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sábado, 20 de setembro de 2014

FILME... SERÁ?!

★★★★★★
Título: Garota Exemplar (Gone Girl)
Ano de publicação: 2012
Gênero: Suspense, Policial, Drama
Classificação: 14 anos
Páginas: 426

SOBRE O QUE É O LIVRO?
Nick e Amy é um casal de escritores tentando superar as dificuldades depois de uma dura fase desastrosa na qual ambos perderam o emprego por conta da recessão e se sentiram obrigados a mudar de um grande apartamento em Nova York para a cidade natal no interior de Missouri, em um bairro de mansões abandonadas que sofreram com a crise imobiliária e agora são alugadas pelo governo a preços muito inferiores. Nick abre um bar, que também é administrado por sua irmã gêmea, Margot. Eles já estão acostumados com a rotina do dia a dia de casados, mas a readaptação na pequena cidade é difícil, principalmente para Amy, que adorava sua vida em Nova York. Para Nick, tudo é indiferente, inclusive nos esforços de Amy na sua constante tentativa de reerguer a relação. No dia do 5º aniversário de casamento, Amy desaparece deixando várias pistas, mas nenhuma que leve diretamente a ela. Ao mesmo tempo que a polícia investiga os fatos, a mídia cria um grande espetáculo em cima do desaparecimento, e tudo passa a indicar que Nick não é tão inocente quanto parece.

O QUE TENHO A DIZER...
Hoje resolvi fazer algo diferente e falar sobre o livro de Gillian Flynn, publicado originalmente em 2012 e que em apenas três semanas entrou para a lista de best sellers. Vendeu mais de 3 milhões de cópias pelo mundo, é considerado um fenômeno e elogiado pela crítica. Não é ainda muito conhecido no Brasil, mas a tendência é que isso mude nos próximos meses porque, claro, ele ganhará uma adaptação cinematográfica. A adaptação do diretor David Fincher terá estréia dia 26 de Setembro nos Estados Unidos e no dia 02 de Outubro no Brasil. O filme marca também a estréia da própria autora como roteirista.

Os motivos que me levam a escrever sobre ele é justamente por isso, e me antecipei na leitura para me preparar e verificar se Fincher novamente fará um trabalho tão horroroso e desnecessário quanto foi a adaptação norteamericana de Os Homens Que Não Amavam As Mulheres (The Girl With The Dragon Tattoo, 2011).

À primeira vista o tema não é tão complexo assim, e nem parece ser o livro. A narrativa em primeira pessoa a princípio apenas reafirma ser o estilo mais apreciado entre os best sellers populares nos Estados Unidos, mas não me pergunte por quê. Se não for bem cuidada, esse tipo de narrativa tende a cair em uma simplicidade desastrosa caso a descrição subjetiva seja pobre e limitada apenas em ações mal detalhadas como é, por exemplo, com a série juvenil Jogos Vorazes de Suzanne Collins. Felizmente não é o que acontece, e a autora não apenas utiliza este tipo de narrativa com muita densidade como também o divide em dois pontos de vista. O primeiro é o de Nick, que descreve a história a partir do dia do desaparecimento de sua mulher, enquanto o segundo ponto de vista lemos trechos do diário de Amy até o dia anterior de seu desaparecimento. Óbvio que os sete anos de anotações do diário são resumidos, e o enfoque acaba indo para os últimos dias que antecedem o acontecimento.

Gillian consegue a difícil arte de dar riqueza descritiva mesmo em primeira pessoa, além de prender a atenção do leitor quando a narrativa de um personagem é interrompinda em um momento crucial para dar continuidade a narrativa do outro, igualmente interrompida em um momento crucial antes. E dessa forma as duas narrativas se intercalam em pontuais interrupções que agem efetivamente como término de capítulos, dando uma boa sensação folhetinesca dentro de uma estrutura policial clássica de entreter o leitor e apreendê-lo para conclusões dramáticas. Portanto, não é uma novidade, mas a forma como ela desenvolve os dois pontos de vista e a atmosfera misteriosa criada por conta da estrutura paralela que se intercala é feita de maneira bastante inteligente.

A linguagem é igualmente rica e moderna, explícita, sem muitos floreios ou demasiada informalidade, e por conta do personagem principal ter sido jornalista de uma revista de cultura pop (a própria autora também foi), há muitas citações espalhadas no livro, tanto sobre música, quanto cinema, oferecendo uma experiência mais interativa caso o leitor esteja perto de um computador e vá atrás dessas referências assim que elas surgirem, algo bastante agradável e imersivo. Por muito momentos o livro embarca em um estilo sombrio, e mesmo o personagem principal sendo um cara sem graça e apático, a ironia da autora transforma sua constante autodepreciação em um humor bem único de grande auxílio na fluidez da leitura.

Mas é quando o livro atinge o seu meio, um meio quase exato tanto quanto no número de páginas, que o leitor se deparará com uma mudança muito repentina e brusca na história. Eu mesmo reli a primeira frase dessa segunda parte duas vezes para ter certeza de que aquilo estava certo ou se era erro da tradução. Chacolhei a cabeça, cocei o olho pra me certificar de que não estava com sono ou vista embassada e até soltei um "ahn?!" de quem não entendeu muito bem a idéia. Foi algo inesperado porque até este ponto o leitor está tão imerso nas tramas e pensando em tantas possibilidades que definitivamente ele é surpreendido. Mas a surpresa só não foi tão agradável porque ao mesmo tempo uma sensação tola de ter sido gratuitamente enganado por 200 páginas toma conta. A partir daí entramos para uma segunda parte que foge da imprecisão de antes e tenta esclarecer melhor todos os fatos. Confesso que a segunda parte infelizmente se torna previsível, e conforme o número de páginas está prestes a acabar o leitor fica se perguntando onde é que o fim vai caber em tão pouco espaço. E então ele aparece tão repentinamente que decepciona.

É difícil não ser claro nos pontos negativos sem revelar partes muito importantes da trama, por isso ele vai ser aquele tipo de livro que intrigará na primeira parte, segregará seu público na segunda parte, mas todos lerão até o fim por pura curiosidade. As reviravoltas são tão mirabolantes e surreais que, mesmo dentro da ficção, há um ponto em que fica muito, mas muito difícil aceitar, e todas as justificativas mais parecem improvisos da autora para dar logo um fim a tudo do que uma atitude realmente inteligente e pensada para os personagens, sejam eles principais, coadjuvantes, ou aqueles introduzidos na história como grandes peças chaves, mas que se tornam inúteis ou descartados para a conclusão da trama, como Bill Dune, Andie ou Tanner Bolt, este último sem qualquer relevância em toda a trama, entrando e saindo sem muitos propósitos. Ou seja, há excesso dos chamados red herrings, termo utilizado para as pistas falsas utilizadas para enganar ou desviar a atenção do leitor (ou espectador) sem motivos claros e que, vale dizer, geralmente não são muito bem vistos por conta da proeminência vazia e que empobrece a obra, seja literária ou cinematográfica.

Mas pensando por outro lado, é como se toda a psicotico-fantasia absurda inventada pela autora também pudesse significar os pensamentos e as idéias mais cabulosas que surgem em períodos de crise insustentável nas relações longas e estáveis junto com as infames competições de ego, os conflitos entre dominação e submissão, e recorrência de situações deterioriantes por conta de conveniências sociais. Tudo isso é abordado com bastante frequência na conflituosa, esquisita e doentia relação dos personagens.

Gillian também se utiliza de outros elementos sociais para incrementar todas as atmosferas hostis. Na primeira parte temos as citações dos períodos de recessão e crise imobiliária norteamericana como um dos grandes agravantes para a decadência da relação do casal, e na segunda parte temos a intensiva manipulação da mídia e sua violenta e poderosa influencia social no direcionamento de decisões.

Mesmo com uma grande reviravolta que a princípio surpreende, mas se desenvolve de maneira muito absurda e decepciona na sua conclusão, há grandes méritos que não devem ser ignorados que, de qualquer forma, fazem do livro um excelente entretenimento e uma literatura popular muito mais interessante e relevante do que os 50 Tons de Cinza por aí, até porque a narrativa de Gillian possui um ponto de vista feminino muito mais prepotente e digno de nota.

CONCLUSÃO...
Todas as reviravoltas e os arsenais misterioso e duvidosos utilizados, em sua mais pura essência, nada mais são do que uma tática comumente usada no cinema de ludibriar o espectador e que a autora soube muito bem utilizar no gênero literário para fazer o mesmo com os leitores. Toda a bagagem cinematográfica adquirida por Gillian Flynn enquanto jornalista pop foi muito bem aproveitada em palavras e composições bastante visuais em sua narrativa em uma obra que, por conta desses aspectos, poderá ser melhor aproveitada no cinema e com um final que não seja tão decepcionante, já que a autora terá oportunidade de melhorá-lo, pois ela também é a roteirista da adaptação e já foi informado que o final do filme será diferente para atrair a atenção dos que já leram e não tirar o interesse daqueles que ainda não conhecem o livro. Basta saber agora se Fincher aprendeu com a decepção de sua adaptação anterior.

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