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quarta-feira, 6 de maio de 2015

VIDA IMITANDO ARTE...

★★★★★★
Título: Bridegroom
Ano: 2013
Gênero: Documentário
Classificação: 14 anos
Direção: Linda Bloodworth-Thomason
País: Estados Unidos
Duração: 68 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
As dificuldades de Shane Bitney Crone em participar do velório de seu namorado e companheiro de seis anos por falta de respaldo legal, já que foi impedido pela família de seu noivo de comparecer por ser gay.

O QUE TENHO A DIZER...
A idéia do documentário surgiu após Shane Bitney publicar um vídeo no YouTube que se tornou viral, até hoje visto por mais de 5 milhões de pessoas, sem contar as repostagens do vídeo por outros usuários. Entitulado It Could Happen To You, a intenção foi homenagear um ano da morte de seu companheiro, Thomas Bridegroom. Foi então que Linda Bloodworth-Thomason propôs realizar um documentário em longa metragem para se aprofundar na história do casal, e a arrecadação teve início no Kickstarter, recebendo mais de US$300 mil em doações, se tornando o documentário que mais arrecadou fundos públicos até hoje.

O longa começa esclarecendo como aconteceu o trágico acidente. O jovem de 29 anos caiu do alto de um prédio de quatro andares por pura desatenção. Fotografando sua amiga durante a noite, às vésperas de anunciar seu noivado com Shane Bitney, ao dar alguns passos para trás, nenhum dos dois percebeu que ele já estava próximo ao parapeito. Então ele caiu.

Foi uma tragédia simples assim. Um acidente cuja probabilidade de acontecer era a mínima possível, mas aconteceu por uma daquelas razões que a vida não consegue explicar, numa ironia da vida que imita a arte que se encaixaria perfeitamente no filme Magnolia (1999), principalmente porque Shane havia pedido alguns momentos antes a Tom, via iMessage, que ele ficasse longe do parapeito. Ouvimos uma inserção do chamado de emergência e logo após Shane aparece em um vídeo pessoal contando sobre as similaridade de ambos. Ele está em prantos, lembrando da música de Garth Brooks que mais gostavam e que se tornou a música "deles". É triste, e a mesma dor sentimos nós que assistismos, claro que não na mesma intensidade. A situação parece cafona e um tanto forçada, mas o sentimento de Shane é genuíno e profundamente sentido, como um buraco sem fundo e nem começo.

Esse início não deixa de ser emocionalmente tendencioso, e já sabemos logo de cara que a função primária do documentário será sensibilizar seu espectador para desarmá-lo o mais breve possível para que a história dos dois seja contada sem a interferência de prováveis preconceitos. E assim tudo é conduzido.

Shane narra cronologicamente diante das câmeras sua infância e adolescência, a dificuldade em aceitar sua sexualidade, o assédio que sofreu na pequena cidade onde morou até o momento em que conheceu Tom. Há declarações de seus pais, amigos e demais pessoas que o amam incondicionalmente e que presenciaram suas crises de pânico, sua profunda depressão e finalmente a sublime felicidade do seu primeiro amor e os seis anos que seguiram.

Realmente, não há como não se sentir impotente diante de uma infância como a vivida por ele e imaginar os prováveis traumas ainda carregados por conta disso. A dimensão se torna muito mais assustadora ao pensarmos que muitas outras pessoas passaram pelo mesmo, e ainda passam. Mas também somos reconfortados por termos a oportunidade de ver que, apesar de breve frente ao tempo de toda uma vida, ele foi recompensado com um amor puro e genuíno, ainda mais nos dias de hoje, em que tudo parece tão efêmero, vazio e esquecível.

Por mais triste que tenha sido sua infância, e por mais dolorosa que tenha sido sua adolescência, a narrativa já havia mostrado logo no início o pior que está por vir. Além da morte de seu noivo, a proibição da família de Tom de que Shane participe dos funerais simplesmente pelo fato dele ser gay é, dentre todas as coisas pelo que ele passou, talvez a mais desrespeitosa delas. A falta de consideração e sensibilidade dos pais do falecido é o que mais choca não apenas o jovem, mas também o espectador, por conta da frieza e calculismo com que fizeram tudo.

Como se nenhum sofrimento fosse o bastante, ele chegou a ser fisicamente ameaçado pelo seu sogro, e para evitar maiores problemas, optou por nada fazer. Sem qualquer respaldo legal, Shane estava à deriva, e presenciou o velório e o enterro por uma distância tão longa que mal pode enxergar o que acontecia. Para concluir seu processo de luto, teve de fazer o seu próprio velório simbólico à parte, com seus amigos. Nada poderia ter sido mais indigno que isso. 

O que torna o documentário algo profundamente verdadeiro e emocionalmente devastador é exatamente os seis anos de relação que Shane e Tom tiveram de constante alegria, sonhos a serem realizados e um amor que muita gente acredita existir apenas no cinema. De repente tudo isso é interrompido precocemente, sem uma causa mais óbvia do que um acidente puramente banal. O sentimento fatalista é inevitável, e embora essa história tenha um teor muito parecido com o filme Direito de Amar (A Single Man, 2009), de Tom Ford, aqui ela não é uma ficção baseada em um livro, mas um fato real contado e documentado por uma pessoa que agora carrega uma profunda cicatriz, juntamente com diversas outras.

Sem dúvida, o excesso de sentimento peca na falta de um conceito mais sólido. O documentário foi promovido tal qual sua sinopse, como uma tentativa de compreender ou minuciar a falta do respaldo legal frente a situação vivida por Shane. Ao invés de uma busca por soluções, o que assistimos de fato não é bem isso. A diretora poderia ter desenvolvido uma discussão paralela sobre quais alternativas Shane poderia ter tido, ou o que ele poderia ter feito mesmo sem apoio legal. Um esclarecimento sobre quais as leis existentes (ou a falta delas) que dificultavam este acesso e quais mudanças deveriam ocorrer seria crucial para que o documentário cumprisse sua função social esclarecedora e modificadora. Relatos de casos similares teriam sido, sem dúvida, importantíssimos para fortalecer dados estatístico que anulasse a idéia de que este é um caso isolado.

Logo, o que vemos são 68 minutos de uma bela história de amor muito bem desenvolvida por conta do vasto acervo pessoal de imagens e vídeos que o casal colecionou ao longo dos anos. Nada que saia da zona de segurança de uma biografia qualquer, ao contrário do vídeo de 11 minutos feito pelo próprio Shane Bitney para o YouTube, que mesmo curto e amador consegue ter um apelo social muito mais forte e condensado do que este longa.

Sensibilizar o espectador é a regra que rege em qualquer documentário dramático, e embora este material celebre a espiritualidade humana e o amor incondicional acima de qualquer coisa, esta celebração também poderia ter sido muito bem aproveitada se circundasse um contexto mais social do que a superfície.

Como a própria bisavó de Shane diz, esta história não é de Romeu e Julieta, mas sim de Romeu e Romeu, e as pessoas devem aceitar isso.

Mas o que fazer ou como fazê-las aceitar deveria ter sido um excelente propósito final do material.

CONCLUSÃO...
Apesar de ser muito mais uma biografia do que um documentário, sim, ainda é muito triste a forma como a sociedade recrimina e discrimina a homossexualidade de forma tão abusiva e chocante. O assédio sofrido por jovens homossexuais traz consequências psicológicas desastrosas, já que a vítima observa a velocidade com que as portas se fecham ao seu redor e não encontra nenhuma outra saída além do seu próprio isolamento. Há a perda de tudo. Da esperança, da juventude, da autoconfiança e, principalmente, da ingenuidade de uma descoberta sexual que não pode ser culpada de existir e acontecer. Muito menos podem ser culpadas as pessoas que passam por isso. É cruel a forma como o ser humano se presta ao trabalho de reduzir a vida alheia na primeira oportunidade possível, ao invés de valorizá-la e parabenizar o próximo por estar vivo, por fazer suas próprias escolhas e buscar a felicidade à sua própria maneira. Ao menos se respeitassem o sentimento mútuo de duas pessoas, algo que nem isso ocorre na maioria das vezes, nem mesmo durante o luto.

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