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terça-feira, 5 de maio de 2015

A VIDA POR SI SÓ...

★★★★★★★★
Título: Life Itself - A Vida de Roger Ebert (Life Itself)
Ano: 2014
Gênero: Documentário
Classificação: 14 anos
Direção: Steve James
País: Estados Unidos
Duração: 120 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
A trajetória de Robert Ebert, de um jornalista para um dos mais célebres críticos de cinema do mundo.

O QUE TENHO A DIZER...
Todos nós somos críticos. Todos nós criticamos algo a todo instante. Não é necessário articulação para opinar sobre algo, e opiniões sólidas nem sempre precisam de valores técnicos, apenas observação. Há valor na opinião leiga, desde que esta seja sensível o suficiente para notar as nuances, mesmo não sabendo como explicá-las tecnicamente.

Para todo bom amante de filmes que se preze, Robert Ebert pode ser considerado um ícone com bastante folga. O jornalista norteamericano, que com apenas 21 anos já era editor de um jornal em Illinois, se transformou, por acaso, em um dos mais célebres críticos de cinema não apenas dos Estados Unidos, como também do mundo.

Segundo ele mesmo afirma no documentário dirigido por Steve James, esse acaso aconteceu quando o editor Robert Zonka ofereceu-lhe a função depois que Eleanor Keane deixou a redação do Chigago Sun-Times, em 1967. Ebert, com 25 anos, já era um escritor respeitado, autoritário e até arrogante, agia assim justificavelmente para impor seu trabalho acima de sua idade. Aceitou o convite e se dedicou integralmente, largando até a faculdade para concentrar seus esforços no trabalho.

"Eu nasci dentro do filme da minha vida... Não sei como entrei nele, mas ele continua me divertindo".

Esta é a frase que efetivamente abre o documentário sobre sua pessoa, e as reticências usadas talvez seja uma alusão às pedras que cruzam os caminhos durante nossa trajetória de vida. Misturando a difícil e particular realidade com o bom humor, ironias como esta marcam consideravelmente a grande personalidade de um homem que, apesar de sempre ter feito questão de dizer que era vencedor de um prêmio Pulitzer, nunca deixou de ser humano e acessível. E também são ironias como essa na qual todo o trabalho de Ebert se justifica, cujas críticas iam além das minúcias técnicas para baseá-las na própria vida como ela é, e nos sentimentos mais profundos que afloravam em cada cena, sequência, trilha sonora ou demais outros fatores que constróem a estrutura de um filme e a conexão emocional dele com as pessoas. Uma linguagem às vezes simples e sensível, sem deixar de ser observadora e verdadeira.

Suas críticas chamavam a atenção por serem simples e certeiras, que transformavam até os filmes mais comuns em obras de arte, e que mesmo quando devastadoras, conseguiam ser generosas. "Condenavam e ajudavam", como afirmou Scorcese sobre o crítico. Ebert tratava filmes como um padrinho, e repreendia diretores tal qual um sobrinho mal educado. Isso em uma época que escreviam críticas aqueles jornalistas que tinham assistido algum filme naquela semana, tudo feito com distância e sem comprometimento para aquilo apenas para preencher a coluna no jornal, tanto que os textos eram assinados por pseudônimos generalistas, como Mae Tinee, do jornal Tribune, pois sua pronúncia lembrava "matiné", e não porque era alguém de fato.

Esse comprometimento de Ebert foi o que chamou a atenção dos leitores. E o que fez dele um grande crítico foi o fato da facilidade que ele tinha em escrever muito bem e gostar do que fazia. Escrever e assistir filmes podia ser uma profissão, mas acima de tudo era um prazer pessoal ao ponto do insubstituível. Escrever o transportava para um mundo particular que lhe dava prazer pela vida e o ajudava a superar dificuldades. E assim foi até dois dias antes de sua morte, no último post que publicou antes de findar seu ciclo no dia 04 de Abril de 2013, por falência múltipla de órgãos, aos 70 anos.

Barbara Heliodora afirmou em uma entrevista para Ana Paula Conde que, para ser um bom crítico, em primeiro lugar, tem que adorar aquilo que irá criticar. Ela disse que o percentual de espetáculos ruins que via a cada ano era tão alto que, se ela não adorasse aquilo, já teria largado a profissão há muito tempo porque, às vezes, era um sacrifício ficar sentada na cadeira.

Barbara era uma crítica de teatro, mas a observação feita é universal, assim como é universal quando a mesma também disse que não é verdade que crítico gosta de falar mal porque não existe motivo para gostar de assistir coisas ruins. O problema está no desleixo e na falta de comprometimento, o "tanto faz" ou a idéia arrogante que alguns diretores tem de que são experientes o suficiente para sairem ilesos de defeitos. Se para ela isso não cabia no teatro, acredite, isso também não cabe no cinema.

E era exatamente desta forma como Robert Ebert se comportava em suas críticas. Acima de tudo, Ebert sabia distinguir os propósitos. Ele não fazia comparações discrepantes entre filmes e estilos, sabia que existia uma relatividade nisso. Cada um deles era direcionado para um público distinto, com propósitos distintos, e suas observações respeitavam isso.

Sem dúvida ele mudou a forma de se criticar o cinema e citações adjetivadas que hoje vemos frequentemente em cartazes, logo acima dos títulos, como "DELICIOSAMENTE INTELIGENTE", "PROFUNDAMENTE EMOCIONANTE" ou "BRUTALMENTE INCOMUM", são derivações que se tornaram corriqueiras depois dele, pois passaram a expressar poeticamente sentimentos comuns e mistos que os filmes sempre proporcionaram, mas pouca gente soube expor. Foi ele também quem popularizou, juntamente com seu colega Gene Siskel, o hoje tão conhecido "thumbs up", a marca registrada da dupla ao classificar um filme. Se era bom, polegares para cima, se era ruim, polegares para baixo.

A subida de Robert do posto de um crítico respeitável para uma celebridade com uma estrela própria na Calçada da Fama aconteceu quando resolveram juntá-lo com seu rival (e quase arqui-inimigo), Gene Siskel, também crítico do jornal Tribune, para apresentarem um programa semanal sobre cinema na emissora local, o que não demorou muito para ter excelente repercursão.

A união dos dois foi proposital e provocativa, com intenções apelativas já que a rivalidade de ambos era conhecida publicamente. Porém, o que ninguém esperava é que, com o tempo, eles descobriram que tinham muito mais em comum do que imaginavam, e embora a rivalidade sempre existisse, ela passou a ser muito mais uma rotina do amor fraternal e incondicional que nasceu, cresceu e se desenvolveu do que uma mera incompatibilidade geniosa de fato. Foi essa conflituosa relação de amor e ódio que fez tudo dar certo, até mesmo em momentos errados. A irredutibilidade de Siskel e a arrogância de Ebert tiveram um perfeito encontro que durou 24 anos, até a morte do colega e amigo em 1999.

"Para mim, o cinema é como uma máquina que gera empatia. O faz compreender um pouco mais sobre diferentes esperanças, aspirações, sonhos e medos. Ajuda você a se identificar com as pessoas que partilham dessa mesma jornada". É assim como se resume a sensibilidade crítica e artística que transcendiam sua personalidade humana e democrática.

É bem isso que vemos no terço final do documentário, quando o diretor infiltra mais ainda, e com sutileza, na vida pessoal e nas dificuldades que o crítico passou nos últimos anos em consequência a um câncer de tireóide que resultou em diversas cirurgias radicais debilitantes. E apesar de tudo, a positividade e esperança presentes em sua personalidade chegam a ser emocionalmente sinceras e relevantes, capazes de transformar corriqueiras insatisfações do dia a dia em episódios insignificantes que insistimos em deixar que nos atinja gratuitamente e tome um precioso tempo de nossas vidas.

Sem dúvida o material reunido por Steve James é honorável. Intimista sem ser invasivo sobre a vida de um homem que conseguiu mostrar que não é preciso sofisticação e requinte para atrair até mesmo aqueles que pouco se interessam pelo assunto, mas que a linguagem universal do cinema se resume na sensibilidade, no prazer pela vida e na sinceridade e respeito naquilo que se faz e pelas pessoas com quem se convive.

Claro que teria sido interessante se o documentário também tivesse focado um pouco mais nos trabalhos de Ebert, nas repercussões e consequências deles para o cinema atual, já que tanto ele, quanto Siskel, passaram a ser temidos pelos produtores e diretores de Hollywood. Mas talvez isso seja material para outro trabalho. E por que tanto o documentário quanto o livro de Ebert se chama Life Itself, como questiona o próprio diretor ao crítico?

A vida por si só já é a resposta.

CONCLUSÃO...
O cinema e a vida se conectam, e por mais que filmes sejam um reflexo da realidade, isso não significa que eles devam ser brutais. A única coisa que deve espelhar a realidade é a nossa face, em relação ao nosso coração. E essas são palavras baseadas naquelas ditas pelo próprio Robert Ebert.

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