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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

A VIRTUDE DA IGNORÂNCIA...

★★★★★★★★★☆
Título: Birdman - A Inexperada Virtude da Ignorância
Ano: 2014
Gênero: Drama, Comédia
Classificação: 16 anos
Direção: Alejandro Gonzáles Iñárritu
Elenco: Michael Keaton, Emma Stone, Edward Norton, Naomi Watts, Zack Galifianakis
País: Estados Unidos
Duração: 119 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um ator decadente que ficou famoso por interpretar um icônico super herói no passado, e agora deve lutar contra seu próprio ego e problemas familiares conforme produz sua nova peça teatral na Broadway.

O QUE TENHO A DIZER...
Que Alfonso Cuaron e Alejandro Iñarritu são amigos de longa data, isso todo mundo já sabe. Se não sabia aqui vai uma ótima oportunidade pra saber. Junto a dupla podemos colocar Guilermo Del Toro no grupo e a entourage mexicana está pronta.

Em 2013 Cuaron supreendeu com Gravidade (Gravity), dando ao filme elementos experimentais e ao mesmo tempo comerciais que atingiram a perfeição técnica e elogios pelo mundo todo. Cuaron elevou o nível de experiência das ficções científicas de tal forma que ele pode ser considerado um grande clássico moderno do gênero e da história do cinema, tal qual foi 2001 (1968). Suas cenas coreografadas como um balé espacial em planos sequências de até 15 minutos foram grandes passos à frente daquilo que até então conheciamos como uma odisséia espacial. E precisou ser um diretor mexicano para fazer isso na meca do cinema chamada Hollywood.

Ok. Agora é a vez de Iñarritu, que pegou a proposta inicial de Cuaron e elevou à 10ª potência, dirigindo, escrevendo e produzindo aquilo que vemos em uma tomada só. Bom, ao menos é a impressão que ele passa, já que foi incrivelmente bem editado e um desafio herculeo aos atores que em algumas ocasiões tiveram que não apenas decorar mais de 15 páginas de texto como marcações precisas dos cenários. Segundo Iñarritu, seria como Phillippe Petit andando em uma corda bamba entre as Torres Gêmeas, se algo desse errado, tudo estaria perdido.

De fato, a experiência angustiante e aflitiva que o filme passa são méritos desse estilo de filmagem que Iñarritu de certa forma desenvolveu ao longo de sua carreira e que hoje em dia caem muito bem na tendência que o cinema demonstrou bastante em 2014 em dar atenção a produções que focam o lado mais intimista e realista dos personagens com câmeras na mão, ausência de maquiagem e locações reais ao invés de estúdios. Enfim, tudo aquilo que o cinema independente e europeu já traçou há quase 20 anos atrás, mas apenas agora o público mais popular está aceitando.

O roteiro, também de Iñarritu, é digno de prêmios. De fato a complexidade que se vê na tela só seria possível se muito bem detalhada a cada ponto final e a cada nova linha. Não há espaço para erros, muito embora o ambiente claustrofóbico dos corredores do teatro St. James, e tantas idas e vindas dos personagens por esses caminhos tortuosos e apertados acabam por algumas vezes excedendo a paciência de quem assiste, mas isso também faz parte da angústia do personagem que desenvolveu uma paranóia depois de tantos fracassos. As incertezas de sua nova peça teatral, na qual ele mesmo dirige e também atua, estão levando-o a loucura, fazendo-o confundir realidade e fantasia, tendo disturbios delirantes um tanto esquizofrênicos com Birdman, o herói que o deixou famoso nos anos 90 em uma trilogia de ação. O personagem agora se transformou no seu alter-ego, já que Riggan Thomson passa a agir e tomar decisões de acordo com o que Birdman faria.

Peraí. O personagem é um ator que foi famoso nos anos 90 por interpretar um super herói e agora tenta ressurgir depois do fracasso... isso me lembra Michael Keaton depois de Batman. Sim. Uma ironia (com certa paródia) talvez à própria vida do ator, e que lhe caiu como uma luva.

A moral principal do filme, e também um dos diversos significados do subtítulo poético, é exatamente como a futilidade e superficialidade reinam sobre todos nós e a nossa incansável busca pela aprovação alheia e o sucesso de alguma forma, nem que seja demonstrado por apenas um indivíduo. Todos os personagens são insatisfeitos e todos os personagens buscam aprovações, levando-os a atitudes vazias e impensadas.

É um filme visceral, uma comédia dramática negra que nos leva cruelmente para o caminho mais fácil da ignorância e que, por vezes, pode soar uma virtude, pois estar consciente e na tentativa de controlar tudo o tempo todo muitas vezes pode ser a sua própria auto-destruição. Não que ser ignorante seja nossa natureza, mas é isso que nos fazem ser o tempo todo não nos dando o direito dela ser apenas uma opção, nos dando produtos vazios e descartáveis para consumirmos a todo instante. Não é à toa que em um determinado momento vemos várias pessoas vestidas de super heróis brigando umas com as outras, ou quando Birdman diz que as pessoas gostam de explosões e sangue. Ou, principalmente, na já clássica cena de Michael Keaton correndo pelas ruas apenas de cueca, o momento que ele é mais notado de todo o filme, justamente por parecer um otário para aqueles que não sabem o motivo (apenas nós, espectadores, sabemos).

O filme não podia vir em melhor hora, colocando Michael Keaton novamente em um lugar que ele havia esquecido onde era. Vem muito a calhar depois de sua consagração no Globo de Ouro e depois da observação pontual de Gerge Clooney de que o sucesso só dura enquanto se está no tapete vermelho. Muito certeiro também depois do retorno do seriado The Comeback e da personagem Valerie Cherish na sua desesperada maratona ao sucesso.

Do sucesso ao fracasso e do fracasso ao sucesso em apenas um instante. É nessas horas que a virtude da ignorância é inexperada, e muito que bem desejada. Somos livres para fazermos o que gostamos e aquilo que desejamos fazer, independe das aprovações, porque elas são só aprovações, não significam nada no fim do dia.

CONCLUSÃO...
E mais um mexicano consegue fazer uma nova revolução técnica de filmagem. Sim, roteiro complexo e difícil para filmagens muito mais complexas e difíceis que resultaram em uma das experiências cinematográficas mais realistas de 2014 nessa onda que tem tomado força no cinema Hollywoodiano. O filme foi muito bem recebido pela crítica e já ganhou vários prêmios, entre eles o Globo de Ouro de Melhor Ator e Roteiro. Um grande concorrente ao Oscar, e um prêmio de direção a Iñarritu não cairia nada mal.

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