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quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

ATÉ ONDE CHEGAR PELO SONHO AMERICANO...

★★★★★★★★
Título: O Ano Mais Violento (A Most Violent Year)
Ano: 2014
Gênero: Suspense, Drama, Crime
Classificação: 16 anos
Direção: J.C. Chandor
Elenco: Oscar Isaac, Jessica Chastain, David Oyelowo, Albert Brooks
País: Estados Unidos
Duração: 125 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um imigrante que luta para manter seus negócios e proteger sua família da forma mais íntegra possível em uma cidade liderada por corruptos e criminosos, naquele que foi o ano mais violento de Nova York.

O QUE TENHO A DIZER...
O filme é dirigido e escrito por J.C. Chandor, que já havia concorrido ao Oscar por melhor roteiro original em 2012 no seu filme de estréia Margin Call (2012).

Assim como no seu filme de estréia, temas econômicos e políticos voltam a ser tratados nesse filme, não necessaria e diretamente sobre eles, mas relacionados de alguma forma, já que a história se passa em Nova York, no ano de 1981, e mostra a jornada de Abel Morales (Oscar Isaac), um imigrante ambicioso que sonha em alcançar o grande sonho americano de engrandecer seu império através do suor do próprio rosto.

As coisas começam a dar errado quando ele, sua família e seus negócios também se tornam vítimas do crime organizado e de uma violência indiscriminada que se movimenta pela cidade, além da corrupção que se fortalece com todos esses acontecimentos desastrosos que dão início a um efeito dominó que ameaçam todo o patrimônio que Abel e sua mulher, Anna (Jessica Chastain), construíram ao longo dos anos.

A grande sacada deste filme, e que Chandor consegue desenvolver brilhantemente, é a dificuldade do personagem em conduzir seus negócios e sua vida da maneira mais correta possível. Abel é um homem íntegro, de boa índole, um patrão respeitado que treina e se preocupa com seus funcionários, cumpre sua obrigações civis, evita desentendimentos, é um pai presente e tenta solucionar seus problemas da maneira mais pacífica possível, sempre com discursos honestos, construtivos e motivadores. Ele é incapaz de ameaçar, ser ofensivo ou reagir com violência. Já Anna é o oposto, a qual acredita que as dificuldades que todos estão passando no momento é justamente pela falta de uma austeridade mais ofensiva de Abel e de sua capacidade de combater a violência com a violência, algo que ele se recusa sem espaço para discussão.

Desde o início do filme, com sua trilha sonora contida e constante, como um ruído incômodo, é possível sentir a tensão e a densidade da desesperadora situação em que Abel Morales se encontra. Seu nome, que poderiam significar "poder" (do inglês "able") e "moral" (de "morales"), são os temas principais nos quais toda a trama é construída. O personagem possui ambos adjetivos, tanto no nome quanto em sua persona, mas ainda sim não são suficientes. O roteiro consegue criar muito bem o emaranhado processo do personagem em lutar contra os fatores agravantes sem qualquer sucesso, e que tudo começa a dar certo apenas quando ele mesmo passa a ignorar suas próprias convicções.

Dentro de toda a máfia controladora que a todo custo tenta derrubá-lo dos negócios, ou as dificuldades judiciais que ele enfrenta com o promotor da cidade que o investiga há três anos devido a denúncias que nunca são comprovadas, o pesadelo parece nunca ter fim. Junta-se a isso a violência que não consegue ser controlada e a inexistência de meios legais eficazes que protejam seus funcionários dos saqueadores, a empresa da falência e a sua família da miséria. Abel é pressionado por todos os lados, exposto a uma constante tentação em resolver seus problemas através das vias mais fáceis da corruptividade. É como se o meio o obrigasse de todas as formas possíveis a ceder, e finalmente se tornar exatamente aquilo que sempre condenou.

A tensão desenvolvida por Chandor é angustiante. Ele utiliza tecnicas de roteirização não linear para construir o suspense, revelando situações e fatos não de forma progressiva com a história, mas de acordo com progressão da atmosfera apreensiva que ele cria, o que dá aquela sensação de que cada novo fato revelado ou esclarecido ao espectador são cavas mais fundas no buraco que o personagem se encontra. Oscar Isaac, que foi recentemente visto em As Duas Faces de Janeiro (The Two Faces Of January, 2014) realmente dá uma maior profundidade ao personagem do que ele aparentemente teria, tal qual fez no seu filme anterior. Jessica Chastain tem dispensado comentários, seus últimos trabalhos, mesmo que em filmes não tão bons, tem sido muito interessantes. Vê-la recentemente em Dois Lados do Amor (The Disappearance Of Eleanor Rigby, 2014) e depois neste filme, a diferença é impressionante. Ela não chega a ter a finesse e a técnica um tanto britânica da australiana Cate Blanchett, mas ela consegue se transformar bem entre um papel e outro tanto quanto. Sua participação também não chega a ser muito grande no filme. É grande no início, mas perde espaço na segunda metade do filme. Mesmo assim ela é uma importante peça em toda a trama, pois sua personagem é filha de um gângster, o que não a caracteriza como uma criminosa, mas suas atitudes tem propósitos muito certeiros e justificáveis, bastante questionáveis também, sendo ela a outra polaridade do imã e a verdadeira grande influência nas decisões de Abel. Ou seja, Anna é uma personagem bastante grandiosa e importante que transcende o tempo que aparece na tela, a grande mulher por trás de um grande homem.

Apesar de alguns momentos ele parecer bastante confuso pela falta dessa linearidade, além de algumas outras situações um tanto confusas que realmente colocam em dúvida essa tal integridade do personagem, o filme sem dúvida mostra aquela realidade que já bem conhecemos, a de que não há honestidade e integridade suficiente que consiga combater as doenças sociais nas quais todos estão vulneráveis. E embora 1981 realmente tenha sido estatisticamente o ano mais violento de Nova York, o título também remete à violência moral sofrida pelo personagem, e de que é possível evitar qualquer desastre, mas é impossível evitar o mundo corruptível, o que nos faz voltar a considerar o lamarckismo de que o meio é o grande responsável por transformar o homem que vive nele, pois é nos momentos finais do filme e na forte expressão no olhar de Abel de que, por mais que ele quisesse, para dar continuidade a seus planos, ele não podia impedir o pior de acontecer. É então que temos o endosso de que o personagem, enfim, entrou em um caminho sem volta.

CONCLUSÃO...
Não dá pra negar que o filme consegue desenvolver muito bem o processo de transformação do personagem e como o mundo corruptível realmente consegue corromper até os mais fortes e relutantes, fazendo de O Ano Mais Violento uma explicação óbvia em forma de longa metragem sobre a vulnerabilidade das pessoas frente às amoralidades que as rodeiam.

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