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segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A IGREJA VERSUS O JORNALISMO INVESTIGATIVO...

★★★★★★★★★☆
Título: Spotlight - Segredos Revelados (Spotlight)
Ano: 2015
Gênero: Drama, Investigação, Biografia
Classificação: 14 anos
Direção: Tom McCarthy
Elenco: Michael Keaton, Mark Ruffalo, Rachel McAdams, Liev Schreiber, John Slattery, Stanley Tucci
País: Estados Unidos
Duração: 128 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um grupo de jornalistas investigativos do jornal Boston Globe é interceptado por informações que levam a um grandioso esquema de abuso sexual dentro da Igreja Católica.

O QUE TENHO A DIZER...
Em 2002 o jornal The Boston Globe publicou uma matéria bombástica sobre os casos de abuso sexual infantil ocorridos na arquidiocese de Boston, no Estados Unidos, repercutindo mundialmente, tirando até mesmo a Irlanda e outros países do silêncio.

A história começou quando houve uma pequena publicação em uma coluna do jornal sobre alguns casos envolvendo cinco padres católicos locais em 2001. Impulsionado pelo novo editor chefe, Martin Borton, o assunto acabou indo parar nas mãos de uma equipe dentro do jornal conhecida como Spotlight, um grupo específico responsável por matérias investigativas de grande foco e de alta confidencialidade, onde cada matéria pode demorar de um a dois anos para ser publicada, tamanha a minusciosa busca de informações e confirmação de fontes. Isso acabou trazendo para a mesa editorial uma série de outros casos correlacionados envolvendo vítimas das quais muitas haviam cometido suicídio, e as que estavam vivas apresentavam severos traumas psicológicos.

As investigações levaram a descobrir que o que acontecia não eram casos isolados, mas um padrão recorrente e de conhecimento do próprio Vaticano, comprovados pelo psiquiatra e ex-monge beneditino, Richard Sipe, que trabalhou de 1965 a 1970 no Instituto Psiquiátrico de Seaton, lugar mantido pela própria Igreja Católica. Foi lá que ele se deparou com seus primeiros casos de abuso e, a partir dalí e por conta própria, montou uma equipe que estudou isso por trinta anos, naquilo que ele considerou como um "fenômeno psiquiátrico" por conta dos padrões de ocorrência que partiam desde o comportamento sexual dos assediadores dentro da Congregação Católica, até nos padrões de escolha das vítimas, que geralmente são crianças e adolescentes com disturbios psicológicos já estabelecidos, ou com problemas familiares, como pais divorciados ou orfandade. Os estudos de Sipe chegaram a uma estatística de que 6 a 7% da comunidade mundial de padres e bispos da Igreja Católica são pedófilos, o que leva a um número exorbitante que foge da idéia comum de que os casos são apenas algumas "maçãs podres", como é dito varias vezes no filme. Sipe também conseguiu comprovar que os casos de pedofilia não ocorrem necessariamente entre padres homossexuais, e que o assédio envolvendo crianças do sexo feminino é muito maior do que se acreditava.

As investigações da Spotlight levaram a descobertas assustadoras com, no mínimo, trinta anos de recorrência envolvendo mais de 70 representantes locais (o que corrobora com as estatísticas traçadas por Sipe), além de centenas de vítimas. A maioria dos casos judiciais nunca foram julgados publicamente, ou simplesmente foram encerrados por conta de acordos de confidencialidade entre as vítimas e a igreja, o que ajudou a abafar possíveis escândalos e manter a situação controlada.

Descobriu-se mais, que também havia alí um forte esquema de corrupção envolvendo a instituição católica, a mídia e o setor judiciário, tanto por parte da promotoria quanto da defesa. O próprio Boston Globe chegou a ignorar o assunto na década de 90, quando recebeu materiais e denúnicas a respeito, fato que o filme também não esconde, o que até surpreende, já que poderiam simplesmente ter omitido essa situação para favorecer o heroísmo das intenções.

E é sobre tudo isso que este excelente filme biográfico e investigativo, dirigido por Tom McArthy e escrito por ele em parceria com Josh Singer, irá tratar. Mas o mais interessante é que houve um grande cuidado na abordagem do tema e uma sólida pesquisa para sua produção, e seu desenvolvimento é feito pelo ponto de vista da equipe editorial do jornal, onde presenciamos de forma bastante realista todo o processo de prospecção, além das dificuldades e obstáculos encontrados por cada um deles até a publicação que, inclusive, precisou ser temporariamente engavetada e sem prazo de retomada por conta dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001. 

É um daqueles poucos filmes biográficos que realmente se embasam em fatos reais para construir sua história, tanto que todos os personagens interpretados com integridade pelo elenco são reais, incluindo suas identidades. Tudo é muito ponderado e bem feito, desde a direção que evita momentos clichés de abuso dramático até o roteiro que constói gradativamente um clima de tensão e interesse nos bastidores, que mostra de forma sucinta a importância do jornalismo investigativo como um serviço de informação social, principalmente em casos como esse, de um esquema criminoso gigantesco e abafado de causar repulsa, revolta e indignação. E acredite, quanto mais o filme caminha, mas chocados ficamos com seus acontecimentos e a conspiração existente em torno do assunto.

Não é à toa que tem sido considerado o melhor filme de 2015 e um dos melhores do gênero, pois consegue ser interessante e até com um certo nível de suspense sem necessidade alguma de ser apelativo. Nem há momentos de conflitos entre corpo editorial e chefes, como é de praxe nesses temas, onde criam-se dificuldades aleatórias para no fim os jornalistas empenhados provarem que estavam corretos. Só há um ou outro momento em que a efetividade e publicação da matéria é questionada, mas tudo é contornado rapidamente e as dificuldades encontradas são mais por fatores externos do que internos.

Que os casos de abuso sexual envolvendo a Igreja Católica tenha recorrência histórica e não seja mais segredo para ninguém, é notório. Hollywood mesmo já abordou esse tema, como no sutil e ponderadíssimo Dúvida (Doubt, 2008). Mas aqui a situação é levada para outro patamar, aquele de que ainda ignoramos os fatos e nos mantemos cegos frente àqueles que direcionam a fé, nos deixando sem a capacidade de enxergar os sinais com clareza de que nada é realmente aquilo que parece ser, numa perversidade que foge completamente da proporção que imaginamos. Transformando a Igreja em um reduto de crimes encobertos por eles mesmos, como uma irmandante, além de deterem poderes que se sobrepõem a qualquer outra instituição.

Claro que o filme acaba sem um grande conflito direto entre a Igreja e o jornal, deixando aquela vontade de querer saber mais, ou quais as consequências catastróficas que a publicação trouxe aos fiéis e ao Vaticano, mas ao mesmo tempo isso teria fugido do foco de contar a história pelo ponto de vista daqueles que se empenharam em peitar uma das instituições religiosas mais influentes do mundo. A única coisa que se sabe é que houve a resignação do arcebispo Bernard Francis Law, com alguns pedidos de desculpas públicas aqui e alí para amenizar a situação, mas que em 2004 foi readmitido pelo Papa João Paulo II como arcebispo da Basílica de Santa Maria Maggiore, em Roma. Ou seja, tudo voltou a ser como era. E se talvez catorze anos depois o mundo tenha se esquecido desse fato (o que não é de se espantar), esse filme é uma grande oportunidade de nos relembrar de tudo novamente e não deixar dúvidas de que para ser representante da fé não é necessário batina, mas integridade.

Apesar do favoritismo público em meio a críticas boas e medianas que acabam sobrepondo e direcionando a opinião das pessoas mais influenciáveis, e embora seja um filme com todo o perfil possível para a temporada de premiações, a verdade é que a inteção da história e dos acontecimentos já é relevante por sí só. Sua execução funciona e é esclarecedora. Algumas coisas não dá para serem explicadas, como a indicação de Rachel McAdams ao Oscar de Coadjuvante, ou da preferência de Mark Ruffalo quando Michael Keaton fez um trabalho igualmente memorável, mas tudo é esquecível em uma história que, como li em um comentário, se transforma em um dos piores filmes de terror dos últimos tempos.

CONCLUSÃO...
Um relevante e ponderado filme sobre os bastidores e a importância do jornalismo investigativo na sociedade que carece de instituições íntegras, ao mesmo tempo que nos relembra de um dos maiores escândalos sexuais e religiosos da história, além de evidenciar em como a igreja católica não apenas é omissa como condescendente dos crimes envolvendo seus representantes.

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