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segunda-feira, 22 de setembro de 2014

BRILHANTE CONCEITO...

★★★★★★★★★☆
Título: O Reencontro (Återträffen)
Ano: 2013
Gênero: Drama
Classificação: 14 anos
Direção: Anna Odell
Elenco: Anna Odelle, Rikard Svensson
País: Suécia
Duração: 88 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
No reencontro do grupo escolar 20 anos após de formados, Anna não foi convidada. Ela faz um filme simulando o que poderia ter acontecido caso tivesse ido, e qual teria sido as reações de seus ex-colegas ao discursar sobre as impressões que tinha sobre aquela época e convida todos, individualmente, para assistirem.

O QUE TENHO A DIZER...
O Reencontro é a estréia da controversa artista sueca Anna Odell como diretora, roteirista e atriz. Artista que incialmente chamou a atenção em 2009 quando um dos seis vídeos do ousado projeto Mulher Desconhecida 2009-349701 se tornou uma grande polêmica no seu país depois que fingiu ser uma psicótica que tenta cometer suicídio na ponte Lijeholmsbron, em Estocolmo. Ela foi interceptada e internada na ala psiquiátrica, mas no dia seguinte revelou que era saudável e que tudo foi parte de uma encenação de um projeto artístico. O trabalho foi um importante material para Anna analisar o comportamento das diversas estruturas de poder na saúde, da visão e das pessoas frente os mentalmente perturbados, além do papel de vítima impingido ao doente e o papel da imprensa, já que ela foi acusada de ter resistido violentamente à prisão e agredido membros do corpo de saúde, o que posteriormente foi provado ter sido especulação midiática. Isso não impediu que, mesmo assim, Anna fosse condenada a pagar 50 dias de multa por falsidade comportamental e atentado à ordem.

A biografia da artista mostra uma infância não muito fácil de assédio moral e físico em uma época em que o termo bullying não era moda. Hoje, adulta e com todos os traumas já superados, utiliza essa bagagem como conceito artístico de observação do comportamento e relações. Portanto, a idéia original de seu novo projeto surgiu quando ela teve conhecimento de que haveria um reencontro de 20 anos do seu grupo escolar. Ela intencionava levar um discurso pronto para realizar durante o encontro e falar sobre o tratamento diferenciado e abusivo que sofreu de todos eles por 9 anos e registrar as reações comportamentais de seus ex-colegas após serem confrontados com este passado. Porém, alguns dias depois recebeu uma notícia de uma amiga informando que a reunião já havia acontecido, que todos haviam sido convidados, menos ela.

A princípio ela ficou chateada por seus planos não terem dado certo para aquela situação específica, mas foi então que resolveu iniciar um processo de seleção de atores para filmar uma simulação deste jantar vislumbrando o que poderia ter acontecido caso tivesse sido convidada e discursado como pretendia. O discurso utilizado na simulação é, segundo ela, o mesmo que ela teria usado na realidade, e o roteiro, bem como o comportamento de cada ator em cena, foi desenvolvido durante o processo de filmagem em conjunto com cada um deles. Segundo Anna, os atores relataram suas próprias experiências na época de colégio e muitos deles se enquadravam perfeitamente em algum patamar da hierarquia comportamental existente nesses grupos. A partir dessas experiências particulares e a visão que a artista criou sobre como deveria ser o comportamento de cada um deles enquanto adolescentes, os personagens foram criados.

Depois de especificado os atores e seus respectivos personagens, o arco dramático da narrativa foi desenvolvido e os ensaios começaram. Ao contrário do que comumente é feito, nenhum ensaio foi baseado nas cenas da simulação do reencontro porque a artista não queria que os atores se estabelecessem em uma zona de conforto. Então eles se reuniam, conversavam, se relacionavam e criaram vínculos dentro dos personagens para que a sensação de interação e amizade entre eles fosse o mais legítimo possível. Por ser também a diretora do filme, ela achou importante distanciá-los dessa imagem dominadora que ela pudesse passar, logo, nesses encontros, todos foram orientados a tratá-la com diferença e inferioridade, para que pudesse ser estabelecido o domínio que eles deveriam ter sobre Anna Odell enquanto atriz e personagem, o que ela faz muito bem em sua estréia, diga-se de passagem. Este excelente trabalho preparatório sem dúvida resultou em um nível de "genuinidade" evidente e o curso dramático se torna muito mais intenso e chocante por isso e também pelo alto nível do elenco.

Esta primeira parte do filme que segue na simulação deste reencontro, impressiona por erguer grandes questões sobre o assédio e também sobre a hierarquização que se estabelece nos grupos envolvidos, bem como na falta de atenção, despreparo e muitas vezes cumplicidade de terceiros sobre a opressão e discriminação daqueles que não se enquadram em um padrão pré-determinado e aleatório. A maneira inconveniente que a artista escolhe para confrontar tudo isso neste material fictício a coloca em constantes situações autodestrutivas, desconfortáveis e constrangedoras que em um primeiro momento sensibiliza o espectador, mas quando ela insiste no ataque e causa a revolta dos demais, ela deixa de ser uma vítima para se tornar a causadora de suas próprias consequências. Isso inverte a situação e, sem perceber, o espectador também se volta contra ela e se sente em uma posição assediadora tanto quanto os outros. Quando o espectador percebe isso (se percebe), ele se constrange por compactuar com essa covarde brutalidade. É aí que o grau de gravidade e da falta de indulgência se escancara aos olhos, ficando nítido que, embora hoje já adultos, as atitudes ofensivas incoerentes, infantis e gratuitas ainda permanecem as mesmas quando não há consciência dos atos.

A segunda parte do filme é quando Anna se mostra como mulher e artista segura, já reconhecida pelos seus trabalhos anteriores e, como diz um de seus colegas, ela agora está acima desta hierarquia, e mesmo que alguns deles não percebam isso, quem está na posição de dominação agora é ela. Ela entra em contato individualmente com cada um de seus ex-colegas propondo um encontro para a exibição da simulação do reencontro, que ela apresenta apenas como sendo "um filme sobre a época de colégio". Odell afirmou em uma entrevista que muitas vezes não teve sucesso no contato com seus ex-colegas. Muitos apresentavam interesse, mas nunca retornavam as ligações ou não atendiam os contatos seguintes. Outros simplesmente negaram ou inventavam demais desculpas como indisponibilidade, viagens ou até mesmo que iam mudar de cidade. A artista insistiu com todos até as últimas consequências, ou até ter a inevitável negação verbal, já que esta já era uma resposta e condizia com o objetivo do trabalho. Com aqueles que ela conseguiu se encontrar, o vídeo foi apresentado. As reações, comentários e opiniões de cada um foram registradas por ela. Por não ter interesse em expor as pessoas, já que este nunca foi seu foco e muito menos objetivo, o que vemos na segunda parte do filme é uma reencenação de atores sobre o que realmente ocorreu em alguns dos encontros, mas curiosamente os atores da segunda parte são diferentes daqueles que os representaram na simulação justamente para deixar mais clara a metalinguagem utilizada.

É interessante observar como a maioria daqueles que foram abordados pela artista não se lembram de detalhes tanto quanto ela, ou não tinham sequer consciência da posição hierárquica que eles naturalmente estavam posicionados, o que é assustador, pois demonstra que eram comportamentos corriqueiros, irrelevantes e automáticos. Ao mesmo tempo, muitos dos mesmos tentavam convencê-la de que ela estava enganada e que tudo nada mais era do que uma impressão distorcida dela sobre as coisas, o que evidentemente não era, pois o assediador só é vitorioso quando consegue convencer o assediado de que ele quem está errado.

A psicologia historicamente compreende a maldade inerente na fase infantil por falta da consciência do certo e errado, e que, conforme o amadurecimento e aprendizagem frente a educação e limites, essas diferenças de comportamento tendem a diminuir caso não haja a negligência dos adultos educadores envolvidos nessa criação e formação, como pais e professores, por exemplo. Outros filmes que tratam sobre assédios morais nesta fase já retrataram com bastante riqueza as consequências psicológicas dos indivíduos que sofreram esses abusos e o filme de Anna Odell firma mais uma vez como esses processos são comuns e as sensações de impotência são universais.

Até o momento o filme ganhou diversos prêmios como o Festival Europeu de Bruxelas, Festival Internacional de Dublin, Festival de Estocolmo e Festival de Veneza. Há grandes possibilidades do filme ainda concorrer a outros prêmios na temporada 2014/2015 de premiações, já que ele ainda não teve lançamento nas américas.

CONCLUSÃO...
O filme como um todo merece ser visto não apenas pela metalinguagem desenvolvida com extrema cautela e coesão dentro das diferente formas narrativas que a artista utiliza como também por mostrar através das reencenações as diferentes impressões que cada um de seus ex-colegas tinham sobre a época, além do total desconhecimento de atitudes tão perversas.

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