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sábado, 21 de novembro de 2015

BACK TO BASICS...

★★★★★★
Título: 007 Contra Spectre (Spectre)
Ano: 2015
Gênero: Ação
Classificação: 14 anos
Direção: Sam Mendes
Elenco: Daniel Craig, Christoph Waltz, Ralph Fiennes, Naomi Harris, Lea Seydoux, Monica Belucci
País: Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 148 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma organização terrorista espalhada pelo mundo faz 007 ter que confrontar seu maior desafio: o passado.

O QUE TENHO A DIZER...
A era de Daniel Craig deu uma renovada na série 007 além do profundo suspiro de novidade pra quem é fã (ou também pra quem não era). Ninguém imaginava em 2005/06 que Craig daria conta do recado como o agente britânico. Pelo contrário, imaginavam que ele não duraria mais que um filme, ou dois. Depois que Casino Royale (2006) foi lançado, até os "fãs xiitas" que criticaram a escolha do ator abaixaram as orelhas e aceitaram que, indiscutivelmente, a escolha havia sido certeira.

Craig não é bonito ou charmoso como Roger Moore ou Sean Connery, mas é expressivo, além do porte físico enganoso que, quando mascarado no smoking, aparenta ser um mirrado agente, e fora dele mostra que o porte atlético não é algo meramente estético, mas porque é um ágil combatente corpo a corpo, um perseguidor voraz, uma máquina humana bruta a favor de sua majestade.

Foi diferente de tudo aquilo que os 007's anteriores foram porque Bond não é mais mais um cara cheio de aparatos tecnológicos, mas um cara que consegue encarar a morte de frente e ainda surrá-la com suas próprias mãos. Foi como dar a Bond uma injeção de Jason Bourne, mas sem descaracterizá-lo.

Funcionou.

Depois de Casino a expectativa por Quantum Of Solace (2008) foi estrondosa, o que atrapalhou muito o desempenho do filme e também a compreensão do público de que ele era uma continuação direta de Casino, algo que nunca aconteceu na franquia que sempre tratou de suas continuações como filmes individuais.

Para a maioria das pessoas, Quantum falhou feio nas sequências de ação e na falta de um vilão realmente marcante. A proposta principal era dar maior ênfase às consequências psicológicas e ao abismo obscuro no qual o agente mergulhou depois da morte de Vesper Lynd. Esse foi um dos grandes méritos do filme e o mais ignorado pelo grande público, o que acabou assassinando a idéia da era Craig ser originalmente uma trilogia.

Por conta disso, a dúvida sobre o ator permanecer no papel voltou a pairar e os rumos da série ficaram incertos outra vez. Os produtores afirmaram categoricamente que Craig seria mantido, mas que a franquia voltaria a tomar novos rumos e a ter o formato de antes, ou seja, os filmes futuros não teriam mais qualquer conexão com os anteriores. E assim foi feito em Skyfall (2012), um dos mais elogiados e bem sucedidos filmes não apenas da nova safra, mas de toda a franquia. E embora ele seja recheado de referências, não há qualquer citação sobre Casino ou Quantum.

O diretor Sam Mendes, juntamente com os roteiristas, conseguiram levar o filme para outro nível e gênero. Repaginaram a série, ignoraram fatos anteriores e deram outra vez um ar de reboot na franquia. Deixou de ser simplesmente um filme de ação para se tornar um thriller psicológico denso e crescente que Quantum não conseguiu ser. Apresentando um personagem mais velhoe cansado, Bond se sentiu forçado a deixar a truculência de lado para abraçar o lado mais tático, menos impulsivo e tempestivo dos dois filmes anteriores. As limitações físicas que agora ele apresentava o obrigaram a deixar de ser um agente solitário e a confiar em uma equipe tal qual o que aconteceu com Ethan Hunt em Protocolo Fantasma (2011) ou com Batman, na série Cavaleiro das Trevas. Lançado no mesmo ano em que a franquia completaria 50 anos, Skyfall é um delírio de referências e já um clássico na série.

Óbvio que a expectativa por Spectre seria tão grande quanto foi por Quantum, tanto que Mendes foi novamente contratado como diretor, os roteiristas foram mantidos, Craig resolveu também apostar na co-produção e Sam Smith foi chamado para compor a música tema.

Só o longo plano sequência (sem cortes) que abre o filme durante um festival popular na Cidade do México já imprime bastante o estilo meticuloso de Mendes lidar com as surpresas, numa coreografia que me lembrou bastante o começo de Olhos de Serpente (Snake Eyes, 1998), de Brian De Palma, ou A Marca da Maldade (Touch Of Evil, 1958), de Orson Welles. Mas vale dizer que é a única sequência realmente ousada do diretor em todo o filme, diferente do anterior, que havia dezenas. 

Depois vem a sequência de explosões que levam Bond a cair direto em cima de um sofá, ou os absurdos acrobáticos com o helicoptero, cenas que deixam claro que Bond está novamente diferente, que o alívio cômico britâncio e sisudo, além das cenas absurdas e aceitáveis dentro do universo, tentam resgatar o delírio dos filmes mais clássicos da franquia e que sempre foram marcas registradas, mas que andavam um tanto adormecidas.

Mas é na abertura músical que a surpresa realmente acontece quando os filmes anteriores são citados em imagens como a de Vesper, dos vilões e de M.

Sim, os produtores enganaram todos muito bem, e o 24º filme não apenas é uma continuação direta de Skyfall como também a chave da era Craig e até mesmo de toda a série, como a encerrar um enorme ciclo que parecia sem fim. O resultado é que Spectre costura todos os recentes filmes, transformando-os em uma tetralogia muito bem esquematiza, dando sentido a eles e também aos quase 30 anos de James Bond no cinema. O argumento para tudo isso foi simples (claro que não irei dizer), nada muito mirabolante ou complexo, mas que funcionou no universo do espião.

Se Bond realmente existisse, poderíamos dizer que este é o seu filme mais pessoal, pois o silêncio sobre seus anos antes do Serviço Secreto finalmente é quebrado. A história demora para engatar e tudo novamente começa com Bond sendo repreendido por M devido a suas atitudes autônomas dentro do Serviço, fato de recorrência cliché, assim como também é cliché sabermos desde o começo que ele está certo. Sim, já estamos cansados dessa mesma praça e deste mesmo banco, tanto que até Bond desiste de argumentar. Mas agora o buraco é muito mais embaixo, um esquema terrorista mundial praticamente impossível de ser dissolvido, e só depois de uma hora um tanto monótona de filme é que tudo começa a tomar forma e ritmo.

Em Casino, Bond foi reapresentado como um brucutu que suava a camiseta e resolvia tudo na base da porrada, agora Bond é reapresentado em sua versão clássica, aquela em que, seja aterrisando de paraquedas no meio da rua, ou pulando de um prédio prestes a ser demolido, ele estará sempre com seu smoking impecável. E é exatamente o que acontece aqui. O personagem e o filme retomam todas as raízes clássicas. Os vilões caricatos com suas maneiras peculiares de eliminar suas vítimas, o Aston Martin equipado, o relógio multiuso para as situações extremas e o abandono da camiseta suja pela camisa engomada. Sim, o nosso Bond cresceu, e essa progressão do personagem de Casino até Spectre foi muito sutil e interessante. E é aí que o filme funciona muito bem.

Spectre está longe de superar Skyfall, podendo deixar aqueles que não esperavam uma continuação direta um pouco confusos. Para aqueles que se empolgaram com o formato bate-e-arrebenta de Bond, poderá sentir uma pontada de decepção com o retorno de Bond ao seu formato clássico, engomado e galanteador. Com um inimigo tão gigante quanto Spectre, tudo é resolvido muito simploriamente, e de complicado só fica a vida de Bond mais uma vez. As cenas de ação são bastante limitadas, dando espaço para um suspense que nunca atinge a mesma atmosfera apreensiva e naturalmente assustadora do filme anterior, o que diminui o impacto do vilão vivido por Christoph Waltz.

A cena em que Waltz aparece pela primeira vez, sob a sombra, numa crueldade de poucas palavras, consegue impactar, mas seu desenvolvimento perde a força, caindo numa caricatura quase Austin Powers. Principalmente na sequencia de tortura, em que o vilão começa a divagar sobre o procedimento até revelar sua verdadeira identidade. Tudo muito superficial, sem densidade além de um passado traumático. O engraçado é que esse tom caricato não é erro de Waltz, mas do roteiro que enfraquece porque Bond tem que lidar com tantas coisas que nem os quatro roteiristas conseguiram definir o foco.

O cliché romântico também volta com força total, além da sedução espontânea e esquecível com a personagem de Monica Belucci, que embora tenha sido uma sequência sutil e expressiva por mérito dos atores, é aleatória e fora de propósito. Depois temos Madeleine declarando seu amor por James depois de uma única tempestiva noite de amor. Tudo muito forçado, difícil de aceitar. De todas as bond girls que a série já apresentou, Madeleine pode até ser cativante nessa personalidade pseudo-frágil, duvidosa e rasa, mas a resolução da relação de ambos não foi convincente mais do que um caso do acaso. Não há uma química, uma parceria realmente impactante. Até na era Pierce Brosnam as personagens vividas por Michele Yeoh e Halle Berry, foram muito melhores e parceiras. Dessa vez parece desesperada, tanto pelo ponto de vista do personagem que sempre sofreu de solidão e agora precisa casar antes de ficar velho de vez, quanto pelo ponto de vista dos roteiristas que precisavam cativar o público com um ápice romântico na trama, um final feliz manjado e previsível para fazer jus aos clássicos e entregar para o personagem a única opção que sobrou.

De novo, não é um filme ruim, mas um filme feito às pressas, novamente pressionado pelas expectativas e pelo cronograma apertado. Ao mesmo tempo não deixa de ser, como disse um comentário que li, uma "carta de amor para toda a série", com cenas que não chegam a ser surpreendentes além da abertura sem cortes, pois todas são na verdade variantes e variáveis de filmes anteriores, apenas atualizadas, repaginadas e melhor produzidas. Não houve o mesmo cuidado e sutileza que em Skyfall porque a vontade de agora resgatar o antigo Bond é tão forte que Mendes voltou para a década de 70, realizando um filme de ação comum e repleto de absurdos que sempre fizeram parte do universo, mas que também jogaram fora, sem qualquer consideração, toda a aproximação do realismo construído por Martin Campel e Marc Forster em Casino e Quantum, respectivamente, e que funcionou tão bem.

CONCLUSÃO...
O título também reflete o que o filme é, um espectro do sucesso de Skyfall. Um filme que, sem dúvida, costura muito bem todos os últimos quatro filmes em uma tetralogia que não era esperada, ao mesmo tempo que justifica os quase 30 anos de Bond, fechando um ciclo e dando abertura para outro. Se este foi realmente o último filme de Daniel Craig, ele foi encerrado muito bem, mesmo que com falhas e superficialidade. Mas o resgate de Mendes ao mais clássico dos clássicos de Bond realmente jogaram fora todo o esforço de dar ao espião maior credibilidade com a aproximação mais realista que Casino e Quantum construíram. Apesar de tudo, dentro desses últimos quatro filmes, essa progressão de Bond da truculência ao refinamento, e esse retorno às origens (back to basics) foi bem feita e respeitosa, mas nada ousada. Apenas segura demais.

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