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terça-feira, 2 de junho de 2015

MEXIDO, MAS NÃO BATIDO...

★★★★★★★★
Título: The Returned
Ano: 2015
Gênero: Drama, Suspense, Terror
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Mark Pellegrino, Jeremy Sisto, Tandi Wright, India Ennenga, Sophie Lowe, Mary Elizabeth Winstead, Michelle Forbes
País: Estados Unidos
Duração: 43 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Uma pequena e pacata cidade entra em caos quando vários moradores dados como mortos retornam sem saber que haviam morrido.

O QUE TENHO A DIZER...
O choque já começa logo nos primeiros minutos do primeiro episódio, em um flashback de quatro anos antes, quando um ônibus escolar, lotado de crianças e adolescentes, cai de um penhasco. Ao retomar a narrativa para os dias atuais, vemos as mãos de Camille (India Ennenga) escalando uma grade de segurança, como a sair de sua própria cova rasa. Ela está intacta, com as mesmas roupas de quando embarcou no ônibus que colocaria não um ponto final em sua vida, mas uma grande vírgula, cheia de reticências.

Camille caminha por horas pelas estradas que cortam as Florestas Boreais que apenas o Canadá poderia oferecer, já que Vancouver é o cenário utilizado para retratar a pequena e pacata cidade fictícia chamada Caldwell. Em meio a uma neblina fantasmagórica, ela finalmente chega em sua casa. Ao ouvir barulhos no andar de baixo, sua mãe, Claire (Tandi Wright), desce para verificar. Ela encontra Camille devorando um enorme lanche na cozinha, reclamando da peregrinação que fez. O momento não consegue ser tão impactante como deveria, talvez por que Tandi Wright não tenha conseguido expressar muito bem o misto de espanto, surpresa, felicidade, esperança e uma pitada de horror por uma situação inexplicável que a personagem presenciava, mas o espectador consegue complementar em sua própria imaginação o verdadeiro misto de sensações. Realmente não haveria reação. O catatonismo seria a única resposta para um acontecimento sobrehumano a poucos passos de distância. Camille, surpresa pela afonia de sua mãe, pergunta se está tudo bem, sem ter a mínima noção de que estava morta há tanto tempo e que a poucos minutos antes sua mãe rezava e lamentava sua morte em um altar improvisado.

Sim, é dessa forma um tanto sombria e que vagamente nos remete ao Cemitério Maldito, de Stephen King, que The Returned cumpre o que propõe: ser um seriado dramático de horror e mistério que deixará todos curiosos demais para saber o que realmente aconteceu, no famoso estilo Lost de ser. Troca-se a ilha por uma cidade, e temos Caldwell, tão pacata e comum quanto Chester's Mill, de Under The Dome (também de Stephen King), e com uma população tão interiorana e conservadora como Bon Temps, de True Blood. Até o bar local, chamado DogStar, chega a ser um coadjuvante bastante presente tanto quanto o bar Merlotte's, do falecido seriado vampiresco da HBO. E os personagens ressucitados seriam, digamos, uma versão limpinha, educada e "vegetariana" dos zumbis de George Romero.

Com tantas referências assim, fica difícil saber se são propositais ou não, mas fica bem evidente que o seriado é uma colcha de retalhos de várias fórmulas que deram certo por aí, seja na literatura fantástica, seja na televisão. Até porque, embora ele seja apresentado como uma série original da Netflix, os dez episódios desta primeira temporada são refilmagens do seriado francês Les Revenants, que por sua vez é baseado em um filme de 2004 que leva o mesmo título. O seriado francês foi escrito por Robin Campillo, o próprio roteirista do filme, o qual curiosamente também assina a versão norteamericana. Ou seja, mesmo sem assistir a versão original francesa, supõe-se que o remake não apenas agrade o gosto exigente e preguiçoso dos norteamericanos que detestam legendas, como também consiga ser o mais fiel possível de seu irmão mais velho francês. E é exatamente isso o que se lê na maioria das críticas favoráveis por aí, de que apesar de algumas poucas e sutis mudanças, ambas versões são bastante próximas. Enquanto as críticas mais negativas se limitam a pessoas que provavelmente assistiram apenas o episódio piloto e julgaram ter sido o necessário. E devo dizer: não é.

Dentre erros e acertos das produções que o Netflix tem lançado esse ano, The Returned é uma das poucas agradáveis até o momento dentro deste gênero, ao contrário do infame e desnecessário Between, que também narra um mistério em torno de um grupo de pessoas isoladas em uma pacata cidade, uma cópia descarada e muito mais inferior de Under The Dome.

Mesmo sendo essa mexido de fórmulas já usadas anteriormente, The Returned consegue dar um acabamento final interessante, e ao invés daquela sensação batida de já termos assistido algo parecido antes, as situações semelhantes soam mais como referências muito bem usadas e reformuladas para a proposta da história. É fato que a produção não chega a ter o mesmo valor cinematográfico agregado a Demolidor, mas é muito bem feito mesmo assim. Muito bem filmado, editado e continuado, é mais comum ver acertos do que erros, algo difícil em produções menores como essa. Até porque o grande trunfo de tudo são as atuações, que em sua grande maioria são convincentes, tanto por veteranos pouco conhecidos, como pelos mais novatos que não deixam nada a dever.

A história flui como deve, e aos poucos as tramas e os mistérios se revelam de forma bastante fluida e inesperada. Inesperada não no sentido de surpresa imediata, mas de algo construído gradativamente. Nada daquelas situações manjadas de "hoje será o episódio de tal revelação", pelo contrário, todo episódio revela peças chaves do quebra cabeça, seja através da sutileza da narrativa atual, seja através da objetividade dos flashbacks. E tudo muito bem costurado para descobrirmos as demais camadas e a natureza dos personagens, tanto que cada episódio leva o nome de um deles.

Sem dar explicações óbvias, a história se utiliza de preceitos religiosos e até míticos para fundamentar algumas pontas soltas, fazendo aquilo que poucos seriados conseguem com efetividade: gerar comentários e teorias. Outros seriados, como Arquivo X, ou até o já citado Lost, conseguiram o mesmo, mas aqui a situação tem um tom mais palpável por conta da efetividade do roteiro e de seu desenvolvimento humano dentro de toda essa fantasia. Nada de clichés exagerados, nada de situações muito forçadas. Todos personagens lidam com medos, fraquezas, angustias e tristezas humanas, e todos possuem objetivos definidos. Dessa forma o espectador percebe o cenário se inverter sutilmente, e aqueles personagens que acreditávamos ter razão, deixam de tê-la, enquanto os que pareciam não ter, se fortalecem. Nada maniqueísta demais, nada de vilões ou mocinhos, apenas personagens que acreditam nas suas próprias razões e motivos, e uma construção bem interessante em cima da velha idéia de que devemos ter mais medo dos vivos do que dos mortos.

Não é um seriado perfeito, e nem redondo, porque deixou um final aberto para uma provável segunda temporada (o original francês terá sua segunda temporada ainda este ano), mas é a subida da montanha russa e a visão panorâmica antes da queda, conseguindo ser acima da média e que merece a chance de ser assistido. Resta agora saber se esta versão também terá uma segunda temporada. A única coisa que se sabe é que a primeira temporada seria fiel ao original, mas caso seja renovado para temporadas seguintes, seguirá um direcionamento completamente diferente.

CONCLUSÃO...
Dentre os atuais seriados produzidos pelo Netflix lançados esse ano até o momento, este figura na lista dos que merecem atenção. Sabe-se que Estados Unidos adora produzir remakes desnecessários, que pecam por deturpar as produções originais, resultando em produtos inferiores e esquecíveis. Por um milagre, não é o caso deste seriado. Sendo ou não sendo melhor que o original francês, The Returned cumpre o que promete dentro do gênero. Mas com tantas boas qualidades técnicas, seria difícil dar totalmente errado.

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