Translate

segunda-feira, 13 de abril de 2015

EXPLÍCITO, SIM. PORNOGRÁFICO, NÃO...

★★★★★★★
Título: Interior. Leather Bar.
Ano: 2013
Gênero: Documentário, Drama
Classificação: 18 anos
Direção: James Franco, Travis Mathews
Elenco: James Franco, Travis Mathews, Val Lauren
País: Estados Unidos
Duração: 60 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
James Franco e Travis Matthews tentam re-imaginar os prováveis 40 minutos nunca vistos do filme Parceiros do Crime.

O QUE TENHO A DIZER...
Por mais absurda e banal que possa parecer a idéia de James Franco e Travis Mathews em re-imaginar os lendários 40 minutos cortados da edição final do filme Parceiros do Crime (Cruising, 1980), chega a ser até incrível a história que eles conseguiram criar usando como referência principal o sexo.

Parceiros do Crime foi um filme de William Friedkin, que estrelava Al Pacino. Baseado em fatos reais sobre um serial killer que escolhia suas vítimas homossexuais no cenário underground de Nova York. Na época de lançamento, o órgão de censura exigiu que o filme fosse re-editado para evitar o forte conteúdo que apresentava. Supostamente foram excluídos 40 minutos, dos quais Franco e Mathews usam como ponto de partida para a história. Não apenas isso, tendo ou não sido proposital - como diz o próprio Franco, o diretor William Friedkin mostrou o ambiente underground como um lugar pesado, obscuro e ruim, como se aquilo subliminarmente mostrasse que tudo aquilo fosse errado e criminoso.

Partindo dessa idéia, Franco, que é assumidamente bissexual, usa essa re-imaginação para tentar mostrar o contrário do que o filme original mostrou, e que, de fato, a expressão sexual e sua diversidade são parte da natureza humana, que deve ser explorada e respeitada, desde que feitas dentro de aspectos mais verossímeis, e não dentro da fantasia vazia criada, por um lado, pela mídia de massa que vende a heterossexualidade como o modo ideal de vida, e por outro lado, pela pornografia, que vende o ato sexual vazio e irreal. Por isso que, para ele, é função dos artistas usarem a sexualidade e suas diferentes manifestações como ferramentas que modifiquem a percepção das pessoas sobre elas.

Há uma sequência em que atores desconfortavelmente dialogam com as câmeras relatando os motivos que os levaram a participar do projeto, sem terem qualquer conhecimento de que o conteúdo sexual do filme chegaria a um ponto bastante explícito. Mas isso acontece porque é exatamente o diálogo que Franco quer desenvolver sobre a exploração saudável do sexo, brincando com os pudores. O que, no fim das contas, deixa até as cenas mais explícitas e fetichistas parecerem muito bonitas dentro de sua total esquisitice. Não chega a ser um pornô artístico, mas um bom ensaio para tal.

Através do estilo documentado, a idéia proposta varia basicamente entre três situações: a dificuldade do ator principal em aceitar a idéia proposta; os bastidores da produção das filmagens; e cenas da edição final do filme.

O espectador que já quiser traçar um perfil crítico nos 20 minutos iniciais do filme irá se enganar redondamente com qualquer aspecto. Não porque seja superficial, mas porque o roteiro de Travis Mathews realmente engana e conduz este mesmo espectador pelas dúvidas da realidade ou ficção, já que a proposta e o estilo da produção automaticamente nos leva a crer que tudo abordado e mostrado é real. São eles novamente brincando com os pré-conceitos, que serão pouco a pouco quebrados nos curtos 60 minutos.

A princípio, a parte mais interessante de todo esse rebusqueio artístico é que ninguém parece confortável diante das câmeras. Isso porque embora todo mundo faça sexo e converse sobre ele, falar abertamente sobre isso é desconfortável, principalmente quando somadas às diferenças sexuais e fetichistas que poluem as mentes mais puritanas.

Desde o momento que Franco aparece argumentando sobre o casamento gay com Travis Matthews, é nítido o nervosismo de ambos em falar sobre o assunto. A situação fica um pouco mais tensa quando o ator principal contratado chega, afirmando "não concordar com a idéia", mas aceita participar por respeito a Franco, seu amigo. Até mesmo o elenco de apoio, independente da orientação sexual, demonstram que ainda existe o desconforto e a dificuldade em tratar do tema da forma mais naturalista possível.

Há ainda algumas cafonices um tanto desrespeitosas, como no momento em que o ator principal ouve uma mensagem de voz de sua mulher, numa intenção clara em reafirmar sua heterosexualidade ao espectador, um tipo de situação que será bastante recorrente nessa primeira metade do longa. Na continuidade desta mesma cena, há a mensagem de voz de uma outra pessoa, que talvez seja seu agente, se referindo ao filme como "o projeto de 'bicha' de James Franco".

Em um filme cuja intenção desde o princípio é que as diferenças sexuais sejam respeitadas e tratadas com igualdade, situações como essa, mesmo que breves, soam forçadas, arranjadas e até um tanto patéticas dentro de todo o contexto. Mas ao mesmo tempo demonstram o contundente atraso social quando esta rotulação consistente se define.

É então que outra crítica também se pontua na história, a de que não há a possibilidade de ser simplesmente um ator interessado em um papel, mas a necessidade de saber a razão de um ator heterossexual se interessar em um papel homossexual.

O constante medo que atores e cineastas vivem ao escolherem papéis que afrontam o conservadorismo.

É como se ter o nome ligado a projetos como esse fosse o suficiente para mancharem uma carreira promissora, como a de James Franco, que ao mesmo tempo que está escalado para um filme da Disney, opta por um projeto paralelo e sexualizado.

É muito comum ouvir relatos de produtores de elenco na dificuldade de encontrarem atores para papéis estereotipados como gays, lésbicas, travestis ou prostitutas pelo medo de terem a reputação profissional diminuída. Por ser um projeto não convencional e sexualizado, a tendência desses atores que aceitam esses papéis é de serem taxados como homossexuais, vulgares, inadequados para a indústria, como se tudo isso tivesse íntima relação uma com a outra. E isso na verdade só resume o nível preconceituoso no qual estão todos inseridos.

Todo esse desenvolvimento mostra aquele desconfroto do protagonista aos poucos se transformar em curiosidade que em alguns momentos nos leva a crer em até um certo desejo, como quando no momento em que ele diz que todo o elenco masculino é muito sexy. Isso justamente debate a idéia expressada por um dos atores de que o desconforto e o julgamento surgem geralmente de pessoas que na verdade tem medo de se sentirem seduzidas por aquilo que temem porque não querem ser julgadas.

Para uma interessante surpresa, em momentos bem pontuais, como quando fica claro que o diálogo que o protagonista está tendo com um ator sendo maquiado é manipulado, e em outra situação em que o protagonista lê exatamente as ações que ele faz no momento, é que o roteiro finalmente esclarece que, sim, tudo é uma encenação. Até mesmo aquilo que víamos e acreditamos ser um documentário é pura encenação. Por isso aquela breve sensação inicial de certo exagero e cafonice no tom, ou de situações forçadas e arranjadas. E não, eu não estraguei nenhuma surpresa, porque essas duas situações são tão sutis que merecem destaque.

Essa sacada só deixa tudo muito mais interessante, porque é o grande turning point de todo o filme, que revela que tudo o que parecia verdadeiro era falso, e o que era suposto ser falso, como o sexo explícito entre alguns personagens, foi verdadeiro. A verdadeira alma do negócio.

É um filme puramente independente e experimental, que condensa diversos temas discutíveis tanto no meio artístico ou sobre a função da arte na sociedade, como também o nível de tolerância das pessoas sobre a sexualidade, sobre o sexualismo, sobre o sexo e suas diversidades. Não há nada que é falado nele que não seja argumentado de alguma forma. Mas o mais interessante de tudo é que, mesmo nesse formato sem qualquer formato - o que passa essa sensação a princípio despretenciosa e amadora - há no fundo disso tudo um trabalho muito consistente, que tal talvez Franco e Matthews também nem tenham feito propositalmente para ser tudo assim, mas que no fim ficou.

CONCLUSÃO...
James Franco e Travis Mathews conseguem fazer um trabalho independente e um tanto experimental bastante consistente, que parece se perder no meio do caminho, mas que termina bem costurado e bem fundamentado. Claro e definitivamente não é um filme para qualquer público, e como ele trata indiretamente de diversos assuntos e discussões ao mesmo tempo, também demanda bastante atenção. Pode fazer a cabeça do público gay por conta do seu tema e de algumas cenas explícitas, mas a verdade é que ele vai muito além disso.

Nenhum comentário:

Add to Flipboard Magazine.