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quinta-feira, 14 de maio de 2015

O MILAGRE DA CRIAÇÃO...

★★★★★★
Título: Grace And Frankie
Ano: 2015
Gênero: Comédia
Classificação: 14 anos
Direção: Vários
Elenco: Jane Fonda, Lily Tomlin, Martin Sheen, Sam Waterston
País: Estados Unidos
Duração: 29 min.

SOBRE O QUE É O SERIADO?
Grace e Frankie são duas rivais que são obrigadas a aceitar um fato comum entre elas, o anúncio de seus maridos de que eles estão apaixonados um pelo outro.

O QUE TENHO A DIZER...
Jane Fonda, é Grace, repetindo mais uma vez o papel de aristocrata egocêntrica e egoísta. Lily Tomlin é Frankie, repetindo mais uma vez o papel de mulher excêntrica e espiritualizada. A história começa com as duas se encontrando em um restaurante, e a primeira impressão é óbvia: elas se odeiam. Por qual motivo, não sabemos, só sabemos que é assim. Ambas esperam seus maridos chegarem, e acreditam que o jantar tenha a ver com alguma reunião de negócios, já que os dois são amigos há anos e possuem investimentos juntos. Sol e Robert chegam ao restaurante, interpretados respectivamente por Sam Waterston e Martin Sheen. Assim que eles entram em cena não demora muito para que ambos peçam o divórcio. O fato é que eles são amantes há 20 anos, dos 40 anos que estão casados com suas respectivas esposas.

Claro que o choque é inevitável por várias razões. Primeiro porque é inesperado ver Martin Sheen em um papel como esse, ator que interpretou papéis extremamente masculinizados ao longo da carreira. Segundo, e o mais importante deles, é a situação constrangedora em que os dois colocam suas esposas, como que a dizer que metade da vida que passaram juntos foi uma grande farsa.

Não deve ser fácil para ninguém ter de engolir a seco o fato de que a pessoa com quem se viveu por 40 anos dedicou metade desse tempo em uma vida paralela. Independente da sexualidade ou com quem isso foi feito, o sentimento de impotência e de traição é o mesmo. E a traição aqui não é simplesmente aquela situação casual que poderia eventualmente ocorrer em uma relação tão longa como a dos protagonistas, mas da falta de diálogo, da honestidade, da sinceridade e da confiança que deveria existir em uma parceria tão longa. E foi essa a forma e o tom com que a situação foi abordada. Nem Grace, nem Frankie, apontam com discriminação ou preconceito sobre a verdadeira sexualidade de seus esposos, a indignação e a revolta que toma conta de todos é única e exclusivamente sobre nunca terem prestado atenção em suas relações ou nunca terem se aberto o suficiente para que esta notícia não tivesse demorado 20 anos para ser dada. Isso sem dúvida deixará uma sensação um tanto alcalina entre os casais que assistirem ao seriado, pois irão, em algum momento, mesmo que em silêncio, se questionar se eles realmente conhecem um ao outro como acreditam.

Sim, esse teor satírico sobre os rumos que uma relação de longo termo acaba tomando é um dos pontos fortes desse novo original da Netflix.

A princípio não há muito para se julgar, pois as situações e diálogos são sempre momentâneas, nada que se aprofunde em algum passado, com excessão de um ou dois episódios. Para um seriado de comédia, não há risadas genuínas nos primeiros minutos do primeiro episódio, algo que não se espera quando se reune duas atrizes deste calibre em um gênero como esse. Mas até aí tudo bem porque é um produto Netflix, e como tudo é liberados de uma vez, não há necessidade de impressionar e atirar para todos os lados logo nos primeiros episódios. O grande problema surge quando os episódios vão indo embora, mas a sensação de ser sempre o primeiro não acaba. Parece que não desenvolve nunca.

Criado por Marta Kauffman e Howard Morris, essa comédia diferenciada tenta aproveitar um grupo de atores experientes que andavam bastante subaproveitados por já terem passado dos 60 anos e, ao mesmo tempo, ser uma aposta da companhia de agradar o público mais maduro que assina seus serviços e que está carente de produtos equivalentes em todos os lugares.

O problema aqui é que Marta Kauffman, que também assina o roteiro, tem uma bagagem muito diferente. Suas experiências e habilidades como criadora e roteirista de sitcoms renomadas como Friends ou Veronica's Closet por vezes não se encaixam nessa produção justamente porque o formato é completamente diferente do que ela está acostumada.

Sitcoms, embora também gravadas em estúdio, são geralmente feitas ao vivo para uma platéia real responsável por dar o feedback imediato aos atores e roteiristas de que o material funciona ou não. Então, se acontece de haver alguma entrada errada ou piada mal colocada, o roteiro sofre readaptações até de última hora, coisa que não é possível em um roteiro fechado, como é aqui. E Kauffman na verdade passa a impressão de ter escrito este seriado para uma platéia que faltou, e isso a deixa muito tempo perdida no resultado, e no mesmo fica o espectador.

Nos primeiros episódios as piadas ou diálogos engraçados soam arrastados, como que esperando aquele "saco de risadas" das sitcoms que nunca acontece, gerando um vácuo desagradável. Os diálogos por vezes não são fluidos, e a espontaneidade da lugar a situações marcadas, carentes de uma direção dinâmica que condiziria melhor com a experiência que os atores possuem, principalmente Lily Tomlin, que de longe tem a veia mais cômica de todos eles. Para quem conhece os trabalhos da atriz, a princípio pode até acreditar que ela esteja "enferrujada" ou pouco à vontade, mas essa impressão acaba quando Kauffman finalmente relaxa e os personagens começam a ganhar vida própria. É quando acontece o "milagre da criação" e tudo flui como deveria ter sido desde o princípio.

Se por um lado o roteiro acertou deste o princípio na forma até honesta, delicada e moderna com que toda essa bagunça sentimental dos personagens é lidada, por outro não foi tão feliz nesse desenvolvimento lento. Mais que lento, acretido que tenha sido um desenvolvimento perdido, daqueles que os roteiristas não sabem bem que rumo dar à história ou aos personagens, e subitamente, como em um desbloqueio criativo, todo o universo se abre para eles. Tanto é assim que de repente os personagens, tanto principais quanto coadjuvantes, deixaram de ter conflitos aleatórios e rivalidades desnecessárias, mesquinharias dos primeiros episódios que mais incomodavam do que geravam interesse.

O seriado na verdade deveria levar os nomes de Robert e Sol, já que esses personagens são muito mais interessantes juntos do que a pseudo-rivalidade entre Gracie e Frankie parecia ser. Na verdade, eles poderiam muito bem ter um show só deles. A decisão do casal vivido por Sheen e Waterston de finalmente assumirem sua relação e sexualidade na terceira idade é, de longe, o tema melhor desenvolvido, além do conflito de terem escondido isso por tanto tempo ser muito mais interessante pelo ponto de vista deles do que delas. Até as situações e a química entre os dois atores é muito maior e naturalmente cômica quando, por um lado, há o romantismo e a sutileza de Sol, e por outro a natural rispidez e seriedade de Robert, o qual supreende quando extravasa suas liberdades sexuais em alguns breves momentos de espontânea delicadeza.

Mas claro que a relação das protagonistas também é interessante. Embora as duas tenham 70 anos de idade, de muitas coisas da vida elas se esqueçaram nos últimos 40 anos, como, por exemplo, viver fora da bolha familiar que estavam. Tudo agora será uma redescoberta, como voltar à adolescência. Soferão de paixões, redescobrirão o sexo e cometerão erros típicos de uma época que se apagou com o tempo. Trocarão confidências, farão fofocas e machucarão umas às outras sem intenções, ao mesmo tempo que o próprio tempo mostra cada vez mais que definitivamente o que elas precisam é uma da outra.

É evidente que o seriado não foi polido da mesma forma como ocorreu com os outros originais dramáticos da Netflix. Talvez isso tenha acontecido pela falta de produtos originais cômicos no serviço e a pressa de produzi-los agora, o que é normal, só não pode se tornar um hábito.

Esta nova produção definitivamente não é de toda ruim. Consegue ser leve e divertida. Acima de tudo, é agradável. Uma pena que ela demora muito para encontrar seu tom e os personagens finalmente terem suas personalidades exploradas além do superficial. Como dito, é quando o roteiro deixa a pretensão de lado que tudo passa a fluir. Isso é evidente a partir do quinto ou sexto episódio, quando aqueles raros momentos genuinamente engraçados dos primeiros episódios vão dando lugar para um bom humor cotidiano simples e que funciona. Nada de sarcasmos ou exageradas ironias, a impressão que se tem é que Kauffman e Morris finalmente sacaram que a grande virtude do que criaram é a pura simplicidade.

Ainda que não seja um seriado que realmente prenda a atenção e que faça o espectador devorar tudo em uma única tarde, a árdua tarefa de se arrastar pelos primeiros episódios é compensada por uma repentina magia que toma conta de tudo depois. Os ajustes demoraram para aparecer, e agora que apareceram, que sejam mantidos assim para uma provável segunda temporada.

CONCLUSÃO...
A proposta desse mais novo original da Netflix é interessante, mas derrapa e se arrasta nos primeiros episódios por conta de uma falta de identidade. É quando os roteiristas evidentemente relaxam que o texto flui e o "milagre da criação" finalmente acontece, aquele em que os personagens parecem ganhar vida própria, os atores finalmente se interagem como deveriam e o humor genuíno simplesmente brota sem esforço. Então tudo toma uma outra forma, uma outra cor, e uma simplicidade tão deliciosa que, perto de tanta pretenção atualmente no cinema e na televisão, assistir algo simples é mais que bem vindo.

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