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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

VALE CADA MINUTO...

★★★★★★★★★☆
Título: O Regresso (The Revenant)
Ano: 2015
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Alejandro Gonzáles Iñárritu
Elenco: Leonardo DiCaprio, Tom Hardy, Domhnall Gleeson, Will Pouter, Forrest Goodluck
País: Estados Unidos
Duração: 156 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um caçador de peles é atacado por um urso. Gravemente ferido e debilitado, é deixado à morte por seus colegas. Motivado pelo sentimento de vingança, trava uma batalha com a própria natureza em luta pela sobrevivência.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando Gravidade (Gravity, 2013) foi lançado, o mexicano Alfonso Cuarón trouxe de volta para o cinema os longos planos sequência (cenas sem cortes) de 5 a 10 minutos. Foi necessário um mexicano fazer isso para a técnica novamente virar tendência em Hollywood, assim como foi necessário outro mexicano, o amigo Alejandro Gonzales Iñárritu, para ultrapassar essa barreira com Birdman (2014), ao realizar um longa aparentemente feito em uma única sequência.

Não que ninguém tivesse feito isso antes. Hitchcock mesmo fez isso com Festim Diabólico (1948), mesmo com todas as limitações tecnológicas da época. A verdade é que o filme tem cortes, sim. Mas são imperceptíveis tal qual o clássico citado.

Birdman surpreendeu e agradou toda a crítica, que o considerou ousado. O que ele realmente é. Tanto que será referência futura assim como Festim Diabólico é até hoje.

Talvez um tanto inflado com o resultado do seu filme anterior, Iñárritu aproveitou o nirvana para mergulhar em um projeto no qual novamente escolhe o caminho mais difícil. Na intenção de que tudo parecesse realista o bastante, realizou cenas e filmagens da maneira mais crua e com o mínimo de equipamentos possível. As filmagens foram realizadas cronologicamente em um total de 80 dias dentro de em um período de 9 meses porque a mirabolante idéia da vez foi utilizar uma estética de filmagem que utilizasse apenas a luz natural em locações reais.

Obviamente que isso deixou a equipe técnica de cabelo em pé porque dependiam da boa vontade da natureza para que tudo desse certo em um cenário onde havia tudo para dar errado. Um único momento em que o tempo não contribuísse, era o suficiente para o dia de trabalho ser perdido. O caso mais grave foi na reta final de filmagem, em que o gelo das locações canadenses derreteu, impossibilitando a continuidade. Toda a equipe teve que se mudar para o sul da Argentina para encontrar situação climática similar, o que felizmente conseguiram em cima da hora, já que o verão se aproximava.

Esse constante de situações inesperadas e estressantes gerou grandes divergências no set, intensificados pelo temperamentalismo e exigência de Iñárritu ao ponto de várias pessoas deixarem o projeto no meio do caminho, ou serem demitidas pelo próprio diretor, como aconteceu com um dos produtores. Houve até discussões entre ele e o ator Tom Hardy por conta da falta de segurança que o ator sentia na realização de algumas cenas.

Excentricidades à parte, no fim tudo valeu a pena porque o resultado é realmente impressionante e o filme é definitivamente de cair os queixos por aí.

A história se passa no começo do século XIX, narrando a história de Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), um caçador de peles que, após ser brutalmente atacado por um urso marrom, é abandonado por seus colegas e deixado para a morte nas florestas gélidas do norte dos Estados Unidos. Ferido, sem suplementos ou armas, e em meio a uma guerra entre brancos e índios da tribo Arikara por conta de domínios territoriais e inclusive pelo direito a exploração de pele, Glass faz uma peregrinação de sobrevivência por mais de 300km com o único intuito de vingar a morte de seu único filho, fruto de uma relação entre ele e uma índia Pawnee no passado, o qual foi assassinado friamente por Fitzgerald (Tom Hardy), um de seus colegas de caça.

A experiência realista que Iñárritu cria consegue ir muito além de qualquer outro filme de sobrevivência solitária que foi lançado nos últimos anos. Primeiro porque, com excessão de algumas informações fictícias, grande parte do filme é baseado em fatos verídicos. Segundo porque as filmagens com iluminação natural dão uma densidade fotográfica um tanto inédita, um material bruto sem maquiagem visual que chega a surpreender naturalmente com as paisagens sem tratamento digital. Terceiro porque grande parte do que vemos é o que foi filmado de fato, principalmente a respeito dos atores. DiCaprio não é poupado das dificuldades em tempo algum, seja nu em meio a neve, mergulhando nos rios congelados ou comendo figado cru de um búfalo, ele se deixa levar pelo extremo naquilo que pode ser o seu melhor papel porque ele se despe de toda e qualquer zona de conforto. E por último, o diretor ainda mantém os planos sequência por boa parte da história, o que era necessário para se aproveitar o máximo do pouco tempo disponível diariamente para filmagem, mas que certamente intensificam ainda mais o realismo pelas situações se desenvolverem sem cortes ou truques óbvios, como o momento do brutal ataque do urso marrom (uma das sequências mais impressionantes e das poucas que faz excelente uso da computação gráfica a favor da experiência realista), ou quando Glass foge a cavalo enquanto é perseguido por nativos americanos, uma das melhores e mais bem construídas sequências de perseguição do filme que não dura nem 30 segundos, mas tudo é tão meticulosamente ensaiado, numa coerografia perfeita tanto por parte do elenco como da condução da câmera, que a pontualidade capta todos os momentos necessários sem exagero dramático.

Aliás, mesmo sendo um drama espiritual, como o próprio diretor o classificou, além de uma batalha épica entre o homem e a natureza, Iñárritu não apela em momento algum para o drama comum. Ele é muito objetivo e sucinto, até mesmo em situações que qualquer diretor facilmente cairia no apelo fácil, como no momento em que Hawk (Forrest Goodluck) é atacado por Fitzgerald. Esqueça qualquer melodrama similar ao que Robert Zemeckis construiu em Náufrago (Cast Away, 2000) porque Iñárritu acerta ao fugir completamente dos clichés que Hollywood criou ao longo dos anos no gênero. Não há nem mesmo invasão da trilha sonora para sugerir maior impacto sentimental porque tudo isso é desnecessário. O desenvolvimento das situações já é visceral por si só, a realidade existente nas cenas já tem densidade suficiente para sentirmos os ossos congelarem, a carne dilascerar, a fome bater e o desespero nos consumir.

Fazia tempo que eu não via algo baseado em fatos reais com tanto realismo e seriedade. Há violência explícita, tensão e cenas fortes, mas tudo tem coerência e contexto. Só que frente a tantas qualidades em uma situação cujo principal vilão é a própria natureza e sua força devastadora, transformar uma história de sobrevivência em um filme de vingança, como é o que acontece, por algumas vezes não parece fazer sentido. Mas a história real de Glass é contada dessa forma, só não é esclarecido se a verdadeira razão pela sua busca de vingança foi por Fitzgerald tê-lo deixado para a morte, ou se foi por ter roubado seus pertences enquanto debilitado e inconsciente (e não por ter matado seu filho, como acontece no filme). E aproveitando disso, Iñárritu até explora essas outras possibilidades, inclusive há até uma tentativa de "desvilanizar" o personagem de Hardy para que suas atitudes sejam mais consequência de traumas psicológicos do que por uma maldade deliberada, o que é até convincente também por conta do trabalho que Hardy desenvolve.

Com certeza é um filme longo e cansativo nos seus mais de 150 minutos. Cansativo não por ser monótono, mas por perdermos a esperança pelo personagem diversas vezes porque sempre algo pior irá acontecer, inclusive quando acharmos que não há como a situação piorar. E o comprometimento de DiCaprio no papel é estarrecedor. Até mesmo eu, que particularmente nunca fui fã de seus trabalhos, não conseguia vê-lo como um ator em cena, mas como Hugh Glass de verdade, tamanha sua imersão no personagem e no filme.

Assim como em Perdido Em Marte (The Martian, 2015), outro filme de sobrevivência lançado há pouco tempo, são em filmes como esse que percebemos como nós, meros humanos da vida fácil, não teríamos a mínima noção de como sobreviver a uma situação extrema de sobrevivência. E é até bom que filmes assim estejam na moda para que possamos perceber como somos frágeis e despreparados para o inesperado.

CONCLUSÃO...
Se Iñárritu tinha a intenção de se superar depois de Birdman, ele conseguiu. O Regresso não apenas é um dos maiores filmes de 2015 como deve figurar entre os melhores do gênero. É outro filme do diretor que se tornará referência. Um filme que, acima de tudo, é visualmente deslumbrante e que vale cada minuto assistido, mesmo que haja um intervalo de descanso.

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