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segunda-feira, 18 de maio de 2015

O PRIMEIRO GRANDE FILME DO ANO...

★★★★★★★★★☆
Título: Ex_Machina
Ano: 2015
Gênero: Drama, Suspense, Ficção
Classificação: 14 anos
Direção: Alex Garland
Elenco: Domhnal Gleeson, Oscar Isaac, Alicia Vikander
País: Reino Unido
Duração: 108 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Sobre um rapaz que irá participar de um fascinante e complexo experimento no qual deverá interagir com uma inteligência artificial em forma de uma mulher.

O QUE TENHO A DIZER...
Caleb (Domhnall Gleeson) é um programador que trabalha numa grande empresa chamada Blue Book, a maior e mais importante ferramenta de pesquisa existente, o equivalente ao Google ou Facebook. Ocorre um sorteio interno na empresa, cujo prêmio será passar uma semana com o todo poderoso Nathan (Oscar Isaac), o gênio recluso por trás da criação e do sucesso de toda a companhia.

A mansão subterrânea de Nathan é também seu escritório de trabalho, por onde monitora meticulosamente todas as atividades da empresa e cada um da extensa lista de funcionários. É também seu laboratório particular de experimentos, criação e desenvolvimento de novas tecnologias. Bastante iluminada e automatizada, fria e sem qualquer personalidade, essa atmosfera pálida onde tudo é geometricamente definido muito se assemelha com a fotografia de A Pele Que Habito (La Piel Que Habito, 2011), de Pedro Almodóvar, cuja artificialidade gera um incômodo constante. É preciso permissão de acesso para qualquer parte do grande complexo que se molda perfeitamente dentro da própria natureza sólida e gélida onde está localizada. É como se Nathan não acreditasse no ser humano de alguma forma, mantendo distância por não saber se relacionar com ele.

Quando Caleb chega, Nathan até tenta tratá-lo com informalidade para "quebrar o gelo" do primeiro contato, mas a austeridade patronal e a frieza de tudo, inclusive dele mesmo, impedem uma aproximação mais calorosa e receptiva. Para piorar as coisas, Caleb é induzido a assinar um contrato de confidencialidade sobre tudo que ver, ouvir, ler ou acessar durante os sete dias que estiver hospedado lá. É então que ele descobre que sua função é participar de um experimento dentro do Teste de Turing, que é interagir com uma máquina e avaliar se ela realmente possui inteligência artificial ou não.

E então nos é apresentado Ava, uma fembot, ou seja, um robô com características e personalidade feminina que fala, ouve, vê, interage, dialoga, pensa e tem sentimentos. Ava é uma mistura de Andrew, de O Homem Bicentenário (1999), com Samantha, o sistema operacional de Ela (2013), de Spike Jonze. E ao mesmo tempo que ela tem a ingenuidade de David, de A.I. (2001), o sentimento de que a qualquer momento ela se volte contra alguém é inevitável, tal qual a atitude de Hal em 2001 (1968), de Kubrick.

Ava possui uma inteligência artificial fluida, responsiva, distinta e adaptável, "como se ela pensasse antes de dizer algo", como diz Caleb em um determinado momento. Isso acontece porque Nathan criou o cérebro artificial reunindo todas as informações de busca realizados na Blue Book, pois as ferramentas de busca são mapas de como as pessoas pensam. É como se Ava tivesse um Google dentro de sua cabeça, agindo de forma às vezes impulsiva, às vezes responsiva, imperfeita, padronizada e caótica, tal qual a forma como as pessoas fazem suas pesquisas. Ou seja, uma justificativa simples sobre a forma de Ava pensar, mas ao mesmo tempo sólida e absolutamente coerente com a nossa realidade.

Caleb fica fascinado com a criação de Nathan, o que é obviamente fascinante por si só tamanha a perfeição. Mesmo visualmente simples, todo o conjunto funciona. Os efeitos especiais que dão o visual tecnológico, mas ainda orgânico, nunca atrapalham essa simplicidade principalmente porque Alicia Vikander não atua com movimentos mecânicos ou clichés, como Schwarzenegger em Exterminador, mas limitadamente, num controle físico e expressivo surpreendente, como que movida a impulsos eletrônicos.

É impossível não se sentir atraído por Ava, tanto pelo que ela é quanto pelo que ela faz. Confinada em um quarto, limitada apenas àquele ambiente como um computador em uma mesa cuja função é estar sempre à disposição de seu usuário, ela tem um rosto, tem expressões faciais, vocais e corporais, e por isso conseguimos enxergá-la como uma pessoa, e nos sensibilizamos com as angustias das quais ela está programada a sentir, sendo a solidão a maior delas. Sim, nos sentirmos sensibilizados por ela nos dar essa sensação de que também fazemos parte do mesmo teste pelo qual Caleb passa, e isso é um dos elementos mais interessantes e também impressionantes do filme.

A trama toma outro rumo quando, durante uma queda de energia do complexo, seguros de que não estavam sendo observados, Ava pede a Caleb que não acredite em tudo que Nathan diz. A partir daí o protagonista deixa de ser uma peça passiva da história para definitivamente agir nela. Ele é tomado por paranóias, que se intensificam na medida que o sentimento de confinamento aumenta e a sensação de ser apenas mais uma peça do experimento fica cada vez mais evidente.

Dirigido e escrito por Alex Garland, o filme segue uma linearidade e uma coerência quase perfeitas. Garland já foi responsável pelo roteiro de três filmes do cineasta Danny Boyle: A Praia (The Beach, 2000), Extermínio (28 Days Later, 2002) e Sunshine (2007). Ex_Machina é o primeiro que dirige em sua carreira, e o faz muito bem, tanto que ele consegue esse raro fenômeno de manipular o espectador e literalmente enfiá-lo dentro da história como um diretor veterano poderia fazer.

Ao contrário da impressão que passa pela forma como foi promovido, como um thriller intenso sobre a relação homem/máquina, o que vemos de fato é um filme bastante equilibrado em todos os quesitos, que ao contrário de simplesmente contar uma história, ele dialoga com seu espectador e o insere na mesma situação que o protagonista se encontra. Garland primeiro nos apresenta os ambientes e os personagens, depois ele nos abraça de forma envolvente com a fluidez da trama, e apesar do final ser até previsível, não é previsível o caminho até ele. Acima de tudo é um filme humano dentro da frieza de seu contexto, que explora as essências mais complexas da solidão e da necessidade de afeto, como isso tem refletido no avanço tecnológico e como cada vez mais tentamos inserir essas necessidades naquilo que podemos utilizar no cotidiano, como uma forma de compensar a falta da proximidade e da relação humana.

É claro que cada um dos personagens irão nos surpreender em seus determinados momentos porque Garland desenvolve com clareza a personalidade de cada um, sendo compreensível o que cada um deles faz, e os motivos que os levam a agir de formas tão diferentes.

Por um lado há Caleb, um jovem extremamente ingênuo, bondoso e solitário. Por todas essas características que ele tem, ele é facilmente manipulável. Depois há Nathan, que tem um pensamento extremamente científico, que analisa e quer dados empíricos sobre aquilo que desenvolve, pouco se importando com os meios utilizados para o fim esperado. Se Ava é um robô ou não, se tem sentimentos ou não, ou se Caleb é um ser humano frágil, ele pouco se importa. O que Nathan quer saber é se o objetivo de transformar Ava no mais humano possível, ao ponto de nem mesmo um humano conseguir distinguir a diferença, foi alcançado. A verdade é que ele consegue atingir esse objetivo porque Caleb responde a Ava como se ela fosse realmente uma humana. Nós, espectadores, respondemos como se ela fosse humana. Até mesmo Nathan, em alguns breves momentos, mostra que isso atingiu ele próprio sem ele mesmo perceber. As breves reações de raiva ou impaciência de Nathan, ou a busca pelo afeto que ele demonstra em algumas partes (e que não cabe dizer em quais circunstâncias para não estragar as surpresas), já demonstram por si só que até mesmo ele se confunde com sua própria criação. E são nesses momentos que o Teste de Turing se comprova definitivamente positivo, já que uma das características para isso é a interação entre o homem e a máquina sem que o homem perceba isso.

Aí temos Ava, cujos sentimentos, sensações, frustrações, desejos, vontades, aspirações e demais sensações aleatórias, existem dentro dela. A forma dela de racioncinar é baseado unicamente como uma barra de pesquisa do Google. Ela raciocina em cima do raciocínio de pesquisa das pessoas. Então ela vive em um conflito constante sendo um robô, mas pensando como um humano; sendo um robô, mas tendo sentimentos; sendo robô, mas com vontades de descobrir o mundo, tal qual o mito da caverna, de Platão.

É necessário compreender que, apesar dos antagonismos levarem a história para um final um tanto óbvio, o importante é que não existem vilões na história. Não existe bem ou mal, porque existem três pessoas e três personalidades agindo não por instinto, mas em cima daquilo que elas acreditam. Caleb tenta proteger Ava a todo instante; para Nathan, Ava é apenas mais um produto em teste; Ava luta para sobreviver, tal qual um humano faria.

O desenvolvimento do filme fecha em um ciclo perfeito. A construção é lenta e prende a atenção porque queremos saber qual será seu fim. As referências, principalmente à mitologia Grega, como o de Prometheus e a mitos, como o já citado de Platão, são sutis, mas presentes de maneira pontuada e proposital. Não empolgará como um filme de ação ou um thriller intenso, mas ele nos leva a uma jornada de conhecimento que mostra que a própria evolução do ser humano é perigosa para ele mesmo.

Claro que não se pode deixar de notar uma certa metáfora existente sobre o controle de informação que a internet gerou e o poder que ela concentrou a algumas corporações. Se começarmos a associar o nível de informações que o Google ou o Facebook tem de todos seus usuários e as mudanças que ocorreram recentemente, como a forma como eles respondem e interagem às pesquisas de seus usuários sobre aquilo que buscam no cotidiano, isso tudo é apenas o princípio daquilo que é Ava propriamente dita. Então, de certa forma, os detentores dessas informações se transformaram nos novos exploradores de petróleo, como diz o próprio Nathan. Eles podem agir da forma que quiserem com você, e você irá interagir, irá acreditar e será manipulado por eles da mesma forma como os personagens neste filme manipulam e são manipulados.

O filme teve um orçamento de US$11 milhões. Por ter uma narrativa incomum ao gosto popular, até que tem se saído bem, arrecadando mais de US$19 milhões em seis semanas de exibição, com média 8 no IMDb baseado na avaliação de mais de 43 mil usuários cadastrados até o momento. Isso significa que a probabilidade de ele ser lembrado nas premiações será grande, porque sem dúvida é o primeiro grande filme do ano e figurará na lista dos melhores.

CONCLUSÃO...
O primeiro grande filme do ano. Com um desenvolvimento que se fecha em um ciclo perfeito. A atenção dada aos mínimos detalhes deste longa o transformaram em uma jornada fascinante e ao mesmo tempo assustadora sobre os avanços tecnológicos e quão longe pode ir o controle da informação, no qual estamos todos vulneráveis.

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