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quinta-feira, 28 de maio de 2015

VAMOS JOGAR UM JOGO...

★★★★★★★
Título: O Jogo da Imitação (The Imitation Game)
Ano: 2014
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Morten Tyldum
Elenco: Benedict Cumberbatch, Keira Knightley, Matthew Goode, Mark Strong, Charles Dance
País: Reino Unido, Estados Unidos
Duração: 114 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um matemático, suposto ser o melhor do mundo, é contratado pela inteligência britânica para integrar uma equipe delegada a descobrir como decodificar as mensagens criptografadas pelos nazistas durante a segunda guerra.

O QUE TENHO A DIZER...
No começo do filme, Alan Turing, interpretado por Benedict Cumberbatch, diz que falamos coisas enquanto pensamos outras na intenção de que os outros adivinhem o que realmente queremos dizer, e que ele simplesmente não consegue entender esta linguagem confusa. Essa idéia se repete na segunda metade do filme, quando Alan observa seu colega de trabalho decifrar os "códigos" e a "linguagem corporal" da garota com quem flerta, enquanto era muito mais fácil algum dos dois se dirigir diretamente ao outro e colocar claramente suas intenções. É o significante e o significado. As dificuldade de Alan em compreender as manobras linguísticas que o ser humano utiliza para driblar a verdade ou a literalidade justificam a grande facilidade e preferência que ele tinha com números e letras, pois a linguagem com estes símbolos é clara e óbvia.

A maneira um tanto filosófica como este pensamento é posto no filme, além de ser uma das poucas em que funciona como uma ação de efeito sem parecer forçada ou cliché, também encaixa-se perfeitamente no contexto lógico do matemático, resumindo perfeitamente a maneira simples e primitiva como as máquinas "pensam", que embora primitiva, ainda é a forma como elas são construídas até hoje. Tanto é assim que um computador não consegue entender um comando caso ele não seja executado com precisão. Até mesmo os complexos códigos binários dos serviços de busca, como o Google, não retornarão informações precisas caso não sejam solicitadas buscas da maneira correta. É assim como Alan se comporta quando seus colegas indiretamente o convidam para lanchar, pois dizer que irão lanchar é diferente de convidar para lanchar e dizer para alguém que está com fome é diferente de perguntar se está com fome.

O título se refere ao famoso Teste de Turing, teste o qual todo o recente filme Ex_Machina (2015) é baseado e brilhantemente executado, comentado no post anterior. Neste teste, um humano deve interagir com uma fonte de inteligência e depois avaliar se era uma máquina ou um humano. Ele é positivo se a pessoa considerar que a interação foi humana quando, na realidade, ela foi artificial.

Apesar do filme tratar desse tema, ele não é tecnológico como o filme de Alex Garland, pelo contrário. Até porque a história se passa na década de 40, época em que a máquina decodificadora projetada por Turing foi o primeiro esboço daquilo que viria a ser os computadores. O fato é que o roteiro de Graham Moore, baseado no livro de Andrew Hodges, irá tratar muito mais da humanidade que se perdeu há muito tempo e deste grande e complexo sistema chamado comunicação.

A dificuldade de Alan de se comunicar e de explicar em palavras suas idéias é o que gera repulsa e desconfiança por parte de seus superiores e demais colegas, mas ninguém tentou compreendê-lo da forma como ele realmente é, com excessão de Joan Clarke, interpretada decentemente por Keira Knightley. É no momento que ela o ensina a ser mais simpático e carismático, como a política social convencional manda, que os demais personagens percebem que Alan não é um monstro arrogante e egocêntrico como acreditavam, mas um ser humano excêntrico, com uma cabeça que se organiza de forma confusa e compreende as coisas de maneira bastante particular, simples e até primitiva, como sua máquina, o que o caracteriza como um ser humano genuinamente ingênuo e fará com que muitas pessoas se aproveitem disso.

Esse "jogo da imitação" terá vários significados no filme, desde a interação entre Alan e as outras pessoas, assim como dele mesmo com a própria máquina que criou. Enquanto a maioria dos demais personagens tratam Alan como uma máquina ou um objeto, ele por sua vez tratará sua máquina como uma pessoa. A máquina se chamará Christopher, em referência ao primeiro grande amor do personagem. Esta construção feita por Moore é um dos pontos mais altos do filme e que, assim como em Ex_Machina, indiretamente nos mostra que o teste inventado por Turing chega a ser positivo até mesmo para ele, o próprio criador.

A fidedignidade do filme com a história real é bastante falha e controversa. Obviamente houve uma dramatização muito maior tanto na esquizitice do personagem quanto de sua relação com Joan. Além dos fatos não terem ocorrido na cronologia histórica correta. Há também erros científicos como a programação da máquina pela busca de palavras chaves ter ocorrido depois que ela já estava em funcionamento. Na realidade, a máquina desenhada por Alan, bem como qualquer processo de decodificação, necessita obrigatoriamente de simbolos chaves comuns para que o processo seja bem sucedido. O filme também mostra um Alan Turing com claros sinais de Asperger, um tipo de autismo, quando fontes próximas ao verdadeiro Alan informaram que, embora ele tenha sido uma pessoa bastante particular, ele era muito sociável e dotado de um excelente humor, algo que pessoas com esta condição não possuem.

De qualquer forma o roteiro desenvolve muito bem a história e seus personagens, pecando apenas nos coadjuvantes que fazem parte do núcleo do protagonista, onde alguns deles não tem suas funções muito definidas na história, aparecendo e saindo de cena apenas para complementar o cenário. Cumberbatch, junto com Michael Keaton, era o mais cotado para o Oscar 2014, mas nenhum dos dois levou o prêmio. A competência do ator é inegável, a sofrida solidão, a ingenuidade inerente e a dificuldade de compreender a linguagem dos homens sensibiliza profundamente, até mesmo em momentos dramáticos um pouco exagerados que já chegamos a ver em alguma telenovela por aí. Isso talvez seja culpa do rosto forte e com traços bastante expressivos do ator, que não precisa de muito para chamar a atenção e ser impactante.

Mas o que mais impressiona, no mau sentido, é a direção do norueguês Morten Tyldum, que havia dirigido antes o excelente e engajado Headhunters (2011). Embora grande parte do filme se mantenha sempre numa zona segura e bastante limitada, há erros de continuidade e até mesmo eixo de ação invertido, o erro mais clássico de todos, no momento em que Alan está à mesa, sendo interrogado pelo delegado. O erro foi tão grosseiro que é nítida a tentativa de conserto ao espelharem a imagem para fingir que ela está no eixo correto, mas a franja muito bem definida de Benedict Cumberbatch condena a evidente confusão.

Apesar de alguns erros até grosseiros e uma dramatização dos fatos muito maior do que deveria, ainda sim consegue ser emocionante por conta do domínio de Cumberbatch em cena e a honestidade com que ele conduz as situações. Excluí-se a ficção e temos uma história bastante impressionante, não apenas por Alan ter sido visionário e pioneiro no desenvolvimento da alma de um computador e a importância que essas máquinas tem em nossas vidas atualmente, mas também pela perseguição que sofreu por ser homossexual, onde ignoraram completamente a importância que ele teve durante a Segunda Guerra simplesmente por um julgamento social infundável que o levou a cometer suicídio em 1954.

O filme termina de forma até brilhante, afirmando que Turing teve uma importante participação no fim da Segunda Guerra e que isso foi tardiamente reconhecido, e que após a queda do nazismo, a Grã Bretanha condenou mais de 49 mil homossexuais por sua sexualidade. Ou seja, lutaram contra o nazismo, mas perpetuaram o crime humano de outras formas.

CONCLUSÃO...
Não chega a ser um filme tipicamente histórico, mas que desenvolve entre boas doses dramáticas e exageros ficcionais algumas idéias sobre como os homens se relacionam entre si, como a comunicação se tornou complexa e como cada vez mais precisamos de máquinas para interceptar e facilitar esta relação. Além da crueldade humana, da indiferença e do completo julgamento aleatório. A manutenção da violência enquanto ela nos engrandece, como bem é dito durante o filme.

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