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terça-feira, 16 de setembro de 2014

REBU MERECIDO...

★★★★★★★★
Título: O Rebu
Ano: 2014
Gênero: Suspense, Drama, Policial
Classificação: 14 anos
Direção: José Luiz Villamarim
Elenco: Patricia Pillar, Cassia Kis Magro, Tony Ramos, Marcos Palmeira, Dira Paes, José de Abreu,  Lima, Vera Holtz, Camila Morgado, Jesuíta Barbosa
País: Brasil
Duração: 25 min.

SOBRE O QUE É A TELENOVELA?
Um crime ocorreu na mansão carioca de Angela Mahler, o corpo bóia na piscina enquanto uma festa para a alta sociedade acontece. Os motivos para a vítima morrer são muitos, e muitas também são as razões que cada um da festa tinha para poder matá-lo.

O QUE TENHO A DIZER...
O Rebu foi uma readaptação de George Moura e Sérgio Goldenberg da novela original de Bráulio Pedroso, originalmente transmitida pela Rede Globo entre 1974 e 1975. A dupla de autores tem se destacado na teledramaturgia brasileira por adaptar histórias de diferentes fontes e desenvolver tramas policiais com suspense, intrigas e elementos dramáticos dentro de uma sofisticação narrativa que até então parecia algo muito distante para a televisão brasileira, como foi o caso das minisséries O Canto da Sereia (2013), adaptação do livro homônimo de Nelson Motta, e de Amores Roubados (2014), livremente adaptado de um folhetim de sucesso de Carneiro Vilela publicado em um jornal recifense entre os anos de 1909 e 1912. Por isso, não é à toa que O Rebu é a terceira colaboração consecutiva dos autores em menos de dois anos para a emissora.

A novela original foi um grande sucesso na época e a 20ª a ser exibida na faixa das 22h/23h, horário reservado para produções mais ousadas e polêmicas, proposta supostamente retomada pela Globo em 2011 com o remake de O Astro (2011). A produção causou uma revolução na televisão brasileira ao ir completamente contra a maré narrativa tradicional por situar sua trama em apenas 24 horas. O grande desafio na época foi manter a atenção do público por 112 capítulos dentro de um espaço temporal tão limitado, que entre tropeços e erros gravíssimos de continuidade conseguiu sobreviver no meio da audiência já entediada. Algo parecido já havia sido feito antes, como no filme Festim Diabólico (Rope, 1948), de Hitchcock, sobre um assassinato cometido durante um jantar e que também se passa em um período de 24 horas, mas fazer algo equivalente em um folhetim fez da versão original ser considerada um clássico da televisão brasileira, mas seu formato ousado e inovador na época nunca mais foi repetido em nenhuma produção nacional posterior.

Como excessão da trama principal, os próprios autores não a consideram um remake, já que todo o desenvolvimento, os personagens e as subtramas são diferentes, atualizados para os dias atuais em enxugados 36 capítulos. As subtramas e os acontecimentos da festa são mostrados em flashbacks, mas em nenhum momento definidos detalhadamente.

É considerada uma telenovela por manter a forte linguagem do formato com a incessante recapitulação de fatos junto com a constante nominação dos personagens durante diálogos ou acontecimentos para a todo momento situar a audiência flutuante dentro da história, mas ao mesmo tempo é uma evolução, ou aquilo que deveria ser o futuro das telenovelas. Isso se deve pelo roteiro enxuto proporcionado pelo menor número de capítulos, a alta qualidade da produção e valores cinematográficos agregados a ela, um feito raro e que definitivamente se absteve de fórmulas baratas comumente usadas nas produções da emissora, o que tirou muito do ranso de material reciclado e filmado em escala industrial para consumo em massa, como acontece com regularidade nas demais apresentadas entre as 19 e 22h (salvo raras excessões, como a última e belíssima Meu Pedacinho de Chão ou Cordel Encantado, apenas para citar).

As qualidades excedem o esmero do design de produção que se atentou a mínimos detalhes; da cenografia deslumbrante da locação argentina reestilizada para simular uma mansão carioca; ou da trilha sonora que presenteou a audiência com diversas pérolas nacionais e internacionais de Caetano, Gal, Nação Zumbi, Nina Simone, New Order, Amy Winehouse e até Bjork, uma variedade já vista nas duas parcerias anteriores dos autores. Ainda sobre a trilha sonora, vale destacar a trilha original composta por Felipe Alexandre, Eduardo Queiroz e Guilherme Rios, muito bem inspirada pela trilha original de Requiem Para Um Sonho (Requiem For A Dream, 2000), de Clint Mansel. Uma pena que essa trilha sonora original não seja encontrada além do tema de abertura, pois as demais inserções utilizadas mantiveram uma melancolia e precisão fundamentais para diversas sequências dramáticas.

Tudo vai muito mais além nos quesitos técnicos quando observados com atenção mais detalhada. O diretor José Luiz Villamarim, que também dirigiu as outras adaptações da dupla, mantém aqui o estilo que o tem destacado dos demais no cenário televisivo, novamente optando por algo mais fluido e aberto como também repete algumas outras tentativas que tiveram sucesso no passado.

Os enquadramentos mais amplos deram mais liberdade cênica aos atores que crescem em seus personagens por mérito e não por conta de truques de câmera ou edição. E claro que, dentro disso, não há como deixar de comentar sobre os planos sequência (ou contínuos), longas tomadas que seguem o eixo de ação dos personagens sem cortes. A técnica já foi utilizada anteriormente de maneira sutil em Amores Roubados, mas agora ele realmente explora o estilo com mais afinco e valor para a história. Esse artifício cinematográfico usado com gratificante excesso no formato folhetinesco é o que expôs a essência e o cuidado de toda a produção, já que cenas assim são consideradas como um "balé" por conta de sua natureza complexa que demanda ensaios e precisão. A sincronia perfeita entre a câmera, os personagens, coadjuvantes, figurantes e cenografia é obrigatória e o resultado disso são dezenas de situações sem cortes, com duração de 2 minutos para mais, espalhados nos capítulos. Não há como negar a importância que essa técnica teve para a densidade narrativa, de substancial impacto durante o confronto entre os personagens com diálogos contínuos e verossímeis, sem o cansativo ping pong habitual entre duas câmeras que claramente indicam a completa ausência de ensaio e domínio de cena, típica linguagem didática visual das novelas industriais. E ao invés de termos uma cena de ação e reação editadas e atores presos apenas nas expressões faciais por conta do limitado enquadramento superior, vemos mais que isso, vemos os personagens realmente ganharem vida com os atores usando todo o corpo como um objeto de linguagem numa fluidez quase teatral. Assim tivemos grandes e memoráveis cenas de Cássia Kis, ou da formal rivalidade contida pela conveniência, desempenhadas com atenção ao mínimo erguer de sobrancelhas de Patricia Pillar e Tony Ramos. Foi um prazer aos olhos e às sensações, inesquecível para quem aguardava há tanto tempo algo tão sofisticado em uma emissora aberta nacional.

O elenco grandioso e eclético formado excepcionalmente pela nata subaproveitada da emissora também mostra que não há idade para atores terem excelentes papéis e que telenovelas podem chegar a um patamar de qualidade que não subestime sua audiência. O que falta mesmo são grandes autores e textos mais nobres. E que texto! Diálogos retos, sem muitos floreios e tão espontâneos que muitas vezes parecem improvisos. Com excessão de uns ou outros, que nunca se limitaram a um único tipo de papel durante a carreira, foi uma grande quebra de preconceitos ver Tony Ramos interpretar o inescrupuloso Carlos Braga e sair de sua zona de conforto e da imagem de bom moço que a emissora sempre cultivou. O impacto foi tal como foi ver Regina Duarte interpretar a histérica e impulsiva Clo Hayalla no remake de O Astro, papel que também a deixou anos luz da mesmice enlatada na qual sempre foi condicionada. Bom também foi ver Mariana Lima reaparecer com destaque, ou o humor nato de Vera Holtz ter espaço pra se espalhar sem censura junto com a faceta cômica de Camila Morgado, significantes para aliviar o clima pesado da trama, tudo sem vulgaridade ou piadinha pronta pra sorriso amarelo.

A trama desenvolvida em três eixos temporais (presente: com a investigação; passado recente: a festa; passado distante e aleatório: as histórias individuais dos personagens) chegou em um ponto onde o significado do título teve total coerência com o emaranhado de casos e consequências que se desenvolveram, e os autores conseguiram compensar a previsibilidade de algumas resoluções com a imprevisibilidade de como eles ocorreram. Uma sacada interessante e que ficou longe da mesmice já vista antes em tramas similares. Houve críticas sociais e políticas espalhadas em todos os lugares, algumas explícitas e até aborrecedoras de tão didáticas, enquanto outras mais sutis condensaram melhor a história. A festa, que na obra original foi um acontecimento de destaque, infelizmente foi posta em segundo plano aqui, um tanto frustrante para aqueles que aguardaram tanto glamour boêmio. As atuações não foram de todas felizes também, como Dira Paes, que tem seu talento reconhecido, mas infelizmente caiu em uma atuação cliché quase que amadora, ou da voz monotônica de Jesuíta Pedroso, talvez para disfarçar seu sotaque pernambucano. Sophie Charlotte pode ter exagerado na mão na testa e mão na cintura, mas conseguiu surpreender em grandes cenas. O final também poderia ter tido uma resolução diferente, mas sua construção foi admirável e igualmente satisfatória, e nem o delegado conseguiu escapar do mau caratismo ao correr para o rabo de saia da investigadora Rosa quando o fogo da palha com Angela Mahler apagou. O mau caratismo e o interesse, defeitos inerentes do ser humano.

Mas infelizmente tanta qualidade e repercussão não foram suficientes para segurar o público. A audiência reduziu consideravelmente quando sua estréia é comparada com o fim. Mesmo com 36 capítulos e uma média de 25 minutos cada um, O Rebu teria sido melhor aproveitado se tivesse sido feito como uma mini série de 8 ou 10 capítulos. Os episódios curtos, editados para se encaixar no buraco da grade da emissora, desvalorizaram substancialmente o suspense progressivo da trama, passando a falsa impressão de monotonia ou de trama desinteressante para a audiência que viaja de um canal para o outro.

Além da audiência flutuante que não foi conquistada, os mais exigentes acabaram perdendo o interesse pela trama logo no primeiro capítulo, muito pela já instalada aversão pelo formato folhetinesco e a resistência de aceitarem uma proposta diferenciada por acreditarem que isso não é possível. Foi muito comum ler e ouvir negatividades daqueles que nunca assistiram mais de um episódio ou até mesmo mais de 5 minutos. Esse preconceito enraizado é culpa da própria emissora que nunca se preocupou com a qualidade mais do que com os números, que ao longo das décadas condicionou sua audiência para isso com produções que beiram a ignorância, responsáveis por atrofiar o senso crítico da massa.

O Rebu foi sem dúvida como uma macarronada em um jantar refinado. Um prato comum, mas valorizado nos ingredientes e na sua apresentação. Uma grande excessão que infelizmente foi subjulgada por muitos que acreditaram ser apenas mais uma novela qualquer como todas as outras. É claro que já vimos trama policial parecida, já vimos produções luxuosas assim, já assistimos um elenco formidável junto e o uso do plano sequencia não é novidade para ninguém. Sim, concordo. Mas nunca vimos tudo funcionar em conjunto e com tanta precisão na televisão brasileira porque isso nunca foi feito antes. Não aqui.

CONCLUSÃO...
Telenovela faz parte da cultura nacional, e O Rebu demonstrou que, sim, a televisão brasileira tem talento e capacidade para elevar esses níveis, mas não tem uma audiência pronta para isso, ou enquanto continuarem condicionando-a para isso.

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