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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

AH-MAH-ZING!

★★★★★★★★★☆
Título: Happy Endings
Ano: 2011-2013
Gênero: Comédia
Classificação: 12 anos
Direção: Vários
Elenco: Elisa Coupe, Adam Pally, Elisha Cuthbert, Casey Wilson, Zachary Knighton, Damon Wayans Jr.
País: Estados Unidos
Duração: 28 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Seis amigos vivendo suas desventuras surreais da vida adulta em Chicago.

O QUE TENHO A DIZER...
Bem vindo a um dos melhores, mais injustiçados e mais desconhecidos seriados de comédia dos últimos anos. Tão desconhecido que até aqueles antenados em cinema e televisão pouco sabem do que se trata, e ao vê-lo disponível na lista do Netflix, pouco se interessam.

Recomendado por uma amiga que disse ser "bom pra relaxar e assistir antes de dormir", resolvi deixar meus preconceitos de lado e, com alguns anos de atraso, dar uma olhada, já que esta sitcom é um original da rede ABC, emissora conhecida por produzir seriados em um formato padronizado para conquistar as massas, recheando suas produções cômicas com os famosos "sacos de risadas" da platéia em estúdio, piadas pastelões, situações marcadas, personagens estereotipados e sonoplastia para cobrir buracos.

E acreditem, apesar de ser mais uma sitcom dessa que é uma das maiores emissoras abertas dos EUA, o seriado já surpreende por não ser exatamente assim.

Criado e escrito por David Caspe, tudo gira em torno de seis amigos que moram em Chicago. A série tem início a partir do momento em que Alex (Elisha Cuthbert) abandona Dave (Zachary Knighton) no altar. Ao contrário do que se imagina, esse acontecimento não será a trama principal como foi, por exemplo, o cansativo relacionamento entre Rachel e Ross em Friends (1994-2004), mas é o desastre que se torna a piada imperdoável mais recorrente na série. Além disso, diversas situações inusitadas serão construídas, algumas incrementadas com rápidos flashbacks para ilustrar mais ainda a comédia de absurdos que Caspe criou tão bem e que, vale dizer, são sempre hilárias.

A princípio o seriado sofreu muitas comparações com o falecido e intocável Friends, e assim como toda produção que marcou uma determinada época e se transformou em referência de um gênero ou de uma geração, qualquer outra que tente forjar o mesmo formato está fadada ao total fracasso. A crítica não foi muito positiva no começo, taxando-o como algo raso, dentro de um formato já cansado. Essa opinião mudou drasticamente conforme os episódios da primeira temporada seguiram, e o público finalmente entendeu o tom jocoso que se assemelha bastante ao surrealismo de Scrubs (2001-2010). Posteriormente, a crítica mudou de idéia, chegando a considerar a terceira temporada a melhor delas, justo quando acharam que a segunda já era insuperável.

Portanto, coincidentemente ou não, dizer que Happy Endings seja um Friends dentro do humor satírico e surreal de Scrubs, talvez seja a melhor maneira de resumidamente definí-lo, mas isso não o diminui e nem o limita. Pelo contrário, acabou construindo um universo único e até bastante original dentro da proposta.

Enquanto Friends lidava com o cotidiano dos protagonistas, Happy Endings lidou com situações aleatórias em um humor cartoonizado que deu capacidade infinita para explorarem seus personagens, suas relações e interações. Além do fato de que, pelos protagonistas serem fãs de filme e televisão (eles inclusive se conheceram em - acreditem - um reality show), o seriado também se torna uma grande celebração e uma engraçada homenagem a esse grandioso mundo do entretenimento, fazendo referências constantes a tudo que seja relacionado a isso, seja diretamente (como quando Dave está bêbado e chama cada um dos seus amigos pelo nome dos personagens de Friends), ou indiretamente (como quando Jane está em um casamento, vestindo um longo com uma fenda até a coxa, satirizando Angelina Jolie e seu modelito usado no Oscar 2012, que virou piada mundial na época).

Mesmo com uma base de fãs já consolidada e uma crítica bastante favorável, o seriado foi cancelado em 2013 por conta da perda de audiência sofrida devido às contantes mudanças de horário na grade da emissora. A própria ABC tentou, sem sucesso, vendê-lo para outras emissoras, mas nunca conseguiu chegar em um acordo com nenhuma delas. Em 2014 houve até um boato de que a Netflix estaria interessada, o que posteriormente foi desmentido, mas Caspe ainda é esperançoso de que o projeto tenha continuidade em algum futuro, em algum lugar. Ele também acredita que, na verdade, o seriado tenha sido cancelado por conta do excesso de piadas internas que surgiam na sala dos roteiristas e que eventualmente entravam no texto de alguma forma, o que acaba sendo inviável para uma emissora que busca sempre os melhores índices de audiência.

Mas as piadas internas não atrapalham, porque embora existam muitas delas feitas para poucas pessoas, os episódios são recheados de piadas universais. O que realmente atrapalha é a tradução para aqueles que não entendem a língua e dependem da versão dublada ou legendada. Muitas das piadas e referências são perdidas no processo porque são feitas em cima de imitações, trocadilhos (como o próprio nome do caminhão de lanches de Dave, "Stake Me Home") e neologismos exagerados (como a bíblia de mentiras de Penny, sua "Blieble"), coisas que não possuem traduções literais, além das referências que nem mesmo os mais cinéfilos dos cinéfilos conseguiriam compreender facilmente sem o Google ou um almanaque do lado. Exemplos disso é quando Penny (Casey Wilson) sofre um acidende e é mantida em cárcere privado por Max (Adam Pally), em sátira direta ao filme Louca Obsessão (1990), no qual a personagem de Kathy Bates quebra as pernas de um escritor do qual é fã para obrigá-lo a reescrever o fim da protagonista de seus livros, chamada Misery (que também é o nome original do filme). Daí quando Penny diz: "Max is Misery-ing me!", que na verdade, nessa única frase, significa que Max está fazendo com ela o mesmo que Kathy Bates fez no filme baseado no livro de Stephen King. Ou em outra situação, quando Alex não quer sair da televisão para seus amigos assistirem ao jogo, fazendo um trocadilho com os filmes de Liam Neeson, Taken e Taken 2. Excelentes piadas infames que se perdem na tradução, assim como dezenas de outras.

Então, para aqueles que conseguem compreender a língua, sem dúvida o seriado atingirá outro nível e será muito mais divertido do que é, e muito mais ainda se for uma pessoa antenada no entretenimento.

Mesmo os episódios não terem histórias consistentes, o humor é sagaz e certeiro, pois como dito, é uma comédia de situações absurdas, e as piadas são construídas em cima delas, abusando no humor físico dos personagens, transformando-os em caricaturas de si mesmos. Todos sabemos que fazer humor é difícil, e principalmente no caso de Happy Endings, cujo humor é muito mais físico que verbal, seria fácil o desastre ocorrer a qualquer momento. Se no humor verbal um erro acontece no processo, ele pode ser rapidamente consertado se o ator tiver destreza e técnica suficiente pra isso (como acontece bastante em stand up). Mas no humor físico, se um erro ocorre e tenta ser consertado, o pastelão nasce e a piada morre.

Como já dizia a personagem Valerie Cherish no seriado The Comeback, fazer humor físico é difícil e só deve ser feito pelos experientes, por isso que ela fazia (ha ha!). E a experiência aqui é notada por todos os lados, e até mesmo em situações clichés como tombos, cabeçadas, tropeços e pancadas, nada soa pastelão dentro do contexto, conseguindo ser genuínas e até extensões da personalidade peculiar de cada um deles.

Nada disso seria possível se o texto e as atuações não fossem pontuais como são. Claro que a edição ajuda, mas ela não é milagrosa se a interação entre os atores e o roteiro não funcionasse. É óbvio que alguns personagens são mais interessantes que os outros, uns muito mais engraçados e caricatos que outros, mas isso tudo é proposital para que os mais fortes engrandeçam os mais fracos, os mais fracos amenizem os mais fortes, e cada um deles tenham momentos para se desenvolverem sozinhos, dando o equilibrio que essencialmente traz essa sinergia entre todos. E mesmo quando é óbvia a formação dos pares, como é entre Alex e Dave, Jane e Brad e entre Penny e Max, há momentos de sobra para todos se misturarem, até mesmo aqueles que pouco fazem isso, como no episódio em que Alex e Brad se esforçam para desenvolver um assunto sozinhos.

Há diversos fatores que fazem essa química entre eles ser tão forte, a começar pela fraternidade incondicional entre eles e a moral sempre existente de que, não importa as diferenças existentes, todos se respeitam em suas virtudes e defeitos, o que abre espaço, inclusive, para questionamentos sociais. Como o fato de Max ser gay, mas completamente rude e fora de qualquer estereótipo, sendo inclusive o mais machão e machista de toda a turma, e Brad, mesmo heterossexual e casado com Jane, ser o mais afeminado deles, ou Dave ser o mais romântico e sentimental, além de Jane revelar posteriormente sua bissexualidade. Isso demonstra que, apesar de serem caricatos, eles não são estereotipados, como acontece no episódio em que Alex tenta provar (e prova) que não é uma loira burra, ou Penny, que mesmo sendo conhecida como a "cabeçuda" e mais aérea da turma, é a mais bem sucedida profissionalmente.

Portanto, Happy Endings pode não ter história ou fazer sentido algum, mas tem excelentes momentos hilários e memoráveis, de fazer qualquer um apertar o botão do controle sem parar para ver uma mesma cena outra e outra vez. E acreditem, haverão muitos momentos para se fazer isso em quase todos os episódios. Acima de tudo, é um humor simples, despretencioso, feito para dar risada sem compromisso, onde todos episódios acabam bem, como o seu título promete.

De fato é um excelente seriado para relaxar antes de dormir, mas não por ser banal, mas porque seu humor faz bem e nos prepara para a melhor parte do fim de um dia.

CONCLUSÃO...
Com um humor satírico e surrealista parecido com o de Scrubs, e com uma sinergia do elenco similar ao de Friends, esse seriado consegue não precisar de história para ser cativante e construir um humor único, cheio de referências e situações memoráveis, com piadas muito mais inteligentes do que aparenta na superficialidade. Há humor para todos os gostos, desde aqueles que gostam de algo mais previsível e comum, até aqueles que gostam de algo mais indireto e implícito. Não importa, o que importa é que, para aqueles que não conhecem, já passou da hora de conhecer, apreciar, e chorar por ser apenas três temporadas e torcer para que um dia eles voltem, já que Caspe informou que, embora ela tenha sido cancelada, a idéia de dar continuidade prevalece.

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