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quarta-feira, 10 de junho de 2015

TIREM AS CRIANÇAS DA SALA...

★★★★★★
Título: Sense8
Ano: 2015
Gênero: Drama, Ficção, Ação
Classificação: 16 anos
Direção: Andy e Lana Wachowski (The Wachowskis)
Elenco: Miguel Angel Silvestre, Doona Bae, Jamie Clayton, Tina Desai, Brian J. Smith, Tuppence Middleton, Max Riemelt, Aml Ameen
País: Estados Unidos
Duração: 50 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
8 pessoas de diferentes partes do mundo se veem conectadas umas às outras por um evento em comum.

O QUE TENHO A DIZER...
Quando os irmãos Lana e Andy Wachowski estouraram no cenário cinematográfico em 1999 com Matrix (na época Lana ainda era Larry), os dois automaticamente foram para o topo da lista dos diretores e roteiristas mais cobiçados e promissores de Hollywood, e o esforço hercúleo de se manterem no cenário cult deu a eles um peso de responsabilidade em que a ambição atrapalhou significativamente todo e qualquer processo criativo.

A bagunça organizada de Matrix transformou os Wachowskis em referência da cultura pop, e o exagero se tornou marca registrada da dupla, mas que nunca atingiu o mesmo patamar em suas produções posteriores, inclusive dentro das duas sequências da própria trilogia que os definiram.

Os subsequentes fracassos pós-Matrix culminou no recente O Destino de Jupiter (Jupiter Ascending, 2015), tão mal elaborado e feito quanto seu antecessor, A Viagem (Cloud Atlas, 2012), este ultimo que, de tão exagerado, tinha até mais um par de mãos do diretor Tom Tykwer para ajudá-los, e mesmo assim não conseguiu retirar mais do que bocejos da platéia. Pois é... inacreditável. O orçamento dos dois filmes supera o patamar dos US$250 milhões, e os dois juntos arrecadaram pelo mundo um pouco mais de US$300 milhões. Conseguiram se pagar com dificuldade, mas de longe não valem o custo que tiveram.

A trajetória dos diretores é baseada em épicos visuais, onde utilizam o exagero de personagens, tramas e efeitos para impressionar e dar um teor complexo que desvia a atenção do roteiro oco, com histórias inconsistentes que impressionam apenas aquele grupo de fãs xiitas que nunca enxergam defeitos, por mais evidentes que sejam.

Embora saibam criar imagens deslumbrantes e sequências visuais de tirar o fôlego, os Wachowkskis nunca souberam contar uma boa história (além do já mencionado e único grande sucesso) porque eles mesmos se perdem em tanta complexidade desnecessária.

E Sense8 não poderia ser diferente.

Ao contrário do que se pensa, não é um seriado de ação. É muito mais uma ficção dramática com pitadas de suspense e alguns raros momentos de ação que aumentam gradativamente mais para os últimos episódios. O primeiro episódio apresenta cada um dos oito personagens que vivem em lugares distintos do mundo, mas por alguma razão inexplicável (e que nem vale a pena tentar supor), eles conseguem literalmente sentir e acessar a consciência uns dos outros, pois o "sistema" é uma via de mão dupla. Sentem, ouvem e vivenciam o que cada um passa, bem como também possuem a capacidade de absorver os conhecimentos e habilidades particulares de cada um. O grande problema é que, por trás de heróis, sempre existe um grande vilão, e o vilão aqui se chama Whispers.

Whispers é aquele tipo de vilão que pouco aparece e pouco se sabe, mas já causa medo mesmo assim. A função dele na história é, em resumo, caçar sensates, e basta olhar nos olhos apenas de um deles para descobrir onde estão todos os outros do grupo.

Até parece Matrix, e o Sr. Smith. Sim... o seriado é cheio de referências aos próprio Wachowskis do começo ao fim. E não falo apenas de suas produções, mas da maneira como eles pensam sobre a sociedade como um todo, da liberdade sexual, da igualdade de gêneros e da necessidade que ignoramos de indivíduos trabalharem juntos, como uma unidade, o que sempre fez parte das características narrativas de suas produções.

A narrativa, a princípio, tenta fazer uma mistura entre os diferentes cenários para tentar passar essa sensação de conexão entre os protagonistas. Algumas vezes funciona, outras não. Mas com o passar dos episódios essa transição deixa de ser menos didática para mais sensorial, principalmente no episódio em que a personagem Nomi precisa fugir e pede ajuda, ou quando a maioria deles tem um momento de sincronia sexual e se transforma em uma das cenas mais luxuriosas, prazerosas e visualmente eróticas que algum seriado já ousou fazer. Um momento que definitivamente irá atingir os medos e anseios dos mais conservadores dos homens na Terra.

Aliás, se prepare, porque vai ter muita cena de sexo de tudo que é tipo imaginável, muita nudez, muita mulher pagando peitinho e genitais masculinas balançando por aí. Situações que a gente sabe que são para chocar e atrair atenção, indo para a apelação carnal tanto quanto fazia True Blood, mas a diferença aqui é que, enquanto em True Blood tudo era sujo, meramente apelativo e gratuito, os Watchowskis sabem fazer belas imagens até mesmo das coisas mais banais, e a maneira como essas cenas são montadas e postas nos episódios realmente conseguem ter uma sensualidade bastante particular e coerente no contexto da história. Sensualidade e sensibilidade, diga-se de passagem.

Numa época em que o conservadorismo novamente aflora com força no Brasil pelo crescimento de grupos moralistas, conservadores e hipócritas, esse seriado definitivamente é para essas pessoas que, ou irão entrar na onda do boicote, ou irão assistir trancados no quarto, com a luz apagada e no volume mínimo para ninguém descobrir. E vão gostar. O que é muito mais provável.

O projeto ambicioso foi filmado em oito lugares distintos no mundo, tanto que, no final da produção, a equipe de filmagem já havia acumulado mais de 160.000km de vôo. Capacidade para dar 4 voltas ao mundo. Cada uma das locações teve cenas filmadas por diretores diferentes, incluindo novamente o próprio Tom Tykwer, que também assina a trilha sonora junto com seu amigo e colaborador Johnny Klimek, algo em que, deve-se admitir, são bons nisso por natureza desde o primeiro filme de Tykwer, o clássico Corra Lola, Corra (Run Lola, Run, 1998).

Por essas razões temos a sensação de diferentes estilos em alguns episódios, mas que não atrapalha. Pelo contrário, o estilo particular de cada um deles parece ter encontrado uma linguagem unica que oferece um senso de linearidade, apesar de tudo. Uma simbiose interessante que tem tudo a ver com a proposta do seriado. É o trabalho em conjunto, como os Wachowskis gostam.

Mas será que era necessário tanta coisa junta nessa escala? Acredito que não. Muitos personagens, muitas histórias paralelas, muitos lugares distintos e muitos acontecimentos impressionam, mas não é consistente como seria se tudo acontecesse dentro de um raio menor, ou com um menor número de personagens. Portanto, o senso de qualidade da série que se constrói vem muito mais afogada neste grande leque de deslumbres e exageros do que da própria história. São tantos fatores que dispersam a atenção aos defeitos que muita gente vai bater o pé em dizer que a nova produção dos irmãos é a melhor da temporada. O que não é. Mas também não é de se jogar fora nenhum pouco, valendo até dizer que, depois de Matrix, este talvez tenha sido o único tiro certeiro que os irmãos tiveram em todos esses anos.

As atuações são, em sua maioria, boas, mas as histórias não possuem uma densidade que realmente saia do status quo ou que seja tão revolucionária da forma como a produção foi promovida. Demora para que o interesse pelos personagens cresça e a empatia aconteça, assim como demora muito para eles finalmente interagirem entre si e criar essa gostosa e assustadora sensação de dependência um do outro, como um Friends da ficção científica. A atenção dada a uns personagens é maior do a outros e muitas vezes não há nada de diferente daquilo que qualquer outro seriado envolvendo um grupo de pessoas com habilidades únicas não tenha feito antes. Personagens com dramas pessoais ou familiares paralelos, flashbacks para contar suas histórias particulares, e cenas clichés que abusam do drama e de frases batidas.

Mas se tem uma coisa até muito interessante é essa abordagem pluralista, em tentar desenvolver bem cada um dos personagens a partir de suas culturas, por mais fantasiosas que elas possam ser, como na cena bollywoodiana do segundo episódio, desnecessária, mas ainda bonitinha e inusitada que muito tem a ver com a cultura pop indiana.

Os Wachowskis são bibliotecas ambulantes da cultura pop e eles utilizam esse extenso banco de dados sem vergonha ou medo algum aqui. Cabelos coloridos, roupas personalizadas, personagens com atitudes descoladas, cultura underground e linguagem popular. Por mais defeitos que venha a ter, não há como não se sentir atraído e perceber que Andy e Lana se deram muito melhor no formato televisivo do que nos quase 20 anos de experiência no cinema, porque no formato sequencial eles tem onde encaixar os exageros sem pressa. Também não há como não se sentir atraído pelos dramas dos personagens. Chega um ponto em que parece que eles disputam entre si quem tem a maior trajédia, pois são tão trágicas que Shakespeare teria inveja. Por conta disso o drama é muito bem acentuado nesses momentos, e chega a ser até genuíno de tão bem elaborados dentro da história.

Como um todo, a experiência é gratificante. Sabemos que os personagens são assim e pouco nos interessa o motivo, porque o circo que acontece em volta de cada um deles é muito bem armado. E o melhor de tudo é que o final é satisfatório, nada daquela sensação de ter sido enganado por 12 episódios, podendo ser tanto uma conclusão como uma ponta solta para uma segunda temporada.

A produção deixa clara também que ela pode, sim, ter personagens que fujam de estereótipos comuns, e que histórias não precisam ser feitas de maneira convencional, com personagens convencionais, heterossexualizados e apaixonados para ser um bom entretenimento. O primeiro episódio, que se passa durante uma Parada do Orgulho GLBT, a situação deixa bastante evidente que o seriado não se importará com a relação entre gêneros e suas orientações. Lana e Andy conseguem usar a fantasia a seu favor para levarem essas mensagens sem atingir os ânimos preconceituosos, e isso é sempre válido. Na verdade, dentro do contexto do seriado, e que fica bastante evidente nos episódios seguintes, é que todos os 8 personagens principais deixam de ter uma sexualidade definida por conta da abrangente experiência que todos passam a ter. Como definiu Lana Wachowski, todos eles são "pansexuais".

E dentro de dramas, descobertas, algumas pitadas de humor e últimos episódios bastante eletrizantes, os Wachowski voltaram à forma.

Difícil entender? Então assista. Será mais fácil.

CONCLUSÃO...
Exagerado e exagerado. É a definição. Mas apesar disso tudo, a produção consegue chamar a atenção. Mesmo que demore, os personagens se tornam cativantes no decorrer dos episódios dentro de uma pluralidade social e sexual que vem muito bem a calhar numa época em que o falso moralismo e a hipocrisia estão tomando dimensões assustadoras. É Lana e Andy Wachowski atraindo a atenção em diferentes níveis sensoriais, com imagens deslumbrantes e eróticas que conseguem pular fora da tela. E como sempre, tudo isso chama mais atenção do que a própria história. Poderia ser um defeito no cinema, como é recorrente nos seus filmes, mas na televisão a proposta toda funciona muito bem.

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