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domingo, 10 de agosto de 2014

PARAÍSO DO SEXO E DAS DECEPÇÕES...

★★★★★★★
Título: Paraíso: Amor (Paradies: Liebe)
Ano: 2012
Gênero: Drama
Classificação: 16 anos
Direção: Ulrich Seidl
Elenco: Margarete Tiesel, Peter Kazungu, Inge Maux, Dunja Sowinetz, Helen Brugat, Melanie Lenz
País: Áustria, Alemanha, França
Duração: 120 min.

SOBRE O QUE É O FILME?
Uma mulher de meia idade resolve realizar um turismo sexual para um paradisíaco resort na costa do Quênia juntamente com outras mulheres da mesma faixa etária.

O QUE TENHO A DIZER...
Dirigido por Ulrich Seidl com roteiro escrito também por ele juntamente com sua mulher, Veronika Franz. É a primeira parte de uma trilogia do diretor que contará três histórias paralelas. Por ter sido um filme com roteiro realizado fora dos padrões estéticos convencionais por conta do teor documentado proposto, o diretor chegou no fim das filmagens com material suficiente para mais de cinco horas de filme. Durante as edições percebeu-se que as histórias paralelas não tinham força para manter umas às outras dentro de um único contexto, e foi então que ele decidiu separá-los em três filmes distintos, já que cada um deles vai contar três episódios de três personagens, que ocorrem em três cenários diferentes, mas dentro de um mesmo espaço de tempo.

A história desse filme mostrará a viagem de Teresa (Margarethe Tiesel), uma austríaca de 50 anos que resolve passar alguns dias em um paradisíaco resort africano no litoral do Quenia juntamente com outras mulheres solteiras, viúvas ou desquitadas, dentro da mesma faixa etária e igualmente bem estruturadas financeiramente, que viajam para se aproveitar do intenso turismo sexual já conhecido por algumas.

Embora bastante independente e financeiramente estável, Teresa é uma mulher solteira e solitária, frustrada sexualmente em suas relações anteriores, e que não possui grandes preocupações além da sua casa, sua gata, sua filha e sobre algumas pressões sociais recorrentes na cultura ocidental a respeito dos padrões de beleza e estética.

No primeiro dia de viagem uma de suas amigas comenta sobre a facilidade de conhecer homens locais para sexo e que todas as mulheres austríacas os atraem independente do biotipo ou da idade, pois são bastante diferentes das mulheres locais. Teresa se envergonha sobre o assunto por conta de sua ingenuidade e inexperiência, embora sua curiosidade passe a ser alimentada por fantasias que ela nunca expressa.

Após uma frustrante tentativa de conhecer o primeiro homem na viagem, um segundo, chamado Munga, se aproxima de forma muito delicada e solícita que a cativa. Ele faz questão de andar de mãos dadas com ela pela cidade, dizendo que a ama e o quanto ela é atraente, o que inevitavelmente a leva a se apaixonar por ele. Alguns dias depois Munga mostra algumas realidades do precário modo de vida das pessoas, e solicita ajuda financeira para seu sobrinho que está internado, para a irmã que tem dificuldades e para a professora da escola local. Tereza doa grandes quantidades sem questionar, mas uma noite ele se nega a ter relações sexuais com ela dizendo que o dinheiro dado foi pouco, e que por isso ele a proibe de tocá-lo. Tereza vai embora e nunca mais tem notícias dele, até flagrá-lo na praia com sua mulher e filhos. E essa mesma história se repete com os demais homens que ela conhece por lá.

Desde o princípio o espectador sabe que a abordagem de Munga, bem como dos demais sobre ela e as outras mulheres, é apenas para explorar sua vulnerabilidade como turista, de sua carência e de uma certa ingenuidade que persiste em existir, e o momento em que Tereza é negada é o choque que ela tem com a realidade em perceber que esses homens são prostitutos que se aproveitam dessas suas fraquezas tanto quanto os homens antes dele também já fizeram. Esta situação rende uma das cenas mais dramáticas do filme, e do sentimento explícito da personagem de ter sido abusada, explorada e enganada mais uma vez.

Para quem assiste o filme é fácil perceber que a abordagem que a personagem constantemente sofre é um meio de vida dos habitantes locais disfarçadas de alguma forma, já que a prostituição no Quênia é ilegal. Isso se deve por conta dos altos índices de pobreza e desemprego (a renda média de um queniano é de 4 euros) o que leva a crianças e jovens à precoce prostituição para ajudar seus familiares financeiramente, com comida e outras necessidades.

Embora a realidade mostre que os índices de prostuição sejam mais altos no sexo feminino e o cinema explore isso regularmente, o diretor inverte os papéis para mostrar um ignorado ponto de vista sociocultural sobre isso. Enquanto os homens entendem o sexo como uma necessidade fisiológica e fácil de ser consumada, as mulheres entendem como uma consequencia (ou um resultado) de uma afinidade emocional. Siedl criou uma história utilizando mulheres na meia idade para intensificar a inibição social que elas sofrem dentro da tendenciosa cultura machista que descarta aquelas que estão fora de padrões de beleza ditados pelo sexismo ocidental e, por isso, construindo uma narrativa que mostra que o turismo sexual buscado por elas tem objetivos bastante diferentes dos homens. Elas também buscam o sexo e pagam por ele para, como diz uma das personagens, serem vistas e aceitas pela sua essência, já que não são mais aceitas pela beleza física que não possuem mais.

Todas essas situações se tornam muito mais interessantes quando percebemos que, embora as necessidades sexuais entre homens e mulheres sejam diferentes, as condições machistas e abusivas dos homens sobre elas continuam as mesmas, independente das mulheres serem as que recebem pelo sexo ou as que pagam por ele.

A beleza do filme se dá por lidar com essas sutilezas e incompreensões da sensibilidade sexual feminina de uma sociedade estável e, em paralelo, as terríveis condições determinantes que levam uma população de vida tão precária a encontrar no sexo a única alternativa viável de renda mais do que uma resposta de um sentimento. Mesmo mostrando duas culturas e comportamentos sexuais completamente diferentes, e como eles se interceptam, todos continuam sendo vítimas de um mesmo sistema cruel que por um lado dita regras comportamentais e por outro dita as regras sociais.

A maneira documentada de filmagem que Seidl utiliza para mostrar esses paradoxos e atores que estão completamente fora de qualquer padrão de beleza comumente explorados no cinema são os mais próximos da realidade que poderiamos encontrar e que direcionam o espectador a cenas de nudez explícita e aproximações sexuais sem soar vulgar. O erotismo natural em nenhum momento aparenta abusivo ou fora de contexto, até porque os personagens, mesmos despidos, estão expondo seus sentimentos e vulnerabilidades de forma mais explícita do que o próprio sexo.

Os cenários naturais da costa índica africana, filmados nas praias de Mombaça, são deslumbrantes, e a fotografia realista, bem como o filme em si, se atenta a retratação do cotidiano em ações e diálogos, e aquilo que vemos no filme é exatamente aquilo visto pelo diretor, sem nada a acrescentar ou a retirar daquela realidade, tanto que o elenco masculino é de moradores locais e amadores. É um filme logo e lento, que não consegue evitar sua previsibilidade por ser verdadeiro, além de bastante corajoso na sua temática e nas construção das imagens, utilizando um leve humor dramático para amenizar toda a crueza de duas grandes diferentes realidades sociais e comportamentais, nunca esquecendo também de pontuar levemente algumas (in)tolerancias raciais.

O filme venceu os prêmios de Melhor Filme, Diretor e Atriz no Festival de Filmes da Austria, além de ter concorrido a Palma de Ouro em Cannes e em outros festivais internacionais. Foi muito bem recebido pela crítica, embora bastante comparado ao francês Vers Le Sud (2005) que também conta três histórias paralelas sobre três turistas que viajam ao Haiti com o mesmo objetivo.

CONCLUSÃO...
Mesmo longo e previsível, é um filme belo e amargo sobre confrontos culturais, sociais e comportamentais entre a razão e a emoção, a valorização de insignificâncias e a desvalorização das poucas importantes que restam.

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