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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

BIRDMAN LEVOU, MENOS MICHAEL KEATON...

Neste ano, entitulado popularmente como Oscar do Desgosto, o título foi bastante coerente por ter sido o ano das maiores injustiças. Muitos filmes e atores não foram indicados, outros até bons foram, mas ocuparam o lugar de melhores. Uns foram premiados, enquando outros que mereciam muito mais, não foram.

Isso não é uma história nova na premiação, mas em um raro ano com tantos evidentes talentos e produções de imensa qualidade, o cuidado nos votos da Academia deveriam ter sido maiores e não apressado e de última hora, com pareceu ter sido.

Foi também o ano em que houve uma comoção social bastante necessária - e um tanto tardia - entre as atrizes que resolveram expressar seus descontentamentos frente à indústria. Uma "queima de sutiã" em proporções muito menores, mas que chamou a atenção do mundo do entretenimento quando finalmente exigiram a igualdade de valores quando se recusaram a responder determinadas perguntas de cunho sexista, como a roupa que vestem, as jóias que usam ou dietas que fazem, quando para os homens os repórteres fazem perguntas mais profissionais e interessantes. Estava mais do que na hora, principalmente em um ano onde a discussão de culturas inúteis como 50 Tons de Cinza faz sucesso e diminui mais ainda a atitude feminina na sociedade, pois embora Hollywood seja explicitamente machista, racista e sexista e os homens brancos dominem as categorias técnicas, a verdade é que são as mulheres quem dão densidade àqueles considerados os maiores títulos, além de serem elas a maioria do público dos cinemas. Não foi à toa que Patricia Arquette finalizou seu discurso falando sobre isso e a igualdade salarial entre os sexos no meio de todo o apoio exaltado por Meryl Streep, até porque isso foi um dos temas mais discutidos frente a um dos e-mails vazados de executivos da Sony.

Apresentado este ano pelo comediante/ator Neil Patrick Harris, não chegou a ser ultrajante como costuma ser, mas também não chegou a ser leve, moderno e empolgante como nos dois anos de Ellen Degeneres. Foi insosso, com piadas chatas e sem efeitos, sem risadas. Mas de certa forma foi melhor do que ouvir as piadas geralmente ofensivas de sempre, tirando o sarro e a pouca credibilidade que resta do cinema Hollywoodiano, enfiando no meio produções e pessoas que levam tudo aquilo muito a sério.

Chamar a festa de entediante já está tão chato e batido quanto nomear Meryl Streep (quase) todos os anos, e não tem como não ser. Para deixar tudo mais rápido e ágil, seria necessário tirar algumas das categorias técnicas para premiá-las em uma cerimônia formal à parte, como acontece com as categorias ligadas à ciência e desenvolvimento tecnológico relacionado ao cinema, que é outro tipo de linguagem que não se adequa dentro da proposta do evento. Mas tirar as categorias técnicas não seria justo porque um filme não é feito apenas por atores famosos ou um diretor renomado, e essas categorias merecem tanto destaque quanto.

Foi um ano difícil de fazer uma escolha em algumas categorias, principalmente para o público que acompanhou os filmes e compreende o mínimo necessário sobre cinema para comentar consideravelmente sobre o assunto. Tudo piorava quando Birdman, Boyhood e O Grande Hotel Budapeste estavam juntos, as três maiores produções do ano que se destacaram por qualidades bastante singulares.

Tivemos as pequenas e grandiosas oportunidades de ovacionarem o filme Selma para compensar seu esquecimento na premiação, filme que narra a marcha de Luther King pela igualdade social até Montgomery.

Selma foi produzido por Brad Pitt, que se empolgou com a consagração de 12 Anos de Escravidão, outro filme de temática racial que ele também produziu. Oprah Winfrey também está entre os produtores, celebridade que sempre se mostra uma incansável ativista social pela igualdade de diretos entre negros e brancos com muito entusiasmo, mas que insiste em ignorar o fato de que Hollywood é racista. Eu ao menos nunca a vi fazer qualquer declaração sobre isso, até mesmo por um motivo obvio: há uma dupla via de interesses aí. Hollywood necessita de Oprah pra promover a falsa idéia de que os Estados Unidos é tão igualitário que uma das personalidades mais influentes do país é uma mulher... e além de mulher, é negra. E talvez a única depois de Michelle Obama. E Oprah ganha muito dinheiro com tudo isso e não cairia bem falar mal de sua maior fonte de renda que é a própria mídia norte-americana.

Por um lado temos Brad Pitt, que raramente é visto contracenando com negros, mesmo em outros filmes já produzidos por ele e sem qualquer temática racial, como Guerra Mundial Z, um estrondoso sucesso que encheu sua produtora de dinheiro, mas não havia um negro no elenco, e se houve foi tão figurante que deve ter morrido logo nas primeiras cenas. Por outro lado temos Oprah, que luta pela igualdade, mas só produz filmes com pesadas temáticas raciais e nada além disso. Ambos juntos fortalecem ainda mais as diferenças. Uma verdadeira hipocrisia se analisado com mais profundidade, pois a contrariedade do que falam com o que fazem é muito grande.

O esquecimento de Selma na premiação novamente ergueu a questão dos negros não terem espaço nas categorias, uma dúvida que sempre surge apenas quando filmes com temáticas raciais aparecem, como se atores negros só existissem para representar papéis de escravos ou injustiçados sociais. A diferença de rotatividade entre artistas brancos e negros é tão grande que todos os anos apresentadores convidados e cantores brancos são muito mais variados do que os negros, que são praticamente os mesmos, como Jennifer Hudson, Viola Davis, Octaviana Spencer e agora Lupita N'yongo, que já viraram regras da cerimônia, como se fizessem parte de um casting previamente contratado para cumprir a cota.

Mas deixando os problemas e as incoerências sociais e da premiação de lado, de certa forma era esperado Grande Hotel perder em todas as principais categorias. Só a maquiagem feita em Tilda Swinton já garantiu a ele ao menos a estatueta de Maquiagem, mas acabou levando mais dois prêmios técnicos ligados ao deslumbre visual, tal qual são todos os filmes de Wes Anderson. O filme também levou uma estatueta para a trilha sonora, merecidíssimo. Prevejo que Anderson será um daqueles diretores injustiçados, que terá uma deslumbrante carreira de filmes excelentes, mas nunca receberá um Oscar.

Espero do fundo do coração que isso não aconteça. Esse ano ele chegou muito próximo, estava apenas a dois degraus de sua consagração. Uma pena que os dois degraus eram Birdman e Boyhood.

Por mais magnificamente belos que sejam os filmes de Anderson, não dava para competir com todo o circo técnico de Birdman e a simplicidade da vida de Boyhood. Birdman e Iñarritu levaram Melhor Filme e Diretor, prêmios válidos porque o trabalho realmente foi difícil e desafiador para qualquer cineasta. Muita gente pode até não ter gostado do filme, e isso se limita ao público leigo, mas para aqueles que compreendem as diferentes camadas técnicas utilizadas pelo diretor, percebe a grandiosidade do filme que também é, de certa forma, uma grande homenagem ao cinema e ao teatro.

Boyhood e Linklater sairam chupando o dedo, com excessão de Patricia Arquette, que levou o prêmio de Atriz Coadjuvante... uma pena, acredito que haviam melhores, como Emma Stone ou Laura Dern. O público comum o considerava o melhor, mas é aquela coisa... a fama faz a cama.

Lady Gaga surpreendeu na magnífica e comedidíssima apresentação, mesmo que alguns tons acima do necessário, mas finalmente caracterizada adequadamente para homenagear os 50 anos de A Noviça Rebelde e, claro, através de um controle emocional e vocal raro de se ver na história da apresentação, aproveitou a oportunidade de mostrar a Hollywood que ela também pode ser uma estrela de um grande musical.

Mas a grande surpresa e a maior injustiça da noite foi Michael Keaton não ganhar o prêmio de Melhor Ator, que era algo quase certo. Foi um espanto para muitos ouvir que Eddie Redmayne foi o vencedor. E isso foi o Oscar dando a sua única pitada de imprevisibilidade do ano, justo numa categoria que não merecia isso. Não que Redmayne não tenha um excelente desempenho, mas ele ainda é jovem e Keaton merecia o retorno triunfal. Como Rubens Ewald comentou ao vivo durante a premiação... "não se faz isso". E dentre todos os desrespeitos da Academia, este foi realmente um dos maiores e desnecessários do ano.

Talvez tenha sido a Academia endossando que não simpatizava com a idéia. Uma pena novamente.

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