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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

NÃO É O MELHOR EXEMPLO, MAS...

★★★★★★☆☆☆☆
Título: A Garota Dinamarquesa (The Danish Girl)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Biografia
Classificação: 14 anos
Direção: Tom Hooper
Elenco: Eddie Redmayne, Alicia Vikander, Amber Heard, Matthias Schoenaerts
País: Reino Unido, Estados Unidos, Belgica, Dinamarca, Alemanha
Duração: 119 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma história levemente baseado na biografia das artistas Lili Elbe e Gerda Gottlieb.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando um ator ou uma atriz recebe um Oscar, é de praxe Hollywood querer que isso se repita. Oferecem grandiosos papéis com este exclusivo intuito, nem que para isso seja necessário alterar completamente a História para adequá-la ao cinema e ao seu público. Assim a história se repete e estrelas são criadas, como aconteceu com Tom Hanks, Hilary Swank, Charlize Theron, Cate Blanchett, dentre outros. Hollywood também adora exageros em seus atores para intensificar tons dramáticos e impressionar o público, tanto que, dentre esses atores e atrizes citados, todos eles receberam seus prêmios e indicações por transformações físicas drásticas em filmes biográficos.

Eddie Redmayne também se encaixa nesse grupo, e é exatamente isso que volta a acontecer com ele nesse filme depois de ganhar o Oscar ano passado por A Teoria de Tudo (The Theory Of Everything, 2014).

A história contará a vida de Einar Wegener (Eddie Redmayne) e sua mulher, Gerda Gottlieb (Alicia Vikander), dois artistas do início do século XX, casados e apaixonados. Einar foi famoso por suas naturezas mortas, e Gerda por suas pinturas eróticas (que vieram a ser chamadas de lesbian art) cuja modelo em tela era a versão feminilizada de seu próprio marido, que posava em roupas femininas e, fascinado na possibilidade de exteriorizar essa personalidade, adotou publicamente o nome de Lili Elbe, aos poucos apagando sua persona masculina, o verdadeiro alter ego.

Mas se engana quem acreditar que a vida de Einar e seu conflito de gênero foi bastante superficial e tão simples como uma escolha qualquer, ou algo que tenha sido motivado por sua esposa, como o filme até chega a fazer o espectador acreditar em um primeiro momento. Assim como o próprio filme felizmente desmistifica (mesmo que demore um pouco), a vida de um transgênero já é confusa a partir do momento em que ele passa a ter consciência de seu próprio corpo, entre a fase final da infância e início da adolescência, já que ele não consegue compreender porque o seu sexo é diferente de sua personalidade e vontades.

E vale dizer aqui que gênero e orientação sexual são coisas diferentes. Gênero é ser homem ou mulher, e orientação sexual é ser homo, hetero ou bissexual. Mesmo sendo um transgênero feminino, não necessariamente precisa gostar de homens, por exemplo. Portanto, sobre a orientação sexual de Einer, a história não dá nenhuma certeza.

Embora essa cinebiografia crie algo bastante romantizado e fictício, incluindo até um terceiro personagem vivido pelo belga Matthias Schoenaerts, que não existiu na realidade e está presente apenas para justificar um pseudo-triângulo amoroso, não se sabe ao certo se na realidade Einer e Gerda eram apenas amigos e mantinham um casamento de aparências ou se realmente eram apaixonados, bem como não se sabe se Gerda era lésbica ou bissexual. Mesmo que tudo isso seja invenção do roteiro, o sofrimento dos personagens consegue ser bastante convincente e próximo daquele relatado por transgêneros e pessoas próximas.

O roteiro em si já é bem diferente do livro homônimo em que é baseado, e o livro também já é muito diferente daquilo que se sabe através dos relatos contidos na autobiografia de Lili no livro Man Into Woman, publicado postumamente em 1933. 

Lili é conhecida historicamente como um dos primeiros transgêneros femininos de conhecimento público, pioneira na cirurgia de redesignação sexual que se tem registro clínico. Porém a realidade do procedimento é bastante diferente do que o filme mostra.

O filme não detalha a complexidade da cirurgia e nem ao menos a considera uma cobaia, como realmente foi. O procedimento teria quatro etapas (e não apenas duas), em um período de dois anos. Dentre essas cirurgias havia o transplante de ovários e útero, porque como era um procedimento ainda experimental, acreditava-se que era necessário uma total construção do órgão feminino interno e externo, o que a medicina posteriormente concluiu não ser necessário com seu avanço. Na última etapa, que consistia no transplante de útero e a construção da vagina, devido a rejeição do órgão transplantado e inúmeras infecções, Lili não sobreviveu ao pós-operatório e faleceu em 1931. Chega a ser cruel imaginar pelo que ela deve ter passado nas condições da medicina daquela época, ao mesmo tempo que isso demonstra como a rejeição dos transgêneros pelo seu próprio corpo faz dessa alternativa a única para se sentir uma pessoa completa, como Lili chega a dizer ao acordar da cirurgia.

Embora Einer tenha frequentado a sociedade como Lili, a qual se apresentava como irmã do pintor (e não como prima), a farsa não foi um segredo como o filme mostra, já que a sociedade descobriu a verdade algum tempo depois. É uma história triste que não tem o interesse em focar nas dificuldades sociais que Einar pode ter passado, mesmo havendo um momento bastante violento e duramente simbólico na discriminação que ainda é atual e igualmente desprezível.

O foco do filme, e que consegue fazer isso muito bem por boa parte da história e até com certo humor em alguns pontos, é mostrar o duro processo psicológico de aceitação do personagem e sua complicada peregrinação até encontrar um médico que compreendesse sua condição da forma como ele sentia. Difícil também é Gerda compreender tais mudanças e as diferenças de gênero que existe em uma época em que nada disso era comentado e estudado, além de ser considerado uma doença, um disturbio psiquiátrico de identidade, o que hoje não é mais aceito dessa forma.

Além do descompromisso com as biografias de ambas personagens, o filme sem dúvida peca na forma como a história é desenvolvida em um primeiro momento. Nem o diretor e nem a roteirista conseguiram ter a delicadeza, a sutileza necessária para conduzir o espectador nessa transição do personagem sem gerar curto circuito nos neurônios daqueles que pouco souberem sobre o assunto, podendo ser chocante e até fazer o espectador mal informado confundir a condição de Einer como um fetiche qualquer, uma doença, ou uma decisão momentânea. Demorar para revelar que Einer sempre se sentiu uma mulher soou como uma razão encaixada de última hora, posta para cobrir o buraco do fato e apertar o passo da história, relembrada a todo momento depois disso, mas que não consegue ser convincente ou esclarecedor porque a forma como foi feito antes não nos fez convencer. Toda a condição do personagem só irá fazer sentido para aqueles que tiverem conhecimento do que é um conflito de gênero de fato e como ele se manifesta.

As atuações de Redmayne e Vikander são emocionantes do início ao fim, mesmo que algumas vezes o excesso de sorrisos do ator para forçar a delicadeza do personagem fique um pouco cansativo e seu maneirismo um tanto caricato. Para a atriz sueca, que se destacou mundialmente com O Amante da Rainha (En Kongelig Affære, 2012) e participou do interessantíssimo Ex_Machina (2015), no qual faz uma interpretação até melhor, sem dúvida 2015 foi seu ano, mesmo que ela não ganhe o prêmio maior.

Claro que o fim não esquece de apelar para o sentimentalismo óbvio com o lenço de seda voando e uma frase pra lá de cliché para justificar uma cena já óbvia. Não é o melhor exemplo de um filme temático sobre a trangeneridade porque infelizmente falta uma história mais refinada, sem excessos que existem para compensar a complexidade e a difícil compreensão do tema. Mas assim como acontece em Transamérica (2005), consegue ser respeitoso, mesmo que grande parte seja ficção.

CONCLUSÃO...
Apesar de ser bastante fictício e romantizado, consegue ser um filme com uma intenção válida dentro desse tema complexo. Mas ainda está longe de ser um grande exemplo.

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