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terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

NINGUÉM É SUBSTITUÍVEL...

★★★★★★★★☆
Título: 45 Anos (45 Years)
Ano: 2015
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Andrew Haigh
Elenco: Charlotte Rampling, Tom Courtenay
País: Reino Unido
Duração: 95 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um casal às vesperas de comemorar 45 anos de casados é surpreendido por uma carta que irá trazer à tona outro ponto de vista sobre todos os anos juntos, suas escolhas e uma bagagem do passado que poderá se tornar pesada demais para ser levada adiante.

O QUE TENHO A DIZER...
Julie Delpy muito bem disse em 2 Dias Em Paris (2 Days In Paris, 2007) que quando escolhemos ficar com alguém devemos aceitá-la com todos seus defeitos e bagagens. É uma comédia romântica, mas a realidade embutida nesta afirmação é mais séria do que muita gente pode imaginar.

É basicamente sobre isso que o filme de Andrew Haigh irá tratar, e a capacidade que temos em aceitar o outro dessa forma.

É o terceiro longa do diretor, que também foi responsável por escrever, produzir e dirigir o seriado Looking (2014-2015) para a HBO. Embora tenha durado apenas duas temporadas, Haigh mostrou nele que é um diretor/roteirista delicado, preocupado com os mistos sentimentos e a forma como eles se manifestam entre os indivíduos, aquilo que naturalmente nos diferencia uns dos outros. Neste filme essa abordagem não poderia ser diferente, mesmo que tudo pareça um tanto frio e melancólico para que o cotidiano dos protagonistas seja reflexo de tantos anos de convivência. Um longa que se desenvolve a passos lentos para que tenhamos tempo de observar e pensar. Não há nem espaço para trilha sonora, pois lança para o espectador uma visão bastante agridoce sobre uma relação de longo termo que subitamente é posta à prova, e apenas isso é suficiente.

A história acontecerá em um período de uma semana na vida de Kate (Carlotte Rampling) e Geoff (Tom Courtenay), pois metaforicamente representará toda a vida que estão juntos. Eles são um casal suburbano aposentado que vive confortavelmente sem ter que dar satisfações a ninguém. Sem filhos, a rotina dos dois se resume a ir para a cidade durante a manhã e passarem o resto do dia juntos entre livros e conversas cotidianas. Confidentes, companheiros, parceiros e amigos, estão prestes a completar 45 anos de casados, e por isso organizam uma festa para substituir aquela que não conseguiram comemorar quando completaram 40. Era para ser uma semana exclusiva para a organização desses detalhes, mas logo na segunda-feira Geoff recebe uma carta que informa que o corpo de Katya, sua falecida namorada, foi encontrado intacto nos Alpes, 50 anos depois de ter caído em uma fenda.

A princípio Kate também se sente surpreendida com a triste notícia, e mesmo sabendo que tudo isso aconteceu alguns anos antes de ter conhecido Geoff, não demora para que ela também se sinta abalada quando percebe que há muito mais na história do que as linhas contam.

Tudo é muito sutil, e conforme os dias passam, mais a protagonista se joga em um vortex de dúvidas enquanto seu marido mergulha cada vez mais em lembranças sobre um amor interrompido. Enquanto Geoff se perde em memórias pela dor de uma perda que nunca se curou, Kate fica pelas sombras pensando nos "talvez" que a história teria tido caso Katya ainda estivesse viva.

As hipotéticas possibilidades de um passado que não aconteceu a perturbam, crescendo dentro de si como um câncer. E entre desabafos de seu marido e até a descoberta de uma foto, passa a acreditar que ela foi uma mera substituta, e nunca foi a mulher da vida daquele que é e sempre foi o homem de sua vida.

A história é contada pelo ponto de vista de Kate, não como narrativa, mas como um objeto de observação porque é crucial que a dúvida que ela alimenta, de sua vida ter sido baseada em um mentira ou não, tenha a mesma intensidade que a nossa como espectador, e caberá a nós acreditar ou não em Geoff, que por sua vez tem um desenvolvimento que expressa claramente que pessoas são insubstituíveis e o amor se manifesta por diferentes maneiras e intensidades. Portanto, também cabe a nós respeitar ou não os sentimentos do personagem porque cada pessoa que passa em nossas vidas deixa sua marca, sentimentos e lembranças. Nada disso pode ser apagado.

Haigh é extremamente cauteloso, e em momento algum tenta construir alguma opinião tendenciosa, se recusando a criar uma narrativa maniqueísta sobre a relação. Para o roteiro, os sentimentos tanto de Kate quanto de Geoff são sinceros, cada um deles em sua razão. Não cabe a nós julgá-los, mas observá-los, porque poderíamos estar em qualquer um dos lados.

Mesmo quando tudo parece estar acertado, o sentimento de que as coisas nunca mais serão as mesmas é pesado, e tudo graças ao fenomenal trabalho de Charlotte Rampling, que até quando tenta esconder seus sentimentos deixa transparecer a caótica dúvida e preocupação sobre sua relação, como no momento em que ouve atentamente seu marido relatar o acidente, toda a paciência e atenção não impedem seus olhos de mostrar o contrário. Para ela, é como se agora estivesse assombrada por um fantasma que nunca deixou sua casa, enquanto para ele a tragédia foi uma oportunidade para conhecer a mulher com quem ele resolveu passar o resto de sua vida junto.

É um filme bastante adulto, que traz à tona sentimentos tão sinceros quanto os dos protagonistas. Não há melodramas e nem lágrimas, e vale ser dito que são desnecessários. Seu fim imprevisível é até chocante dentro da sua simplicidade. Talvez direto demais, mas que mantém a proposta viva do filme de que somos apenas observadores e que a conclusão de fato é indefinida.

CONCLUSÃO...
Talvez o filme mais sério e adulto de 2015, tanto que é difícil o público comum conseguir achá-lo interessante. Um trabalho um tanto frio e distante de Andrew Haigh, pois sua intenção é nos fazer ser observadores incapazes de julgar, pois poderíamos estar no lugar de qualquer um dos protagonistas. Só a interpretação sutil e a presença marcante de Charlotte Rampling já vale uma espiada, mesmo que o tema não agrade.

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