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sábado, 23 de janeiro de 2016

POLÍTICA, DONALD TRUMP E CINEMA SÃO ASSIM...

★★★★☆
Título: Especialista Em Crise (Our Brand Is Crisis)
Ano: 2015
Gênero: Comédia, Drama
Classificação: 14 anos
Direção: David Gordon Green
Elenco: Sandra Bullock, Joaquim de Almeida, Billy Bob Thorton, Ann Dowd, Zoe Kazan
País: Estados Unidos
Duração: 107 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma estrategista eleitoral norteamericana é contratada para auxiliar na reeleição de um controverso presidente boliviano, ao mesmo tempo que compete com um rival de longa data, que trabalha para o candidato da oposição.

O QUE TENHO A DIZER...
Este filme é baseado no documentário homônimo de Rachel Boyton, lançado em 2005. Enquanto o documentário narrava a campanha presidencial boliviana de 2002, em que concorriam à presidência Gonzalo Lozada e Evo Morales, a história aqui será bem mais fictícia, levando os senãos da história para outros rumos e substituindo alguns personagens por outros.

Os presidentes no roteiro de Peter Straughan não são reais, embora sejam referências a eles, bem como a personagem vivida por Sandra Bullock seja uma referência a Robert "Bob" Shrum, o famoso consultor que prestou serviço a importantes candidatos no Estados Unidos, incluindo Al Gore e John Kerry. Ao longo de sua carreira, Shrum foi estrategista de oito candidatos, e sua fama se deve por nenhum deles ter chegado à presidência, embora sua participação tenha sido bastante relevante no cenário político.

O filme é dirigido por David Gordon Green, mais conhecido pelas comédias escrachadas, linguarudas e politicamente incorretas, como Segurando as Pontas (Pineappel Express, 2008) e o subestimado Sua Alteza? (Your Highness, 2011), que foi muito mal interpretado pela crítica que o destruiu, talvez porque deram muito mais atenção ao teor chulo e pornográfico do que ao satírico, que muito se assemelha ao que Mel Brooks fez no passado, mas obviamente de forma mais branda porque os tempos eram outros.

Uma escolha um pouco inusitada, já que Green é um diretor liberal demais para, talvez, conseguir carregar nas costas um filme político e, na medida do possível, bastante correto. Portanto é notável como ele está comedido, um tanto preso em exigências. 

O filme foi escolhido à dedo por Bullock (que também assina a produção) para tentar manter sua safra de boas escolhas que culminaram com o Oscar de Melhor Atriz por Um Sonho Possível (The Blind Side, 2009) e uma posterior indicação por Gravidade (Gravity, 2013). Aliás, George Clooney, parceiro neste último, estava cotado para estrelar este filme também, mas acabou ficando apenas na produção.

Mas o resultado foi completamente o oposto daquele que se esperava. A seletiva escolha de Bullock não foi acertiva dessa vez. O filme foi massacrado pela crítica e público. Um verdadeiro fiasco. Isso não é uma novidade na carreira de Bullock, que por duas décadas foi estigmatizada como um atriz de comédias, chegando a ver sua carreira à beira do abismo. Depois de dar a volta por cima com alguns dramas e provar seu talento versátil à duras penas, voltou agora a dar preferência para estilos mistos, como acontece aqui, já que está comprovado que ela consegue ser engraçada e dramática ao mesmo tempo, e vice-versa. E o público comum adora.

Mas por que será que tudo foi tão mal das pernas assim? Ele é tão ruim ou até pior que o horroroso Maluca Paixão (All About Steve, 2009) ou o absurdo Velocidade Máxima 2 (Speed 2, 1997), ambos estrelados por ela?

Para ser sincero, tudo já não começa bem ao apresentar Jane "Calamidade" Bodine (Sandra Bullock) como uma estrategista política em reclusão há seis anos porque perdeu a última batalha presidencial para seu rival, Pat Candy (Billy Bob Thorton). E seu apelido "calamidade" já explica muita coisa. Ela parou de fumar, parou de beber e vive calmamente em uma cabana fazendo cinzeiros de argila depois de uma temporada em um hospital psiquiátrico. Clássicos e batidos conflitos que se transformam em motivos para fazer um personagem superar um trauma do passado. Então já conseguimos prever que a trajetória da personagem será cheia de obstáculos, mas ela irá se bem suceder no fim. Alguém já viu algo parecido? Sim?

Imaginei.

O candidato à presidência, Castillo (Joaquim de Almeida), é mostrado de forma patética em um programa de televisão, não sabendo dar respostas diretas ou nem mesmo tendo respostas para perguntas mais complexas, o que justifica logo de cara seus 8% de preferência nas pesquisas. Castillo é um político bronco, elitista e antipático que tenta se reeleger (como ele foi eleito no passado sendo assim, não se sabe). Ele tem dificuldade de se aproximar do povo em uma época complicada de crise econômica e segregação social na Bolívia, e isso também é argumento óbvio para que a missão da protagonista seja ainda mais complicada.

Quando Jane chega no país, entre tentativas de humor físico com um tombo ao sair do avião, comentários um pouco preconceituosos de seu assistente sobre o povo boliviano, trombadas, um desnecessário cilindro de oxigênio, náuseas e uma vomitada na lata de lixo, a situação do filme piora porque tudo parece apelativo, além de Sandra Bullock repetir pela enésima vez aquele estereótipo de mulher comum e desajustada, vítima de si mesma e de seus próprios contrangimentos. Um tipo que virou sua marca registrada em Miss Simpatia (Miss Congeniality, 2000), mas que depois de tantas vezes repetido, incluindo seu penúltimo filme, As Bem Armadas (The Heat, 2013), a situação já ficou esgotada e cansativa, realmente um retrocesso.

Por alguma razão, esse filme pra mim parecia ser para Sandra Bullock o que Erin Brockovich (2000) foi para Julia Roberts, talvez pela determinação da protagonista e pelo parecido estilo de filmagem. Mas Gordon Green deveria ter seguido os mesmos passos de Steven Soderbergh para fazer desse filme algo melhor apresentável e menos bagunçado. Deveria ter sido mais sutil, e feito adaptações que amenizassem esse deboche que ele carrega consigo, mas que não se encaixam aqui porque tudo é muito comercial e didático, produzido dentro de uma formuleta para chamar atenção com excessos e previsibilidade, implorando para o público rir ou se emocionar, mas sem conseguir nenhum dos dois com efetividade, nem mesmo quando as cenas são invadidas por uma trilha sonora que nada acrescenta até mesmo nos poucos momentos que elas funcionariam sozinhas, apenas no diálogo.

Tirar sarro da política é interessante, mas está muito longe de ser um Segredos do Poder (Primary Collors, 1998), de Mike Nichols, embora tivesse tudo para ser tão interessante quanto porque, apesar dos defeitos, seu tema é atualíssimo. Fica estranho ver tudo de forma tão retorcida, sem eira e nem beira, como se tudo fosse uma grande piada em um grande circo. Desnecessário porque a política em sí já é uma piada pronta, não há necessidade de deixá-la over the top, como dizem os norteamericanos. Sem dúvida faltou uma finesse maior, diálogos mais polidos e menos caricatura. A ironia já seria suficiente para o tom cômico, como acontece, por exemplo, com o personagem de Billy Bob Thorton, que sempre se apresenta e inicia um diálogo amigável e decente, mas sempre sai de cena com uma frase elegantemente desconfortável, deixando óbvio que a rivalidade que ele cultiva é carnal e sexista. Sim, ele consegue ser brilhantemente nojento e provocativo como o filme não consegue ser.

Em um primeiro momento o roteiro tenta levar todo esse assunto para um tom pastiche e satírico, aquele que Gordon Green gosta, mas que de uma hora pra outra deixa de ser assim como se o diretor tivesse cansado de brincar com os carrinhos.

Também era desnecessário levar o tema para a Bolívia para tratar de um assunto em que o próprio Estados Unidos vive no momento. Lugar em que mesmo que o candidato seja antipático e as pessoas tenham medo dele, é aquele que consegue ser o mais popular. O que Jane faz com Castillo no filme é o que Donald Trump tem feito em sua campanha, se aproveitando do medo e da insegurança generalizada para construir seu sucesso. Trump tem se beneficiado do mesmo com as contantes ameaças terroristas, do inchaço imigratório e da revolta coletiva para divulgar sua estratégia política preconceituosa, xenofóbica, violenta e conservadora, e assim conquistar aquela maioria ignorante que esperava por alguém com colhões para representá-los. A crise, como bem diz Jane Bodine entre citações de Shan Tzu, Maquiavel e Warren Baty, tem sido sua marca, aquilo que ele está vendendo muito bem como o bem sucedido marketeiro que é. Tomara que seja apenas marketing, apenas uma imagem enganosa para garantir sua eleição, e que na prática as coisas sejam diferentes, tal qual acontece com Pedro Castillo na história.

Talvez esse discurso que a protagonista faz seja um excelente resumo do cenário político atual, e como a política nada mais é do que uma propaganda idealizada, enganosa e direcionada para o público que quer comprá-la sem questionar. Vence a embalagem mais adequada, e aquela direcionada pelas pesquisas de satisfação.

Analisado por esse ponto de vista e pelos poucos momentos em que o roteiro realmente questiona isso, o filme demonstra ter conteúdo e relevância, mas escorrega pelos dedos do diretor e do roteirista, que não quiseram ser mais duros e crus como a realidade para, talvez, conseguirem vender seu produto sem criar polêmicas. Mas nada disso ajudou. Se o filme tivesse um rumo mais realista e interessante, sem floreios ou excesso de tramas paralelas irrelevantes, dando foco unicamente ao jogo de interesses e falsas promessas que é a política, o filme teria fracassado comercialmente de cabeça erguida.

CONCLUSÃO...
Tem conteúdo relevante, mas escorregou pelos dedos do diretor e do roteirista. Poderia ter sido um filme muito mais interessante e uma importante referência ao cenário eleitoral norteamericano atual, mas se perde nas falsas intenções e na intenção de não ser polêmico para ser melhor aceito. Isso só provou que amenizar temas para ser mais vendável nem sempre funciona ou vale a pena. Mas política, propaganda e cinema são assim.

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