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domingo, 7 de setembro de 2014

NÃO É DESTA VEZ, MINGHELLA...

★★★★
Título: As Duas Faces de Janeiro (The Two Faces Of January)
Ano: 2014
Gênero: Drama, Suspense, Crime
Classificação: 14 anos
Direção: Hossein Amini
Elenco: Viggo Mortensen, Kirsten Dunst, Oscar Isaac
País: Reino Unido, Franca, Estados Unidos
Duração: 96 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Um casal norteamericano que está há alguns dias em Atenas é ajudado por um guia turístico que se sujeita a fazer parte de uma perigosa trama que ele não imaginava.

O QUE TENHO A DIZER...
Estréia do iraniano Hossein Amini na direção, com roteiro também escrito por ele. Hossein tem maior experiência como roteirista, cuja carreira é um tanto esquisita. Ele foi responsável pelo roteiro de filmes excelentes como Asas do Amor (The Wings Of Dove, 1999) e Drive (2011), mas ao mesmo tempo contribuiu com os péssimos Branca de Neve e o Caçador (Snow White and The Huntsman, 2012) e 47 Ronins (2013). Levando-se isso em consideração, as possibilidades dessa produção ser boa eram um tanto incertas, mesmo contendo grandes nomes para os personagens principais e por ser baseada no livro homônimo de Patrícia Highsmith, a mesma da obra que rendeu a excelente adaptação cinematográfica O Talentoso Ripley (The Talented Mr. Ripley, 1999), de Anthony Minghella.

Chester (Viggo Mortensen) e Colette (Kirsten Dunst) é um casal norteamericano que está passando alguns dias em Atenas. Entre um passeio turístico e outro, Chester percebe que um estranho o observa. Colette consegue se aproximar de Rydal (Oscar Isaac) e descobre que ele é um americano que mora em Atenas e trabalha como guia turístico, pois ainda não decidiu o que fazer de sua vida pessoal e profissional. O casal contrata o guia e algumas semelhanças levam Rydal a uma fascinação por ambos que o sujeitará a ajudá-los quando Chester é perseguido pela polícia por motivos que para não são claros, mas que colocarão Rydal dentro de uma trama perigosa que ele não imaginava.

Depois que Anthony Minghella realizou o deslumbrande O Talentoso Ripley, elogiado pelo mundo todo pelas excepcionais qualidades visuais, técnicas e pela habilidade que ele teve em desenvolver a história com um cativante suspense progressivo e dramático, até mesmo ao incluir uma personagem que não existia no livro e aumentar sua participação apenas para dar mais destaque ao desempenho de Cate Blanchett, que ao invés de adulterar os rumos da história apenas incrementou ainda mais o tom hitchcockiano que ele deu à trama, o cinema ficou novamente carente de suspenses psicológicos sofisticados como aqueles entre as décadas de 40 e 60 referenciados e homenageados por Minghella.

Ao assistir o trailer de As Duas Faces de Janeiro a fotografia clássica juntamente com o estilo literário já conhecido da autora Highsmith, gerou uma grande expectativa pela estréia de Hossein, e referências à obra de Minghella foram inevitáveis. A tentativa de repetir a fórmula de sucesso da adaptação de O Talentoso Ripley são tão evidentes que um dos produtores executivos é Max Minghella, filho do falecido diretor.

Realmente não dá para evitar comparações, mas ao invés delas se tornarem referências nostálgicas e até uma excelente oportunidade para homenagear Minghella e os méritos alcançados por ele em um dos seus últimos grandes filmes, tudo se transforma numa experiência bastante frustrante em muitos aspectos.

A narrativa condensada, o suspense envolvendo o passado desconhecido dos personagens e acontecimentos chaves que ocorrem em momentos exatos logo na primeira meia hora conduzidos pela trilha sonora de Alberto Iglesias com grandes referências a Bernard Herrmann em Psicose (Psycho, 1960) claramente conduzem e preparam o espectador à atmosfera esperada. Mas infelizmente a robustez desse início perde a força quando o roteiro entra em um platô superficial que não ousa em momento algum abusar do passado e dos conflitos psicológicos individuais dos personagens que justifiquem de fato suas atitudes e os posicionem na trama como acontece no livro, principalmente a respeito de Rydal, o ângulo reto do triângulo que se forma.

O título do filme se refere ao deus romano de duas faces, Jano (ou Janus), guardião das transições, das portas, das decisões e do início, com uma face voltada para o passado e a outra para o futuro. Essa figura romana representa o ajuste de contas que Rydal fará com seu passado ao enfrentar as decisões perigosas do presente, além da história ocorrer no início de Janeiro, que também simboliza a oportunidade do grande recomeço na cultura popular. Na obra de Highsmith, essa associação do título com a trama se revela quando Rydal encontra uma estranha e penosa semelhança de Chester com seu falecido pai, e de Colette com uma garota por quem ele foi perdidamente apaixonado na adolescência. A transferência dessas duas fortes figuras de sua vida no casal é o que leva Rydal se manter próximo a eles na inconsciente busca pela resolução de sua traumática relação com seu detestável pai, e no romance interrompido com a garota na adolescência.

Motivos tão importantes como esses e as verdadeiras fundações de toda a trama não são exploradas da forma devida. Há apenas breves referências a respeito da semelhança física de Chester com o falecido pai de Rydal, sem maiores desenvolvimentos que esclareçam ao espectador o motivo dessa transferência de personas tão forte e a relação de amor e ódio que cresce entre eles. Os principais macroacontecimentos no filme seguem a mesma cronologia do livro, com algumas alterações que até beneficiariam a adaptação dentro do gênero proposto caso a atenção devida aos problemas já mencionados tivessem sido dados, mas ao contrário do suspense psicológico bem orquestrado do livro, tudo se transforma em uma história de crimes passionais comum no filme, com perseguição policial tola e um triangulo amoroso formado da maneira mais simples possível que explora uma ingenuidade de Colette inexistente, já que no livro sua infidelidade era recorrente. O resultado é um filme vazio, com um final banal que torna toda a trama redundante ao invés de significar o ápice dramático, a definitiva e esperada grande libertação de Rydal de seus conflitos, sua final jornada pela simbólica absolvição tão buscada.

Mesmo desenvolvendo um excelente trabalho, Viggo Mortensen tem seu talento deseperdiçado aqui por conta do filme esquecível que impressionantemente é. Kirsten Dunst ainda não aprendeu a ter uma postura sofisticada sem parecer estudante universitária, e como sempre suas melhores partes são quando as personagens sofrem maiores pressões. Desperdiçadas também são as locações na Grécia e Turquia, ao contrário do que foi feito por Minghella ao transformar a exuberância das paisagens italianas um grande adendo no misto de beleza e delicada crueldade contidas em O Talentoso Ripley. Oscar Isaac tem impressionantes momentos, talvez por conhecer a obra original e saber que seu personagem é muito mais complexo do que o roteiro apresenta, mas que para o espectador que é mal esclarecido por todos os 96 minutos, as atitudes de seu personagem soarão apenas como uma fixação vazia e romanticamente descabida, sem pretexto coerente algum.

CONCLUSÃO...
Uma adaptação banal e redundante para o espectador que foi muito mal introduzido e situado em todo o contexto, ao contrário da obra literária que conduz a história para um suspense psicológico baseado em um simbolo mitológico que justifica todo o ciclo dramático do personagem principal.

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