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sábado, 7 de fevereiro de 2015

SURPREENDE...

★★★★★★★
Título: Cake
Ano: 2014
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Daniel Barnz
Elenco: Jennifer Aniston, Adriana Barraza, Anna Kendrick, Sam Worthington, Felicity Huffman, William H. Macy, Chris Messina, Lucy Punch
País: Estados Unidos
Duração: 102 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma mulher que sofre de dores crônicas depois de um grave acidente fica um tanto obcecada com o suicídio de uma garota que frequentava o mesmo grupo de apoio de pessoas que sofrem do mesmo problema, se aproximando da família da falecida e também se questionando se todo o sofrimento diário é válido.

O QUE TENHO A DIZER...
É impressionante como existem atores que podem demorar praticamente o tempo de quase uma vida para sair da zona de conforto e mostrar um grandioso trabalho, como Jennifer Aniston faz neste filme. Dizer que em Cake ela finalmente mostra que pode atuar é algo bastante cruel e, com certeza, uma heresia para os milhões de fãs xiitas conquistados pela ultra exposição que teve durante os dez anos de Friends. Mas a verdade é que, sim, talvez seja o filme no qual Aniston prova pela primeira vez ser capaz de abandonar o fabricado estereótipo da mulher moderna e engraçada das comédias românticas que sempre fez e abraçar uma personagem com uma densidade muito maior em todos os sentidos, se livrando, inclusive, de maneirismos e vícios de interpretação que podiam causar um certo charme no seriado que a revelou, mas que no cinema sempre aparentaram comodismo.

Ao longo da carreira da atriz, é impossível ignorar o fato de que Hollywood tentou a todo custo explorar sua popularidade de forma abusiva. Venderam uma imagem da atriz que todos compraram sem objeção ou questionamento. Isso não apenas impediu qualquer situação que mostrasse uma Jennifer diferente daquela de vítima-da-separação-de-Brad-Pitt, como também a estagnou. E dessa forma essa imagem se refletiu em sua carreira com filmes fracos, esquecíveis e interpretações que nada mais foram do que variáveis de Rachel Green.

Como ela mesma afirmou, Cake é um filme que há muito tempo ela procurava fazer, talvez para, justamente, fugir dessa saturada exposição, deixando para trás a leva de papéis similares que a levaram para lugar nenhum.

Essa tentativa desesperada da atriz de correr contra o tempo perdido tem sido bem nítido nos últimos anos, como em seu papel de patroa má e ninfomaníaca em Quero Matar Meu Chefe (Horrible Bosses, 2011/2014), que apesar do esforço é descartável e até ultrajante. Ou no recente Sem Direito A Resgate (Life Of Crime, 2014). Mas como sempre, nada além de um burburinho sem força suficiente para se sustentar tanto quanto é seu papel neste filme. E vale-se dizer, nada que ela tenha feito chega próximo ao desempenho que ela mostra aqui.

Claire Bennett é uma advogada aposentada e viciada em analgésicos, pois sofre de dores crônicas depois de inúmeras cirurgias ortopédicas após sobreviver a um grave acidente no qual perdeu seu filho e ganhou dezenas de pinos e cicatrizes por todo o corpo. As dores que sente não são apenas físicas, mas também emocionais por conta da ausência do filho, que resultou na separação de seu marido, e na solidão que agora enfrenta, já que ela extravasa as insuportáveis dores constantes em atitudes tempestivas que afastam as pessoas que não a conhecem, sendo constantemente criticada e sempre gentilmente solicitada a procurar auxilio de outros profissionais, pois os que já auxiliam não a toleram, com excessão de Silvana, sua dedicada cuidadora. A gravidade de sua situação também a faz ter uma visão bastante pessimista do mundo e de que os problemas e as dores de outros são sempre menores e irrelevantes quando comparadas com a sua. Um pensamento um tanto egoísta, mas absolutamente compreensível devido ao pesadelo de viver o resto da vida dependente de drogas analgésicas que pouco fazem efeito e sempre esgotada de cansaço, pois as dores são tantas que nunca há posição confortável o suficiente para meia hora de sono.

O que se esperaria de um filme com uma temática dessas seriam situações bastante clichés para apelar no tom dramático, mas a personalidade da personagem não deixa isso acontecer, mesmo quando o diretor erra a mão e tenta manipular as cenas para o lado mais fácil de conquistar o público.

Apesar de todo o sofrimento, ela ainda é dura e persistente e não se vitimiza pelas limitações. E nesse ponto Aniston se bem sucede, oferecendo momentos bastante impressionantes, como na excelente sequência em que visita o marido da colega suicida pela primeira vez fingindo não ter nenhum problema. Ela é tão precisa nos detalhes que notamos a batalha que ela trava com seu próprio corpo, movimentando-se com uma fluidez mecânica e expressando com muita sutileza em seu semblante as dores sentidas, extravasando-as em falsos sorrisos e exaltações engasgadas, como também acontece em outra ótima cena em que visita sua médica fingindo ter tido melhoras, tratando-a com muito entusiasmo e atenção para conseguir que os analgésicos sejam receitados. Chega a ser brilhante e muito equivalente com o nível de interpretação de Marion Cotillard em Ferrugem e Osso (De Rouille Et D'os, 2012).

Para aqueles que desacreditavam ou nem menos imaginavam que Aniston poderia ser tão técnica e viceral em um papel, Cake é um excelente trabalho que irá convencer até os mais relutantes, como eu. E não é exagero traçar tantos elogios pela sua atuação, pois é surpreendente não apenas pelo resultado que ela oferece, mas também por ser algo inesperado. Tudo é sempre muito contido, como um grito embaixo d'agua, e muito limitado mesmo no meio de um amplo cenário, dando a impressão de que a imagem projetada é muito menor do que se mostra.

O filme segue a atual tendência nude que atingiu o cinema e a televisão com peso em 2014, em que atores ou diretores optam pela total ausência de maquiagem para levar ao espectador maior veracidade dramaturgica. Diz-se em Hollywood que para uma atriz ser respeitada ela deve ser "enfeiada", e com Aniston não poderia ter sido diferente. Aqui ela não aparenta envelhecida, como alguns reviews apontam, pois o que vemos é o que ela realmente é aos 46 anos. Não é chocante vê-la assim, muito pelo contrário, é natural e coerente. Claro que a iluminação se esforça para compensar a ausência de maquiagem e deixar tudo muito mais marcado e pesado como deveria, mas os resultados naturais também são visíveis mesmo nesse esforço, e muito bem vindos.

Infelizmente o filme não faz jus ao desempenho da atriz, que parece levar todo o longa da sua própria maneira, pois o roteiro fraco, com desenvolvimentos bastante simplórios e desnecessários acabam não se aprofundando na vida de Claire e dos fatos cruciais de sua história como devia. A princípio isso é interessante, já que passa ao espectador essa difícil sensação de remoer um doloroso passado, mas o arco dramático pede resoluções e explicações em algum determinado ponto da história. Ao invés disso acontecer, o roteiro de Patrick Tobin prefere dar atenção a acontecimentos paralelos banais que entram e saem da história sem relevância, cabendo ao espectador deduzir muito do que não é mostrado e fazer o resto do trabalho que o roteirista não fez, como na relação sem uma resolução satisfatória entre Claire e Annette (Felicity Huffman), a psicóloga do grupo; ou qual é de fato a relação e os pormenores entre ela e Jason (Chris Messina), seu marido; ou a razão narrativa da aspirante a atriz entrar na história; ou as aparições de Nina (Anna Kendrick), representando a consciência da personagem, algo já bastante batido e que também podia ser evitado. Até mesmo a relação que ela desenvolve com Roy (Sam Worthington) podia ter sido mais lenta e convincente, e que da mesma forma não é resolvida de forma satisfatória. Todas essas situações, quando analisadas com mais detalhes, parecem mais funcionar como rascunhos de um trabalho inacabado. Nem mesmo o vasto e talentoso elenco foi aproveitado como devia, e cada um deles dá o ar da graça como se estivessem fazendo participações especiais em filmes da Rede Globo, de tão rápidas e irrelevantes que são. No fim o filme passa a impressão de durar muito mais do que apenas 102 minutos, atrapalhando até mesmo o impacto da cena final, que poderia ter sido muito mais impressionante como pretendia caso o roteiro tivesse sido mais maduro e menos disperso.

Não é um filme com um nível que poderia ter, mas ainda sim belo por conta de uma interpretação que não se diminui com os defeitos que ele apresenta. Na verdade é um dos raros momentos em que uma interpretação consegue ser tão forte que ofusca todos os demais elementos.

Aniston concorreu ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Drama, mas perdeu. Acreditava-se que ela teria uma vaga garantida na categoria de Melhor Atriz no Oscar 2015, mas foi ignorada. Atualmente esse fato tem sido considerado como mais um na lista das maiores injustiças da Academia nos últimos anos.

CONCLUSÃO...
Certamente um divisor de águas e épocas na carreira da atriz. Embora a crítica deveria ser sobre o filme como um todo, é Aniston quem rouba até mesmo os comentários. Desempenho impressionante e inesperado que deve ser visto pelos seus fãs e, principalmente, por aqueles que não são.

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