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terça-feira, 9 de junho de 2015

SABOREAR COM OS OLHOS...

★★★★★★★★★☆
Título: Chef's Table
Ano: 2015
Gênero: Documentário
Classificação: Livre
Direção: David Gelb
Elenco: Massimo Bottura, Dan Barber, Francis Mallmann, Niki Nakayama, Ben Shewry, Magnus Nilsson
País: Estados Unidos
Duração: 50 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Documentário em seis episódios focado, cada um deles, em um renomado Chef da gastronomia contemporânea pelo mundo.

O QUE TENHO A DIZER...
Se existe uma série original da Netflix em 2015, e que seja realmente boa, verdadeira, humana e naturalmente sentimental, Chef's Table é o nome.

Criado e dirigido por David Gelb, o cineasta já tinha feito um trabalho similar em um documentário em longa metragem sobre o sushi master Jiro Ono, em 2011. Ao contrário dos incontáveis reality shows culinários, a aposta do Netflix foi nadar contra a maré e não ir em busca de um novo destaque, mas descobrir o que fez de seis, dentre os mais renomados Chefs do mundo, personagens fundamentais da gastronomia contemporânea.

São eles:
-O italiano Massimo Bottura, dono do Osteria Francescana, cuja inspiração é (obviamente) a culinária italiana, porém relida para que sua arte e seu sabor fossem intensificados, algo que ele acreditava não ser possível na sua forma mais tradicional, decisão que conflituou diretamente com a cultura regionalista.
-O norteamericano Dan Barber, dono do Blue Hill, que se transformou acidentalmente em agricultor por conta de suas pesquisas e trabalhos na intenção de intensificar os sabores naturais de seus ingredientes e, consequentemente, de seus pratos.
-O argentino Francis Mallmann, especializado na cozinha francesa e dono de três restaurantes, que passa a maior parte de seu tempo livre em sua casa de campo na Patagônia, onde cresceu no meio do aroma da comida feita à lenha e da fuligem que as envolvia, situação que definiu totalmente seu estilo culinário.
-A japonesa Niki Nakayama, dona do N/Naka, que além de pratos autorais, monta verdadeiras obras de arte que fazem releitura de conceitos tradicionais japoneses, tendo como meta nunca repetir o mesmo prato para seus clientes.
-O neozeolandes Ben Shewry, dono do restaurante Attica, que se sentiu obrigado a desenvolver (e por assim descobrir) suas habilidades criativas para sobreviver no mercado, que também teve que trazer à tona suas experiências de vida mais marcantes para aflorar sua essência e característica.
-O sueco Magnus Nilsson, dono do Fäviken, que tem como inspiração a cultura viking, mostrando através da inigualável mistura de textura e sabores que existe delicadeza dentro desta cultura nórdica.

Os episódios começam com um relato breve sobre um fato marcante na vida de cada um, e logo em seguida agudos de violinos introduzem o sentimento de suspense e a apreensão que se tem ao entrar em uma cozinha, a meticulosidade na sua preparação ao solo do violoncello e o caos que toda essa organização de repente se transforma para gerar uma experiência única, tudo em perfeita sincronia com as notas de Inverno, das Quatro Estações de Vivaldi.

No decorrer dos seis episódios e na vida individual de cada Chef, há muitas diferenças de estilo. Ao mesmo tempo há incontáveis semelhanças nas experiências de vida e nos interesses de cada um na hora de elaborarem seus suntuosos pratos, sejam eles autorais ou não. O fator mais interessante desta série documentada é que não há sensacionalismo ou elementos tendenciosos. A impecável produção foca exclusivamente na narrativa feita pelos próprios protagonistas das histórias. As belíssimas imagens guiadas pela música clássica reorquestrada são ambas tão meticulosamente escolhidas quanto o menu de cada um deles, e não apenas ilustram as palavras como realmente nos colocam na mesa do Chef, em uma situação bastante íntima e particular, como uma sequência de pratos poderia ser. E através das imagens orquestradas, saboreamos cada um dos pratos através das histórias únicas, e a visualisamos como jóias raras.

Declarações como a de Massimo Bottura, sobre como ele solucionou o problema de uma queijaria em 2012, depois de um desastroso terremoto em Módena, sua terra natal, ou de como um acidente na cozinha que trabalhava se transformou em um dos seus mais famosos pratos; a visão poética de Francis Mallman sobre a vida e a morte e o respeito que ele cultiva em suas relações; o esforço diário e a determinação oriental de Nakayama em sobrepor seus talentos ao machismo latente; a busca pelos ingredientes perfeitos e a maneira mais tradicional e primitiva de produzí-los, como fazem Barber, Shewry ou Nilsson... tudo isso demonstra, acima de tudo, o respeito pelas suas histórias e tradições. Respeito aos ingredientes, aos pratos e da construção da memória palativa no sentido mais alquimista possível. Mostra também que culinária é uma arte, e por mais cliche que esta afirmação possa parecer, é através dessas histórias que temos apenas uma pequena fração da profundidade desta afirmação e das delicadas especialidades de cada um, como, por exemplo, a razão de Mallmann ter como característica em seus pratos superfícies com texturas queimadas, torradas, crocantes e sabores defumados, talvez o exemplo máximo do que significa o resgate da memória através dos sabores, e como nossas experiências de vida mais antigas são as que mais nos definem naquilo que fazemos. Sabores que identificam lembranças, lembranças estas que existem e se manifestam de alguma forma, pois sempre buscamos resgatá-las.

CONCLUSÃO...
Chef's Table não é um reality show e muito menos um documentário sobre comida, mas um material muito bem executado sobre como a culinária pode se tornar uma expressão artística de profunda humanidade e respeito, mostrando que o indivíduo é aquilo que ele come, e o que ele come é aquilo que se cultiva. Também é uma oportunidade de mostrar as diferenças entre o gourmet e o tradicional e que a gastronomia elaborada por essas pessoas são impressões artísticas através do paladar para saciar a vontade por experiências, e não a fome de simplesmente comer.

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