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segunda-feira, 25 de abril de 2016

ATERRORIZANTE SEM SER ASSUSTADOR...

★★★★★★★★
Título: A Bruxa (The Witch)
Ano: 2016
Gênero: Terror, Suspense
Classificação: 16 anos
Direção: Robert Eggers
Elenco: Anya Taylor-Joy, Ralph Ineson, Kate Dickie, Harvey Scrimshaw
País: Estados Unidos, Reino Unido, Canada, Brasil
Duração: 92 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma família passa a ser perturbada por eventos sobrenaturais causados por uma bruxa que vive nas florestas das redondezas.

O QUE TENHO A DIZER...
Em 1630, na Nova Inglaterra, William (Ralph Ineson) é julgado por desonrar as leis da comunidade puritana que vivia, contestando o falso uso da fé de seus líderes por interesses políticos. Condenado, ele e sua família são expulsos e se exilam em um pequeno território próximo a floresta, e embora as dificuldades de subsistência estivessem difíceis, tudo parecia bem e contornável até que o recém nascido da família desaparece inexplicavelmente sob os cuidados de sua irmã mais velha, Thomasin (Anya Taylor-Joy).

Seguido por um violino desafinado e ensurdecedor que transforma a floresta dos arredores em um grande protagonista amaldiçoado (também parte da crença que nebula o imaginário coletivo), posteriormente vemos uma cena perturbadora envolvendo o sacrifício da criança pela bruxa que o raptou. É então que o filme entra direto no tema sem pedir licença.

Dessa forma começa a estréia de Robert Eggers, um norteamericano fascinado desde criança por bruxas e suas histórias, que acreditou que, para se sentir realizado com um filme sobre isso, ele mesmo teria que fazê-lo, e fazê-lo bem.

E de fato conseguiu. É um filme de horror que não compra o espectador pelo susto, mas pelas ambivalências religiosas e sociais que o roteiro desenvolve quando a ambiguidade dos personagens se conflitam. Ambiguidade esta causada pela própria fé.

Quando a família é expulsa da comunidade, a vergonha se transforma em vulnerabilidade. Atravessar os portões para o lado de fora foi como marcá-los e condená-los à maldição eterna dentro do escopo religioso, afinal, contrariar uma comunidade religiosa é perigoso, e nada mais doloroso do que punir com a excomunhão, ou exílio.

Mas, mesmo o filme tendo um desenvolvimento que leve a crer de forma simplista que tudo seja uma grande punição divina em resultado à traição religiosa, na verdade os acontecimentos mostram que nem mesmo a soberana fé dos personagens conseguem impedí-los de tomarem decisões equivocadas que influenciarão diretamente na perpetuação de erros ou de falsos julgamentos, e que o mal de fato não vem do céu ou do inferno, mas de decisões próprias e alheias.

A história desempenha um papel tão interessante sobre isso que até o portavoz do Templo Satânico se pronunciou sobre ela, dizendo que "o filme sinaliza uma revolta contra os vestígios tiranos de fanáticas superstições", das quais muitas delas foram criadas pelos próprios protestantes que condenaram, torturaram e executaram aqueles acusados de bruxaria, e que de forma similar e igualmente tirana foi feita pelos Católicos durante a Inquisição por séculos antes.

(A ponto de esclarecimento, o Templo Satânico é uma influente organização novaiorquina ateísta e humanista. Ao contrário do que seu nome aparenta, seu ativismo político prega o igualitarismo, a justiça social e o separatismo entre igreja e Estado, comumente usando sátiras religiosas para argumentar suas críticas)

É um longa baseado historicamente, e enquanto esses mitos se constróem, a extrema devoção e o fanatismo religioso estragula a família protagonista, explorando os limites do controle e chegando aos extremos do incontrolável, onde eles mesmos se sabotam em detrimento da fé, e se algo de errado acontece é porque a fé e os esforços ainda não são suficientes.

O diretor usa e abusa de referências, seja em contos como João e Maria ou Chapeuzinho Vermelho; nos ícones mais conhecidos da cultura popular como lobos, maçãs, cabanas e florestas; ou na imagem cristã das diferentes formas do mal, como o bode, o corvo e a lebre. Ele também não se esquece do patriarcado e da representação da força da figura paterna nessa estrutura familiar e que William falha em vários aspectos justamente por ter concentrada em suas mãos todos os poderes de decisões.

Segundo o próprio diretor e roteirista, "a bruxa é uma figura que incorporou os medos dos homens e suas fantasias sobre elas, sejam boas ou ruins, além dos medos das mulheres sobre ambivalência materna em uma sociedade dominada pelo sexo masculino". Portanto, o filme também tem uma mensagem feminista em seu contexto. Isso não o torna feminista, mas considera o empoderamento da mulher e suas expressões culturais através dessas alegorias, onde o fim da personagem principal poderá significar tanto sua libertação de um mundo social e religiosamente doutrinado, quanto, para os mais fatalistas, sua saída de um pratiarcado para outro.

Logo, será um erro para aqueles que assistirem acreditando ser uma obra de sustos contínuos como a Bruxa de Blair (The Blair Witch, 1999) ou algo mais tradicional, mesmo se por alguns momentos o enredo levar a alguma similaridade pelo mito em comum.

Eggers, como diretor, consegue ser acertivo do início ao fim, sendo muito mais sugestivo do que explícito (mesmo o explícito existindo), criando um ambiente assustador que merge com perfeição as fantasias e metáforas, tirando do elenco o melhor de si, sem excessões (impressionantes as peformances dos atores mirins, que não ficam atrás de Linda Blair em O Exorcista), e a fotografia fria e acinzentada intensifica essa atmosfera estranha e incômoda.

Como roteirista, consegue ser linear e atencioso. Coerente. Não há um momento que a história se perca ou tente dar mais atenção a um ou outro fato pra intensificar arco dramático, tudo tem seu propósito para aparecer e acontecer. Ele na verdade nem se esforça para nos fazer tem empatia pelos personagens, e é isso que beneficia o tom realista, pois eles são falhos às suas fraquezas.

Frente a tudo isso, conforme o filme se aproxima do final, alguns acontecimentos podem parecer um pouco fora do tom, mas se considerarmos que ele desenvolveu tudo baseado entre a dúvida do que é fantasia e realidade, do exercício da fé até a sua perda, e que as decisões mais extremas que tomamos são sempre aquelas que contrariam essa tal fé, então é igualmente coerente. Sim, a Bruxa existe, mas até que ponto tudo é consequência dela, ou até que ponto tudo é parte do delírio coletivo resultante dos trauma que a família se expôs?

Não há dúvidas de que A Bruxa é um diferenciado exercício narrativo em Hollywood e no gênero. Eggers contar uma história de maneira clássica, ao mesmo tempo que vai contra a maré das receitas habituais do horror de susto fácil. Assim como os contos clássicos em si faziam, trazendo embutido morais com amplas e diferentes interpretações, o filme se destaca no grandioso feito de fazer o mesmo. Não é à toa que seu subtítulo original traz providencialmente a palavra "conto popular", pois não apenas pode ser consumido por qualquer um, como qualquer um terá abertura para interpretar à sua forma.

OBS: O filme também foi produzido por dois brasileiros, Rodrigo Teixeira e Lourenço Sant'Anna.

CONCLUSÃO...
Para aqueles que captarem toda essa morfologia (ou parte dela), o filme será muito mais do que algo aterrorizante e que foge da simplicidade do susto pelo susto. Independente por excelência, vem com uma proposta bastante diferenciada no gênero e que o transforma em algo consistente, sem deixar de cumprir o que promete. 

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