido pelo comediante britânico Ricky Gervais, conhecido pela versão européia de The Office, que foi co-criado por ele e posteriormente ganhou uma versão norteamericana, por sinal muito melhor.

Gervais gosta de lidar com situações constrangedoras naquilo chamado de "cringe humor", que é aquele tal estilo que coloca personagens em situações de fazer o espectador literalmente se encolher (cringe) na poltrona de vergonha alheia. É um estilo que voltou com muita força nos últimos 10 anos, sendo o caminho do humor que a grande maioria das produções do Netflix tem seguido.

Isso é um grande problema porque o humor constrangedor tem que ter um propósito claro, caso contrário se torna banal. Um grande exemplo disso é outra produção original da Netflix chamado The Caracters, que mesmo com 8 episódios e inúmeras esquetes em cada um, não consegue ser equivalente em momentos realmente interessantes daquilo que eles prometem ser "a nova promessa de humor" no entretenimento. E tudo isso por causa do mau uso, ou banalização, desse tipo de comédia.

É por isso que dessa vez Gervais não consegue ter o mesmo êxito do seriado que o consagrou porque aqui as sequências de constrangimento que seu personagem passa (e demais também) é redundante e viciosa.

O filme na verdade é um remake de uma produção homônima francesa de 2009, a qual tenho que dizer que desconheço. Conta a história de Frank Bonneville (Eric Bana), um prepotente jornalista metido a celebridade que trabalha em uma rádio local, famoso não por suas notícias, mas por seu carisma e seu talento de fazer virar verdade histórias sensacionalistas que ele mesmo inventa. Ele é pego de surpresa por Geoffrey (Kevin Pollak), seu editor chefe, quando é escolhido para cobrir um perigoso conflito em Quito, no Equador. É então que entra Ian Finch (Gervais), um técnico de som que acompanhará Frank para garantir a qualidade de transmissão da cobertura jornalística. Embora Ian seja um excelente profissional, sua personalidade autodepreciativa e seu sentimento de inferioridade o transformam em um grande incompetente para lidar com seu próprio cotidiano, tanto que ele mesmo diz preferir jogar video game porque a vida nos jogos é mais interessante que a dele. Soma-se a isso um casamento falido com uma mulher que não o suporta. Eleonor (Vera Farmiga), é uma oportunista que se casou porque acreditou que ele seria alguém importante. Como nunca conseguiu ser, ela agora não vê a hora de dar um pé no marido que, dentre inúmeros hobbies, coleciona miniaturas da Marvel.

Porém, a caminho do aeroporto, deprimido porque sua mulher o abandonou, Ian joga fora, por engano, o envelope contendo as passagens de avião e o dinheiro necessário para a temporada em Quito. Por conta disso, Frank tem medo de ser demitido, e Ian tem a brilhante idéia de forjar a cobertura em Quito. Eles se instalam no andar de cima do restaurante do outro lado da rua onde trabalham, e que sempre frequentam, cujos donos é um casal de mexicanos. Então todas as tramas e conflitos começam, incluindo um sequestro inventado e o perigo de um terrorista político que igualmente não existe, situações que desenvolvem um quiprocó mundial que envolve até a presidência dos Estados Unidos.

A princípio o enredo é interessante, mas tudo já começa errado logo nos primeiros minutos, quando Frank é bajulado enquanto desfila pelas ruas da cidade com imponência e determinação. É errado porque é forçado nos momentos, cliché porque não há diálogos, mas frases de efeito, e previsível porque todos os personagens são esterotipados. Desde o princípio o espectador sabe que Frank é o espertalhão que se dará mal, e Ian é o mané que se dará bem; que Frank é o cara com a melhor idéia, mas Ian é o que saberá executar; que Frank é o bonitão que traça a gostosona, e Ian é o esquisito que leva o chifre do próprio colega.

Na essência, mesmo caricatos, são personagens interessantes, principalmente Frank, graças à competência de Bana, que consegue usar um charme canastrão para proteger as inseguranças e frustrações de seu personagem. Por outro lado, Ian é o antagonista que exterioriza aquilo que o protagonista esconde, e por isso que os dois tem mais em comum do que eles sequer imaginam, por isso também que eles se atritam, mas dependendem um do outro. O problema é que Gervais não se encaixa, parecendo uma caricatura que saiu de qualquer outro filme, menos do seu próprio, e a química de ambos se torna decepcionante e incompatível. Os constantes constrangimentos pelo qual Ian se faz passar parece não ter fim, diminuindo o nível de empatia ao ponto da intolerância. O mesmo acontece com o casal vivido por America Ferrera e Raul Castillo, a burrice exagerada chega ao ponto do inaceitável e o excesso de ingenuidade que eles carregam é até ofensivo. Vera Farmiga também não tem valor algum na história, reprisando um tipo vulgar e vazio que só causa tristeza em situações cômicas que naufragam como Bateau Mouche, como no momento que se torna uma "celebridade do sequestro".

Ou seja, nada parece ter propósito ou lugar na história, nem mesmo o carisma de Kelly Macdonald salva alguma coisa. Gervais pode ter tentado brincar com essas situações da mídia e o sensacionalismo no meio do grande espetáculo, mas o resultado é uma sátira inerte, que não constrói e nem destrói, uma vítima dela mesma - assim como seus próprios persongens - ao seguir o caminho do humor óbvio para nos espremer até um caldinho de risada escorrer.

Isso sem falar em grandes erros, como Ian ser um técnico para garantir a qualidade das transmissões, mas Frank fazer todos seus depoimentos jornalisticos por telefone. Quito também não é uma aldeia, e muito menos fica entre florestas ou desertos, sem contar que não adianta destruir chip de celular se o registro da última ligação pode ser rastreado da mesma forma. Enfim... nem mesmo para ser convincente na ficção consegue, e se há alguma piada no filme... são esses absurdos.

Não dá pra entender porque a Netflix tem produzido tanta coisa ruim ultimamente, indo completamente contra a proposta que teve quando começou a produzir seu próprio conteúdo. Talvez para preencher a buraco de sua videoteca entre o lançamento de uma produção consagrada e outra. É louvável que o serviço opte por ir contra a maré de Hollywood ao dar maior liberdade criativa e independência às suas produções, como foi o consagrado Beasts Of No Nation (2016), ou o documentário What Happened, Miss Simone? (2016), que concorreu ao Oscar de Melhor Documentário. Mas não foi o que seguiu com A Espada do Destino (2016), desastrosa continuação de O Tigre e o Dragão, e agora com esse duvidoso longa de Gervais. A impressão que se tem é que tudo aquilo que não passou pelo crivo de grandes estúdios tem caído nas mesas da empresa. Isso não é ruim, mas optar por aquilo que é descartado não deve ser sinônimo de má qualidade. Hollywood mesmo solta anualmente a chamada "lista negra", lista com roteiros elogiados mas que nunca chegaram à luz da produção. Eles deveriam se atentar nessa lista mais do que no volume de propostas nas mesas ao se tratar de longas metragens, caso queiram se relevantes no cenário, oferecer oportunidades e manter o nível de qualidade.

CONCLUSÃO...
Idéia boa, porém mau executada, como muito acontece. Gervais não é um nome que se esperava para dirigir e escrever esse longa, muito menos atuar. O que se vê é apenas um festival de personagens sem propósito, que se esforçam nas câmeras com frases de efeito, mas que passam longe do humor que se espera.

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